March 6, 2021

Vidas em risco

 

 

ARTIGO Por que não devemos voltar
às aulas presenciais antes da vacinação
dos profissionais da educação


POR PROFESSORA BEBEL* 

A pandemia da Covid-19 im-
pactou de maneira severa
a vida em sociedade no
Brasil e no mundo. Ativi-
dades que dependiam de
interações entre os indivíduos foram
comprometidas porque se tornaram po-
tencialmente causadoras de contágios.
Famílias tiveram de modificar suas di-
nâmicas e restringir a circulação de ido-
sos e parentes com comorbidades. Abra-
ços e apertos de mão foram abolidos.
A educação foi muito afetada por

esta situação. As escolas, fechadas, ti-
veram de reinventar o papel que exer-
cem na formação das novas gerações pa-
ra o exercício da cidadania e para o tra-
balho. O contato entre professores e alu-
nos, tão importante no processo forma-
tivo, foi interrompido e transferido para
o mundo virtual.


Reabri-las agora, contudo, vai contra
as evidências que devem pautar as deci-
sões políticas. Sob o olhar da garantia do
direito à vida e à saúde dos profissionais
da educação, não há condições para um
retorno seguro às aulas no Brasil. Esta
é uma discussão que contempla diver-
sas variáveis e é criminoso negligenciar
o que podia ser feito (e não foi) ao longo
de todo o ano de 2020 para devolver a
professores e alunos a possibilidade de
um reencontro que só faz bem a ambos.


Sabe-se, de um lado, que a infraes-
trutura das escolas públicas de São Pau-
lo é historicamente precária. Diagnósti-
co do Instituto de Arquitetos do Brasil e
do Departamento Intersindical de Esta-
tísticas e Estudos Socioeconômicos, fei-
to em agosto a pedido da Apeoesp e que
deu origem ao Manual Técnico para Esco-
las Saudáveis, concluiu que 82% das esco-
las não têm mais que dois sanitários pa-
ra uso dos estudantes e 48% não contam
com sanitário acessível para pessoas­ com
deficiência. Além disso, 13% não pos-
suem quadra ou ginásio e 11% não têm
pátio para atividades ao ar livre.

As escolas fecharam há quase um
ano. Nesse intervalo, São Paulo, o esta-
do mais rico da federação, pouco fez pa-
ra adequá-las ao “novo normal”. Nenhu-
ma das propostas do Manual do IAB foi
acolhida. Nenhum planejamento sobre a
redução do número de alunos por sala de
aula – medida pedagogicamente impor-
tante e viável no momento em que a ta-
xa de natalidade cai no Brasil – foi feito.
São Paulo entende, de forma equivocada

que eliminará o risco de contágio ape-
nas com a distribuição de álcool em gel
e máscaras a professores e alunos.


De outro lado, só se poderia falar em
retorno seguro se fosse garantido o di-
reito à vida e à saúde à comunidade esco-
lar com uma campanha pública de vaci-
nação que conferisse prioridade aos pro-
fissionais da educação. É falacioso o ar-
gumento de que não há vacinas disponí-
veis. Essa é uma decisão política. Por que
se escolheu, desde 9 de fevereiro, a vaci-
nação, em São Paulo, de profissionais de
saúde autônomos com mais de 60 anos –
muitos dos quais sem contato com aglo-
merações, como psicólogos, nutricionis-
tas e fisioterapeutas – e não de profissio-
nais da educação básica, considerando
que estes estão na linha de frente e en-
volvidos em riscos ainda maiores?


Até o momento, aliás, o governo de
São Paulo não divulgou quantos profis-
sionais da educação estão nesse grupo.
Levantamento feito pela Apeoesp entre
seus mais de 180 mil associados indica
que cerca de 15 mil professores são ido-
sos. Quantos mais têm comorbidades?
Pesquisa realizada pelo sistema público
de saúde do Reino Unido, divulgada em
janeiro pelo jornal The Guardian, con-
cluiu que as escolas provocaram três
vezes mais surtos de Covid-19 do que
hospitais naquele país. Segundo o es-
tudo, 26% dos grupos de infecção ana-
lisados estavam ligados às escolas, en-
quanto 8% das infecções foram relacio-
nadas a hospitais.

Outro trabalho, divulgado em 9 de
fevereiro e realizado por pesquisado-
res do Instituto Nacional de Pesquisas
da Amazônia, da UFMG, da Ufam, da
UFSJ e do Instituto Butantan, mostra
que está em gestação uma terceira on-
da de Covid-19 com a variante manauara
do SARS-COV2 e que, para sua conten-
ção, “é impensável a volta às aulas pre-
senciais para qualquer local do Brasil
neste momento”.


Coincidência ou não, mais de 200 pro-
fissionais da educação se contaminaram
na primeira semana de volta às aulas em
São Paulo, em 97 unidades de ensino di-
ferentes. Inclusive, em escolas particu-
lares que se prepararam mais adequa-
damente do que as públicas.


Os argumentos favoráveis à abertura
das escolas oscilam entre a desinforma-
ção e o cinismo. É inconcebível compa-
rar escolas (fechadas) a bares (abertos
e lotados). Um erro não justifica outro.
Se o poder público não foi capaz de fazer
quarentenas para valer, não pode agora
flexibilizar o retorno às aulas como se a
pandemia tivesse acabado.


Tampouco se sustenta a tese de que
sem aulas presenciais os estudantes são
acometidos por quadros depressivos. Des-
de 8 de fevereiro, estimativa da Apeoesp­
aponta que somente 5% dos alunos retor-
naram às atividades presenciais, o que
mostra o receio das famílias com a pan-
demia. Ademais, não é a falta de aulas
presenciais que causa problemas de saú-
de mental, mas a indignidade de uma vi-
da marcada pela privação de direitos fun-
damentais, tais como moradia adequada e
saneamento básico, situação cotidiana de
milhões de estudantes brasileiros.


Aprendizagem se recupera. Vidas não. •


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