February 27, 2021

Bolsonaro agradece

 




Este ano não há Carnaval em
quase nenhum canto do Bra-
sil, obra da pandemia, mas
um certo bloco começou a
desfilar nos últimos dias, o de
Fernando Haddad. O petista,
58 anos completados em ja-
neiro, passou a dar mais en-
trevistas, a planejar viagens pelo País. O
objetivo é construir mais uma candidatu-
ra presidencial, missão combinada com o
padrinho Lula, para quem o tempo é cur-
to até a eleição. Pesquisa recém-divulgada
por encomenda dos mercadistas da XP In-
vestimentos indica que, se a disputa fos-
se hoje, estaria tudo embolado contra Jair
Bolsonaro. Este surge com 28% das inten-
ções de voto, Haddad e Sergio Moro com
12%, e Ciro Gomes, com 11%.


Nas aparições pré-folia, o ex-prefeito
paulistano disse que o “antibolsonarismo
é muito maior hoje” do que o antipetismo,
que o Brasil precisa de mais gasto público
para melhorar a vida das pessoas e sair do
buraco, que a mídia defende o ultralibe-
ralismo do ministro da Economia, Pau-
lo Guedes, e deveria aceitar o receituário
no próprio setor. Ao despontar, na quarta-
-feira 10, no programa de tevê­ Manhattan­
Conection, reduto anti-Lula, bateu boca
com Diogo Mainardi. Este o chamou de
“poste de ladrão”, referência à relação
com Lula, e o ex-ministro da Educação re-
bateu: “Acho você uma pessoa muito pro-
blemática, inclusive psicologicamente”.


As resistências a Haddad e ao PT não
se limitam ao conservadorismo nacio-
nal (embora Mainardi tenha dito que vo-
taria nele em um segundo turno contra
Bolsonaro). No campo progressista, rei-
na a bagunça. A união entre PCdoB, PDT,
PSB, PSOL e PT em torno de uma chapa

única é miragem. Confusão vista tam-
bém do outro lado do tabuleiro. O direi-
tismo não bolsonarista, PSDB à frente, la-
va roupa suja em público, mostra-se dé-
bil, incapaz de pôr de pé uma candidatu-
ra competitiva. Tudo somado, Bolsonaro
ri à toa, enquanto toca seus planos neo-
liberais e antipopulares, caso da recém-
-aprovada autonomia do Banco Central,
apoiada, ressalte-se, pelos direitistas que
dizem querer o ex-capitão fora do poder.

A conversa entre Lula e Haddad que le-
vou o ex-prefeito a botar o bloco na rua (ex-
pressão usada pelo primeiro) aconteceu na
tarde de 30 de janeiro, um sábado. Havia
sido solicitada por Haddad. Nela, segundo
relatos, o ex-presidente repetiu o que diz
desde a saída do cárcere, em novembro de
2019. O pupilo precisava participar mais
da vida nacional, expor-se, fazer valer os
47 milhões de votos de 2018. Lula deseja-
va que Haddad tivesse disputado a prefei-
tura de novo em 2020, mas o ex-ministro
não topou – e este esteve em um só ato de
campanha de Jilmar Tatto, anota um cor-
religionário. Para não causar rebuliço no
partido, Haddad queria dizer que sua en-
trada em cena agora havia sido pedida pe-
lo ex-presidente, e este concordou. E assim
fez o ex-ministro, em uma entrevista dia 4.


Antes da entrevista, Haddad tinha ido
a Brasília, reunir-se com deputados, sena-
dores e dirigentes do PT, a fim de comuni-
cá-los do acerto com Lula e, com isso, evi-
tar atritos internos. Ficaria quatro dias.
Na passagem pela cidade, surgiu a ideia da
primeira parada de seu bloco. Pelo combi-
nado, ele estará em Minas Gerais nos dias
24 e 25. Encontrará prefeitos e parlamen-
tares petistas, sindicalistas, líderes de mo-
vimentos sociais, todos ansiosos por aju-
da para enfrentar a provável candidatu-
ra à reeleição do governador bolsonaris-
ta Romeu Zema, do Novo. Organizar o PT
nos estados e pensar em palanques para as
campanhas de 2022 são tarefas que petis-
tas esperam que Haddad cumpra.


A costura do ex-prefeito parece ter
conseguido impedir queixas públi-
cas de petistas preteridos ou que não

gostam dele, mas algumas foram ouvi-
das nos bastidores. Há quem ache que
Lula e ­Haddad tiveram seu tempo, é ho-
ra de buscar rostos novos. Encaixam-
-se nesse grupo figuras como o gaúcho
Tarso Genro, há anos em busca de espa-
ço para si próprio, e o governador do Ce-
ará, Camilo Santana, a imaginar uma
aliança com Ciro. Para um colaborador
antigo de Lula e que em 2018 era contra
lançar Haddad, o partido não tem opção
melhor. O governador da Bahia, Rui Cos-
ta, não se esforçou por cativar os compa-
nheiros. Seu antecessor, Jaques Wagner,
não tinha apetite em 2018 nem agora, e
acaba de ser lançado para suceder Cos-
ta. Santana é cirista. O governador We-
lington Dias é de um estado muito pe-
queno, o Piauí. No Senado, o PT não bri-
lha. E por aí vai.


Segundo o mesmo colabora-
dor lulista, o ex-presidente fi-
cou uma fera com a repercus-
são sobre o bloco na rua de
Haddad. A impressão genera-
lizada é de que Lula desistiu de
concorrer, mas ele está doido para dispu-
tar. Só que ficou mais difícil, e essa é uma
das razões para ter liberado o pupilo pa-
ra dar as caras. O obstáculo é o Supremo
Tribunal Federal. A Corte, tudo indica, lo-
go vai declarar que Sergio Moro agiu con-
tra Lula no caso do tríplex do Guarujá, an-
tessala da anulação da condenação. Na
terça-feira 9, a segunda turma do STF
deu um aperitivo, ao confirmar, por 4 a
1, a decisão de Ricardo Lewandowski de
dar acesso a Lula às conversas secretas de
Moro, Deltan Dallagnol e cia. apreendidas
pela Polícia Federal com hackers.


Para recuperar o direito de candida-
tar-se, Lula precisaria que o Supremo
anulasse ainda a sentença no caso do sítio
de Atibaia. Esse processo foi conduzido
por Moro, mas a condenação é da substi-
tuta do ex-juiz, Gabriela Hardt. Um emis-
sário lulista esteve em dezembro com Gil-
mar Mendes, peça-chave para o petista no
Supremo, e sentiu que o juiz está disposto

a resolver apenas o caso do tríplex. Do sí-
tio, não. Para esse segundo processo, seria
necessário, digamos, negociar com Men-
des. E este foi claro ao site Jota na terça-
-feira 9: “Vamos discutir apenas a con-
denação do tríplex e, se essa condenação
cair, ela afasta a inelegibilidade (de Lula)
nesse caso. Em outros, terá que haver uma
nova discussão e um novo exame”.


Haddad não é o único plano B de Lula.
Há outro, fora do partido. É o que conta o
colaborador do ex-presidente: “O Lula vai
trabalhar por uma frente ampla em tor-
no do Flávio Dino”. O governador do Ma-
ranhão é do PCdoB e, nos sonhos de Lu-
la, migraria para o PSB, sigla mais robus-
ta e sem “comunista” no nome, palavra sa-
tanizada por Bolsonaro. Dino é visto pelo
ex-presidente como alguém capaz de con-
quistar votos na classe média não petista

e não bolsonarista e o apoio do que ain-
da houver de empresário nacionalista. De
quebra, seria, quem sabe, poupado dos ata-
ques de Ciro Gomes, pois ambos se dão
bem e Dino até achava que o pedetista
era o melhor nome progressista em 2018.


Dino já falou algumas vezes com o pre-
sidente do PSB, Carlos Siqueira, sobre
trocar de casa. A última foi em dezem-
bro. Segundo relatos, os dois não abrem
o jogo claramente. O governador não diz
que quer entrar no partido para concor-
rer à Presidência, enquanto o PSB mos-
tra que topa abrigá-lo, mas sem oferecer
uma candidatura. Siqueira, aliás, diz que
o tema “sucessão” não surge nas conver-
sas. Que em breve sua sigla filiará alguém
de fora da política, de olho em uma chapa
própria. E que um possível apoio petista
a um Dino competidor pelo PSB não faz
diferença. “Não tenho preconceito con-
ta o PT, mas o PT perdeu a condição de li-
derar uma frente ampla, o que lamento”,
afirma. “O PT tem o direito de errar, lan-
çando candidato próprio, mas nós temos
o dever de não acompanhar.”


“Qual o programa e quais as alianças
para derrotar Bolsonaro? Pois se há uma
coisa que não temos ‘direito’ é de perder
novamente para ele e prolongar tantas
tragédias”, tuitou Dino. Os dirigentes
de partidos progressistas tiveram rea-
ção similar à de Dino e Siqueira ao bloco
de Haddad. Acham um direito do PT lan-
çar competidor, mas não mostram inte-
resse em embarcar na canoa e ainda cri-
ticam a falta de um programa de gover-
no em torno do qual dialogar.


“Antes de ter nome tem que ter proje-
to. Desde Ciro temos um projeto nacio-
nal desenvolvimentista”, diz Carlos Lupi,
presidente do PDT. Lupi tenta uma aliança
mais ampla, dialoga com PSB, Rede e PV.
Ciro achava razoável até ir atrás do DEM,
antes do desastre de Rodrigo Maia na Câ-
mara. “Qual a política de alianças que o
PT quer?”, indaga Lupi. “Não vejo nenhu-
ma atitude do PT para sair do isolamento.”
Para o senador Cid Gomes, irmão de Ciro,
o PT está “estigmatizado” e deveria abrir
mão de uma chapa própria, como fez na
Argentina Cristina Kirchner, atual vice-
-presidente. A propósito: o presidente de
lá, Alberto Fernández, participará dia 22
de um dos eventos comemorativos dos 41
anos do PT. Uma conferência sobre a per-
seguição da Lava Jato a Lula.


Luciana Santos, presidente do PCdoB,
acredita que a situação política está tão
desfavorável aos progressistas, que é ne-
cessário tentar uma aliança com conser-
vadores não bolsonaristas. Detalhe: a vice
de Haddad em 2018 era do PCdoB, Manue-
la d’Ávila. “Dificilmente teremos uma al-
teração da correlação de forças em um ano
a ponto de o nosso campo isoladamente
vencer as eleições. Vai ser necessária uma
frente”, afirma. Alianças dificultadas pe-
la chamada cláusula de barreira, que res-
tringe o accesso dos partidos ao Congres-
so, um pepino para o PCdoB desde 2018.


 

A cláusula também pesa para o
PSOL, embora seu presidente,
Juliano Medeiros, diga que não
afetará a decisão sobre a suces-
são de Bolsonaro. Os psolistas
não querem saber de se apro-
ximar dos conservadores de PSDB, DEM
e MDB. Preferem uma frente progressis-
ta puro-sangue. Por ora, não há decisão
quanto a lançar Guilherme Boulos de no-
vo. Sucesso na eleição paulistana de 2020,
Boulos alfinetou o PT, por causa do blo-
co de Haddad. “O melhor caminho para a
esquerda”, escreveu ele, é “unidade para
enfrentar Bolsonaro. Para isso, antes de
lançar nomes, devemos discutir projetos.”


Na abertura dos festejoes pelos 41
anos do PT, na quarta-feira 10, a presi-
dente petista, Gleisi Hoffmann, disse
que o partido quer algum tipo de união
com Ciro, Boulos e Dino. Uma lideran-
ça petista indignou-se com as críticas
destes dois últimos de que o PT fulani-
zou o debate e não tem uma programa
para colocar na mesa de negociações. A
dupla está em campanha há dois anos,
por que Haddad não poderia entrar em

campo? É o que essa liderança questio-
na. Aliás, essa fonte conta que Ciro não
fala com ­Haddad desde a eleição, embo-
ra tenha conversado com Lula em setem-
bro de 2020, em reunião de sinceridade
de parte a parte quanto às mágoas mú-
tuas. A mesma fonte acha injusta a ale-
gação de que falta programa aos petistas.


O PT lançou em setembro um “Pla-
no de Reconstrução e Transformação do
Brasil”, ponto de partida das manifesta-
ções e negociações que serão feitas por
Haddad. É um documento de 210 páginas,
elaborado por um órgão interno, a Fun-
dação Perseu Abramo, com a colaboração
de 500 pessoas. Pau puro no “capitalismo
neoliberal”, aplicado em doses crescentes
desde o governo Temer, e no ódio, machis-
mo e homofobia destilados pelo bolsona-
rismo. Contra pobreza, desemprego e ini-
quidade, prega mais gasto público. Inves-
tir na melhora dos serviços públicos se-
ria também uma oportunidade de rein-
dustrialização. Conter a devastação am-
biental, uma urgência. Idem taxar mais
os ricos. Essa visão sobre justiça tributá-
ria foi a base de uma proposta de reforma
apresentada no Congresso pela oposição
progressista em outubro.


Haddad comanda o conselho curador
da Fundação Perseu Abramo e, em 17 de
janeiro, participou de um debate na web
com o presidente da fundação, o ex-sena-
dor Aloizio Mercadante, a respeito do pla-
no. Na ocasião, disse que a política econô-
mica de Guedes é de destruição do Esta-
do e “tem o apoio daquilo que a impren-
sa chama de centro, mas que, na verdade,
é centro-direita, que não deveria ter ver-
gonha desse nome”. PSDB e DEM, prosse-
guiu, “fazem jogo de cena tentando se dife-
renciar do Bolsonaro, (mas) estão apoian-
do uma política econômica que vai conde-
nar este país ao subdesenvolvimento”.


A aprovação definitiva da autonomia
do Banco Central, uma das prioridades
de Guedes, mostrou o jogo de cena. Deu
339 a favor e 114 contra, na votação pelos
deputados na quarta-feira 10. Os líderes
de PSDB e DEM orientaram voto a favor.
Uma festa para o tal “mercado”. É o dese-
jo de seguir o neoliberalismo que deixa a
interrogação: se em 2022 houver outro se-
gundo turno entre Bolsonaro e o PT, em
quem tucanos e cia. votariam? “Essa é a
questão-chave para o ano que vem. Vão
votar de novo no Bolsonaro?”, diz o depu-
tado Rui Falcão, ex-presidente do PT.
Na véspera da aprovação da lei do BC,
o governador de São Paulo, João Doria Jr,
tucano que mais se mexe para concorrer
ao Palácio do Planalto, havia dito: “A posi-
ção do PSDB é posição de oposição ao go-
verno Jair Bolsonaro. Os que não quise-
rem fazer oposição ao governo negacio-
nista de Jair Bolsonaro peçam para sair
do PSDB”. Ilustrativo do jogo de cena ci-
tado por Haddad.


O tucanato, como de resto o
conservadorismo não bolso-
narista, está rachado, como
se vê desde as eleições recen-
tes para o comando da Câ-
mara e do Senado. Enquanto
o dito “Centrão” abocanhou o que po-
dia em favores de Bolsonaro, o PSDB e
o DEM praticamente implodiram. Re-
sultado: brigas públicas. Doria reuniu-
-se com líderes tucanos no domingo 7
e na segunda-feira 8 e pediu a expulsão
do deputado Aécio Neves. O mineiro
havia trabalhado para minar o apoio do
PSDB,­ desejado por Doria, ao deputado
Baleia Rossi, do MDB, na eleição na Câ-
mara, e pelo voto no líder do “Centrão”,
Arthur Lira, do PP, o vitorioso. Em uma
mensagem de celular aos deputados do
PSDB,­ Aécio reagiu: Doria quer vestir fi-
gurino oposicionista, mas e o “BolsoDo-
ria” da campanha de 2018?


Em nome de seus planos presiden-
ciais, o governador quer tomar o po-
der no PSDB, pediu a degola também do
presidente tucano, o ex-deputado Bruno
Araújo. Sua vida não está fácil. Liderada
pelo ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso, uma ala tucana quer o governa-
dor gaúcho, Eduardo Leite, para rivalizar

pela candidatura, embora reconheça que
tanto um quanto o outro têm pouca ex-
pressão fora de seus estados. “O PSDB
não vive um bom momento”, diz Arthur
Virgílio, ex-senador e ex-articulador po-
lítico do governo FHC.


Se quer Aécio e Araújo longe, Doria de-
seja ter Rodrigo Maia no PSDB. O deputa-
do é um parceiro importante do governa-
dor em Brasília, mas a derrota acachapan-
te de seu grupo na disputa pelo comando
da Câmara reduziu-o quase a pó. Traído
pelo próprio partido, o DEM, que preferiu
ficar com Lira, Maia bateu no presiden-
te demista, ACM Neto, ex-prefeito de Sal-
vador, em entrevista ao Valor na segun-
da-feira 8. “O DEM decidiu majoritaria-
mente por um caminho, voltando a ser de
direita ou extrema-direita, que é ser um
aliado do Bolsonaro”, afirmou. À Folha de
cinco dias antes, o baiano havia admitido
que o partido apoiasse, em 2022, Bolsona-
ro, Ciro, Doria e Luciano Huck.



O apresentador é um mistério.
Assumir o lugar de Faustão
nos domingos globais, uma
hipótese no horizonte, o tira-
ria do jogo sucessório, mas um
artigo publicado por ele dia 6,
na Folha, mostra que hoje ele está dentro.


“É uma pequena plataforma de um even-
tual candidato”, na opinião do presiden-
te do Cidadania (ex-PPS), Roberto Freire.
Este gostaria de filiar Huck. Uma ginás-
tica para, quem sabe, convencer o públi-
co de que o global é “de centro-esquerda”,
como disse em dezembro o guru político
de Huck, Paulo Hartung, ex-governador
capixaba e ex-correligionário de Freire.
Recorde-se: em setembro de 2019, Huck
disse em um evento que “a agenda eco-
nômica deste governo é correta”. Como
seria uma agenda “mais à direita” do que
aquela de Paulo Guedes?


FHC é um dos principais entusias-
tas de uma candidatura de Luciano Hu-
ck. Segundo Rodrigo Maia, estava 90%
acertado que o global entraria no DEM.
Qual será o bloco do apresentador? • 


ANDRE BARROCAL &ANA FLAVIA GUSSEN

CARTA CAPITAL 


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