October 25, 2020

Esquadrões mataram em 3 anos o dobro da ditadura em 21

 

 

 

 

Eduardo Reina e Lucas Pedretti 


[resumo] Documentos de inteligência do governo dos EUA apontam que esquadrões da morte no Brasil assassinaram em pouco mais de três anos, de 1968 a 1971, o dobro do número de vítimas da ditadura em duas décadas. Praticado por grupos como o liderado pelo delegado Sérgio Fleury, o extermínio clandestino de supostos criminosos contava com a cumplicidade do regime militar, prática que ainda se reflete na atuação do Estado na segurança pública.

Em pouco mais de três anos, de 1968 a 1971, os esquadrões da morte executaram o dobro do número oficialmente reconhecido de vítimas da ditadura militar no Brasil ao longo de duas décadas.

Documentos de inteligência do governo dos Estados Unidos mostram que os grupos paramilitares de extermínio, como o liderado pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury em São Paulo, mataram mais de 800 pessoas naquele período. Já relatório da Comissão Nacional da Verdade aponta que as vítimas fatais e os desaparecidos pela repressão somaram 434 pessoas na ditadura.

“800 corpos assassinados por autoria desconhecida em circunstâncias nunca investigadas, resultando em inquéritos encerrados antes mesmo de serem abertos”, revela relatório de 11 páginas do Departamento de Estado do governo dos Estados Unidos, de 8 de junho de 1971, parte de uma remessa de documentos enviados em 2014 pelo governo norte-americano à Comissão Nacional da Verdade brasileira. Ao longo do texto, o embaixador William Rountree demonstrava preocupação com o envolvimento de integrantes do esquadrão e o alto escalão do governo militar.

O embaixador também apresentava os principais locais de atuação dos esquadrões. O relatório indicava que na cidade de Niterói (RJ) havia ocorrido 200 assassinatos. A referência se dava porque mortes registradas em São Gonçalo, região do Rio marcada pela atuação de grupos de extermínio, iam para a delegacia de homicídios de Niterói. Em segundo lugar, vinha uma menção a São Paulo, onde teriam sido registradas 182 mortes. “Todos os crimes”, aponta o documento, “têm características comuns”.

O número contabilizado pelo governo dos EUA pode ser ainda maior ao se levar em consideração as execuções realizadas nos anos seguintes à emissão do relatório do embaixador Rountree. Uma reportagem do Jornal de Brasil de setembro de 1975 revelava dados da região da Baixada Fluminense e mostrava um crescimento contínuo de casos. Foram 63 mortes em 1972, 86 em 1973 e 199 em 1974.
Apenas naquela região, o período de três anos contabilizava outras 348 pessoas assassinadas pelo esquadrão. Desse modo, identifica-se quantidade superior a mil vítimas em seis anos.

O sociólogo José Cláudio Souza Alves, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), aponta que os números descritos pelo serviço de inteligência dos EUA podem ser apenas uma parcela do total de execuções efetuadas pelos grupos de extermínio. Uma série de lacunas dificultava a identificação das vítimas, diz. “Os esquadrões atuavam a partir de uma nova configuração das forças de segurança da ditadura, quando as polícias foram transformadas em força auxiliar ao regime.”


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