March 6, 2022

Uma guerra do Século XX

 



ALDO FORNAZIERI

O conflito na Ucrânia é uma guer-

ra mundial localizada no terri-

tório ucraniano. Todas as gran-

des e médias potências têm interesses

envolvidos. Se ela não for bloqueada, po-

derá extrapolar para outras partes da

Europa. Daí em diante, o mundo mer-

gulharia no abismo do imponderável.

Esta é ainda uma guerra do século XX

que trouxe para o século XXI entulhos

não resolvidos ou mal resolvidos implica-

dos com o fim da Guerra Fria. O Ociden-

te aproveitou-se daquele desfecho para

se expandir indevidamente para o Leste

Europeu. Os Estados Unidos impuseram o

seu unilateralismo ao mundo, o que, agora,

não é mais viável. Teimam em não aceitar.


As guerras do Vietnã, do Iraque e do

Afeganistão mostraram que o recurso à

violência não é um método viável e acei-

tável para impor hegemonias. Somente

aqueles desprovidos de humanidade po-

dem supor que as guerras não estão im-

plicadas em imperativos morais. Esses im-

perativos estiveram presentes em todos

os tempos e somente criminosos não os

consideraram. Não fosse assim, não teria

existido o Tribunal de Nuremberg nem os

princípios da paz e da autodeterminação

dos povos da Carta da ONU, e não haveria o

Tribunal de Haia. É desolador ver quem se

diz de esquerda supor que não se deve con-

siderar imperativos morais nesta guerra.

Antes da invasão da Ucrânia, a Rús-

sia tinha a vantagem moral, pois suas

demandas eram e ainda são legítimas.


Mas, ao agredir injustificadamente, co-

locou a vantagem moral na boca de líde-

res ocidentais que têm as mãos sujas de

sangue. Quando se tem demandas legíti-

mas, é lícito usar a força para alcançá-las.

Mas força não é necessariamente violên-

cia e a violência só pode ser usada como úl-

timo recurso defensivo. A Rússia poderia

até ocupar militarmente as repúblicas au-

tônomas de Donetsk e Lugansk para fazer

valer o acordo de Minsk e ainda seria uma

ação legítima. Mas, ao impor uma guerra

cruel ao povo ucraniano, adotou o cami-

nho da ação criminosa.


Putin cometeu vários erros de curto

e longo prazos. De curto prazo, subesti-

mou a resistência dos ucranianos, a ca-

pacidade do Ocidente de impor sanções

avassaladoras e cometeu várias trapalha-

das estratégicas e logísticas. De longo pra-

zo, não levou em conta que as guerras se

tornaram contraproducentes em termos

econômicos e financeiros, que a imposi-

ção pela força a povos independentes não

subsiste no tempo e que, no fim de tudo,

a posição agressora sairia derrotada. Não

calculou sequer as consequências de uma

guerra na era das comunicações digitais.


A guerra uniu a Europa e fortaleceu a

Otan. Impõe sacrifícios ao povo russo e a

dor e o desespero aos ucranianos. Putin

cometeu ainda a insanidade de ameaçar o

mundo com o uso de armas nucleares. Ele

conseguiu transformar um comediante

inexpressivo num herói internacional. A

única saída racional que ele tem consis-

te em parar a guerra e negociar.


O Ocidente precisa encontrar um ca-

minho de garantir uma saída negociada a

Putin. Nesta guerra, todos têm pouca ra-

zão e todos terão graus variados de per-

das se se quer evitar o pior. Putin terá de

engolir a sua ambição e vaidade imperiais

de destruir o Estado ucraniano. A Ucrâ-

nia terá de abrir mão de querer entrar na

Otan, terá de reconhecer a autonomia das

duas repúblicas e de ser uma zona neutra.

Uma Ucrânia esmagada a ferro e fogo e

coberta por rios de sangue imporá enor-

mes dificuldades à Rússia nas negocia-

ções. Se a Ucrânia for preservada da des-

truição, o Ocidente terá de aceitar que as

demandas de segurança da Rússia são le-

gítimas e colocar um fim à expansão da

Otan. Terá de negociar com a Rússia no-

vos termos da segurança europeia, en-

volvendo, inclusive, as armas nucleares.

A opinião pública mundial precisa exi-

gir que, com o tempo, a Otan seja extin-

ta, com contrapartidas da Rússia.


Os melhores estrategistas de todos os

tempos disseram que as hegemonias não

podem ser mantidas pela violência e pe-

la opressão das armas. Depois dessa vio-

lência, os ucranianos nunca aceitarão o

domínio de Moscou. Os povos das anti-

gas repúblicas soviéticas repudiam Putin

e sua dominação. Os povos da Crimeia,

da Bielorrússia e da Geórgia nunca serão

aliados dóceis.


Socialistas e democratas não podem

aceitar impérios hegemônicos. Se não é

possível evitá-los neste momento, o me-

lhor é que o mundo tenha vários centros de

poder, que seja multipolar. Ao escolher a

violência, Putin escolheu o pior caminho.

“Ninguém pode concordar com a

guerra... A guerra não leva a nada, a não

ser mais destruição, a não ser mais de-

semprego, mais desespero, mais fome”,

disse Lula. Acrescentou que é impor-

tante repudiar esta guerra e que a Rús-

sia faz aquilo que os Estados Unidos, a In-

glaterra e a França sempre fizeram. Lu-

la cumpriu com seu dever moral, junta-

mente com o PSOL e a esquerda demo-

crática mundial ao condenar a guerra. •


CARTA CAPÍTAL


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