July 25, 2021

CONTA DE PADARIA

 



ALÉM DE INCORPORAR O HISTRIONISMO BOLSONARISTA,

GUEDES É ACUSADO DE MANIPULAR DADOS

OFICIAIS PARA MAQUIAR A REALIDADE ECONÔMICA


p or C A R L OS DRUMMON D 

Paulo Guedes virou piada no
mercado e na política. As
previsões tanto otimistas
quanto infundadas lhe va-
leram o apelido de “minis-
tro da semana que vem”,
sempre a projetar um futu-
ro radiante nunca alcança-
do. À predisposição de vender miragem o
Posto Ipiranga agregou, como se diz nas
melhores palestras de autoajuda, um lin-
guajar cada vez mais agressivo e histri-
ônico, ao gosto dos devotos soldados de
Jair Bolsonaro. Em um curto intervalo
de tempo, Guedes repetiu a versão de que
a Covid-19 foi inventada em laboratório
na China, desdenhou da vacina produzi-
da pelo mais importante parceiro comer-
cial do País, reclamou da longevidade dos
brasileiros, segundo ele um estorvo para
as contas públicas, e espargiu o que pro-
vavelmente é uma fake news a respeito do
ingresso imerecido do filho do porteiro
na universidade, modo canhestro de cri-
ticar o Fies, programa de financiamento
estudantil. De modo geral, o ministro foi

reduzido ao papel de animador de audi-
tório, enquanto o “Centrão” define os ru-
mos da economia, mas seu poder de des-
truição não pode ser desprezado. Acumu-
lam-se evidências de que Guedes e sua
equipe têm manipulado dados oficiais
para suavizar o péssimo trabalho. Segun-
do especialistas, há razões de sobra para
se desconfiar das estatísticas de geração
de emprego, arrecadação e peso da car-
ga tributária, entre outros indicadores.

AS MUDANÇAS
DE METODOLOGIA
NO REGISTRO
DE CRIAÇÃO DE
EMPREGOS E AS
CONTAS SOBRE
A ARRECADAÇÃO
NÃO CONVENCEM


“O vigor e a resiliência da economia
brasileira surpreenderam novamente.

Temos que admitir que a economia, do
ponto de vista do mercado formal, está se
recuperando em altíssima velocidade. O
resultado do Caged, recorde para o mês,
mostra que o Brasil está no caminho cer-
to da recuperação da atividade econômi-
ca”, declarou a propósito da abertura de
401.639 vagas com carteira assinada em
fevereiro, segundo o Cadastro Geral de
Empregados e Desempregados. Em mar-
ço, com 184 mil novos empregos formais,
Guedes comemorou eufórico: “A econo-
mia está de pé novamente, o último setor
que estava no chão se levantou”.


A realidade é, entretanto, muito di-
ferente. A economia opera 30% abai-
xo do patamar de sete anos atrás, des-
taca o economista Paulo Gala, profes-
sor da Fundação Getulio Vargas. Quan-
to ao mercado de trabalho, importantes
alterações em indicadores geraram ba-
ses frágeis para soerguer o otimismo do
ministro. Segundo o economista Mar-
celo Manzano, professor e pesquisador
do Centro de Estudos Sindicais e Econo-
mia do Trabalho da Unicamp, “Guedes

tem aproveitado os números positivos de
aparente crescimento do emprego for-
mal medido pelo Caged para fazer pro-
paganda da política econômica do gover-
no. Mas se trata de propaganda engano-
sa e o ministro, se não sabe disso, teria
a obrigação de se informar e considerar
que os dados do Caged para o contexto da
pandemia têm pouca serventia, na ver-
dade mais atrapalham do que ajudam a
compreender o que de fato ocorre no nos-
so mercado de trabalho”.


A propaganda do ministro sobre o au-
mento do número de empregos formais
como evidência do êxito da sua política
econômica seria enganosa por dois mo-
tivos. Em primeiro lugar, explica Man-
zano, os desligamentos de trabalhadores
formais não têm sido devidamente infor-
mados ao Caged, principalmente porque
muitas empresas de pequeno porte fali-
ram e simplesmente deixaram de atua-
lizar o sistema oficial (eSocial).



Além disso, diz o acadêmico, co-
mo o governo alterou a meto-
dologia da pesquisa em janeiro
de 2020, dois meses antes da
pandemia, e passou a conside-
rar outras modalidades de em-
prego formal que não eram computadas
antes, a exemplo de trabalhadores com
contrato por tempo determinado e os in-
termitentes, quando a economia voltou
lentamente a se recuperar do tombo do
segundo trimestre, foram justamente es-
sas modalidades de contrato de trabalho
que pareciam mais adequadas às empre-
sas. Logo, na medida em que informavam
ao Caged essas novas contratações e o nú-
mero mensal era comparado com aque-
le do mesmo mês do ano anterior, 2019,
época em que não se contabilizavam es-
ses tipos de empregos, o diferencial dos

números parecia indicar um crescimen-
to extraordinário do emprego formal que,
na realidade, é em grande medida ape-
nas um efeito estatístico. “Somados, es-
ses dois problemas fizeram os resultados
do Caged descolarem da dinâmica con-
creta do mercado de trabalho, razão pe-
la qual é recomendável muita parcimônia
na utilização de seus dados. Entretanto,
a parcimônia não é o forte do ministro”,
dispara Manzano.

O MINISTRO
INVENTOU UM
NOVO CONCEITO
PARA ESTIMAR A
CARGA TRIBUTÁRIA
NO BRASIL
TRAPALHADA OU ENGANAÇÃO?

Dois dias depois da comemoração de
Guedes, o IBGE informou que o total de
desempregados atingiu 14,4 milhões no
acumulado de dezembro a fevereiro, re-
corde para o mês na série histórica inicia-
da em 2012. Os recortes, metodologias e
períodos são distintos daqueles do Caged,
mas a escalada ininterrupta do desempre-
go torna ainda mais chocante o malaba-
rismo oficial para superdimensionar o
significado da criação de vagas formais.


A maquiagem inclui escolhas
que superestimam o desem-
penho da arrecadação tri-
butária federal, um impor-
tante indicador de dinamis-
mo da economia. “O gover-
no comemorou a arrecadação de impos-
tos de março, de cerca de 134 bilhões de
reais, o que, na comparação com mar-
ço de um ano atrás, é uma alta de qua-
se 26%. Como a arrecadação tem rela-
ção com a atividade econômica, o gover-
no atribui esse resultado à melhora da
economia, ao menos em parte”, destaca
o economista-chefe do Banco Fator, José
Francisco Lima Gonçalves. Para mostrar
a relação, aponta Gonçalves, o governo
deflacionou o valor pelo IPCA de mar-
ço a março, o que resulta em alta real de
18,5%. “Ocorre, no entanto, que a arreca-
dação de impostos envolve um conjunto
de preços bastante diferente do conjunto
de preços ao consumidor que o IPCA me-
de”, ressalta o economista. O Índice de
Preços por Atacado, ao contrário, é mais
próximo de relações empresariais, por-
tanto, de toda parte de impostos que en-
volvem empresas, tanto que é usado em
contratos, exceto naqueles relacionados
ao trabalho. “Todo mundo sabe”, subli-
nha o especialista, “que no ano passado
houve um choque de câmbio que desvalo-
rizou a nossa moeda em 26%. Isso, com a
alta de preços das commodities, fez o IPA
subir 42%. Qual foi, portanto, a variação
da arrecadação que se deveu à atividade
econômica e a que se deveu meramente à
inflação, como quer que ela seja medida?

É muito difícil dizer. Entretanto, se vo-
cê pegar a mesma arrecadação e defla-
cionar não pelo IPCA, mas pelo IPA, te-
rá tido uma queda real da arrecadação de
mais de 10%, ou seja, é difícil comemorar
uma coisa que não existe.”


Neste caso não houve, é importante
acrescentar, uma manipulação explícita.
“Não dá para dizer que é errado, sempre
usaram o IPCA, mas é para isso que exis-
tem economistas e imprensa. Sempre foi
usado. Desta vez, o IPCA foi, no entanto,
um quinto do IPA, e um quarto do câmbio.
Nessa situação, manter o deflator IPCA
significa considerar como aumento real
da riqueza aquilo que é, de fato, apenas
um inchaço de preços”, resume Gonçalves.


Uma das manipulações mais toscas e
que mais geraram discussão e perplexi-
dade ocorreu na apresentação feita por
Guedes em 22 de junho do ano passado,
que continha, no slide 8, uma distorção
de dados de carga tributária que impe-
liu, em um passe de mágica, o País da 24ª
colocação para a 8ª posição na compara-
ção com os integrantes da OCDE. Segun-
do o economista David Deccache, asses-
sor técnico da Câmara dos Deputados,
em sua exposição Guedes inventou um
novo conceito de carga tributária, ao so-
mar o déficit fiscal com a carga. “Isso é
terraplanismo econômico. Pior, o novo
conceito só vale para o Brasil, no cote-
jamento feito. Esse tipo de coisa deveria
ser crime de responsabilidade”, dispara.


Quando se utiliza o dado correto in-
formado pela própria OCDE, o País si-
tua-se abaixo da média do grupo, por-
tanto, dos países desenvolvidos, e bem
longe de ter uma das cargas tributárias
mais altas do mundo. “Trata-se de um er-
ro técnico grosseiro e, provavelmente, in-
tencional. Digo isso porque, de um lado,
eles inventaram um conceito, no míni-
mo, curioso para a definição de carga tri-
butária, somaram o déficit fiscal à car-
ga tributária do Brasil e, de outro, aplica-
ram a “inovação metodológica” apenas à
economia brasileira em uma comparação
com os países da OCDE. Se utilizassem
o dado correto, descobririam que há 23
países da OCDE com carga tributária su-
perior ao Brasil”, destrincha Deccache. A

intenção do erro, diz, seria reforçar a tese
de que, supostamente, não haveria espa-
ço para aumento de impostos, ignoran-
do que, nas mesmas comparações com a
OCDE, o Brasil é o 34º, último do ranking,
em termos de tributação sobre renda, lu-
cro e ganho de capital. Com isso preten-
diam defender que a única saída para o
ajuste fiscal seriam mais cortes de gastos.

 

Além de se prestarem ao em-
belezamento dos resultados e
ao discurso da austeridade, os
malabarismos econômicos são
usados para forçar a aprova-
ção de reformas impopulares,
mostra reportagem desta revista publica-
da em 2019 sobre a falsificação completa
dos cálculos da reforma da Previdência,
denúncia que o governo jamais demons-
trou estar errada. Uma análise técni-
ca do Centro de Estudos de Conjuntura
e Política Econômica do Instituto de
Economia da Unicamp apontou que a
proposta governamental era “um edifí-
cio de planilhas sem consistência, cons-
truído com dados manipulados para atin-
gir os objetivos austericidas e privatistas
do Ministério da Economia”.

Nas últimas semanas, diante da per-
da de poder para o Centrão no comando
das privatizações, do fiasco do ministé-
rio na definição do Orçamento e do declí-
nio lento, mas persistente, da aprovação
de Bolsonaro, Guedes intensificou o alar-
de quanto ao êxito imaginário da políti-
ca econômica. Além disso, acusou a Chi-
na de ter inventado o vírus da Covid-19 e
disse que a vacina do país, da qual o Brasil

depende, é “menos efetiva” que aquela
dos EUA. Ao atacar o maior parceiro co-
mercial do País e fornecedor de 80% das
vacinas em aplicação, o ministro talvez
tenha tomado atitude inédita no mundo,
entre ministros da área. Parece assumir,
em alguma medida, um papel antes de-
sempenhado pelo ex-ministro das Rela-
ções Exteriores Ernesto Araújo.


O Paulo Guedes que parece em fim de
linha não se descuida, entretanto, do pon-
to da política econômica, que é o seu prin-
cipal elo com o presidente da Câmara dos
Deputados, Arthur Lira, e o sistema finan-
ceiro: manter o joelho no pescoço dos fun-
cionários públicos e travar os gastos so-
ciais do governo, ou seja, defender de mo-
do implacável a política fiscal aberrante
do teto de gastos petrificado na Constitui-
ção por 20 anos, ainda que tanto o minis-
tro quanto o deputado tenham sido obri-
gados a aceitar, nos orçamentos de 2020 e
2021, emendas da oposição para garantir
recursos mínimos à saúde e à sobrevivên-
cia dos desvalidos, enquanto o teto é man-
tido na condição de apêndice econômico.



Dias antes de atacar a China,
Guedes cometeu sua enésima
manifestação de forte precon-
ceito social ao criticar, em reu-
nião no Ministério da Saúde, o
Fies, importante programa de
financiamento de bolsas universitárias,
acusando-o de aceitar candidatos ineptos
como o filho do porteiro do prédio onde
reside, declaração seguida de forte reação
negativa nas redes sociais e na mídia con-
vencional. É mais uma incontinência na
longa lista de manifestações de desprezo
aos mais pobres, que inclui críticas a em-
pregadas domésticas que supostamente
aproveitaram momentos de dólar barato
para viajar ao exterior e a professores e ou-
tros funcionários públicos, para quem te-
ria reservado granadas a serem colocadas
nos respectivos bolsos.


O titular da pasta ocupada no passado
por economistas do porte de Celso Fur-
tado e Roberto Campos parece viver nos
últimos tempos picos mais frequentes de
megalomania. Em entrevista ao jornal
O Globo, elogiou suas supostas qualida-
des de “velocidade de resposta à crise”,
“senso de responsabilidade e compro-
misso com os brasileiros”, e disse que
pegou o País com 12 milhões de desem-
pregados e o entregará com 10 milhões,
em mais uma promessa de concretiza-
ção improvável, por implicar redução,
em um ano e meio, do atual contingente
de 14,4 milhões de desocupados em 4,4
milhões. Uma missão dificílima, para di-
zer o mínimo, sob a sua política de auste-
ridade fiscal e compressão de renda que
deprime o poder de compra e os investi-
mentos geradores de empregos. “Sem fal-
sa modéstia, sei que fui crucial em mo-
mentos decisivos”, resumiu o ministro,
que só aceitou pagar o auxílio emergen-
cial por ter sido obrigado por uma deci-
são do Congresso. Só faltou encarnar o 

astrólogo Walter Mercado e proclamar
o bordão la garantia soy yo.

O ministro aproveitou a oportuni-
dade para lançar outra ideia esdrúxu-
la, a criação de um voucher ou vale que
permitiria aos pobres optar por uma fi-
la no SUS ou internar-se em um hospi-
tal como o Albert Einstein. O irrealis-
mo fica evidente quando se sabe que
hospitais do mesmo nível chegam a co-
brar 3 mil reais por 24 horas de oxigênio.
Segundo disse o ex-ministro da Saúde
Luiz Henrique Mandetta, em depoimen-
to à CPI da Covid-19, Guedes é “desones-
to intelectualmente, um homem peque-
no para o lugar onde está”. Mandetta re-
clamava da cobrança pública feita pelo
ex-colega de não ter utilizado 5 bilhões
de reais disponibilizados para a com-
pra de vacinas, pois, segundo afirmou,
no momento da liberação não havia es-
toques à venda no mundo.

O Posto Ipiranga busca disfarçar o fa-
to de que a cada dia cede nacos enormes
de poder na área econômica para o Cen-
trão, atual condutor das privatizações,
e para o STF, que ordenou a realização
do Censo do IBGE, descartado no Orça-
mento que o ministro havia encaminha-
do ao Congresso segundo os limites do
inviável teto de gastos, que ele defende de
modo intransigente. Alegou ter feito pro-
visão para a pesquisa por saber da impor-
tância das políticas públicas, declaração
incompatível com suas decisões no car-
go, quase sempre com graves prejuízos
para as políticas que diz defender.

Procurado por esta revista, o
Ministério da Economia afir-
mou, quanto à comparação
de dados do Caged e do Novo
Caged feita por Paulo Guedes,
que o trabalhador intermiten-
te constava nos números do Caged anti-
go, contestou a existência de números
inflados no Novo Caged, visto que a in-
clusão do trabalhador temporário pas-
sou de opcional a obrigatória, perfazen-
do 4,5% das admissões e 4,2% das demis-
sões no Novo Caged, com série histórica
iniciada em janeiro de 2020 e com o mes-
mo universo do antigo, acrescido dos tra-
balhadores temporários. No que se refe-
re à correlação feita por Guedes entre o
aumento da arrecadação em março e o
suposto vigor da economia apesar de o
IPCA, utilizado como deflator, ter sido
um quinto do IPA, o ministério discor-
reu sobre a forma de deflacionar, se isso
inviabiliza a comparação dos indicadores
em valores constantes e mencionou que
grande parte do deflator do PIB se dá pe-
lo deflator do consumo das famílias, mas
não respondeu à questão apresentada. A
respeito da criação, pelo ministro, de um
novo conceito de carga tributária, ao so-
mar o déficit fiscal com a carga e assim
impulsionar o Brasil à posição falsa de oi-
tava maior carga tributária na compara-
ção com países da OCDE, não houve res-
posta até o fechamento desta edição.


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