April 13, 2019

Bandas americanas impulsionam renascimento incessante na música

Há 15 anos, Dirty Projectors, Fleet Foxes e Grizzly Bear reinventam-se sem parar 

 Em sala iluminada pelo pôr-do-sol, os quatro integrantes da banda Fleet Foxes sentam juntos no chão.

Claudio Szynkier 
 
A criação musical é uma história de renascimentos persistentes. Essa verdade está viva particularmente na música pop, um sistema de refinamento de cinzas e ecos antigos, que voltam sempre reativados por uma ação criativa inesperada.
Calha lembrar os Beatles em “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”, de 1967, unindo ao pop a música clássica de diferentes séculos, e o Clube da Esquina, transformando a inspiração daqueles mesmos Beatles em um mundo musical multiforme, montanhoso, florido.
Algumas das bandas mais marcantes do pop americano recente renascem sem parar há quase 15 anos. Dirty Projectors, Fleet Foxes e Grizzly Bear formam um cinturão de grupos sediados no distrito nova-iorquino do Brooklyn que, a partir de 2003, tramaram uma reforma, levando o rock independente para o universo da criação pop celestial. O auxílio de novas técnicas de produção não foi tão decisivo quanto a qualidade de seus compositores.

O vigor dessas figuras (David Longstreth do Dirty Projectors, Robin Pecknold do Fleet Foxes e Dan Rossen e Ed Droste do Grizzly Bear) não cessou, e os alfabetos e instrumentações consagrados nos anos 2000 vêm se intensificando e recebendo novas corporificações, injeções de luminosidade, metamorfoseando-se em musicalidade imprevisível.
O Fleet Foxes ganhou notoriedade em 2008, mas já gravava desde 2005. A banda se consolidou com um reflorestamento melódico e criativo nos loteamentos do “pop barroco” americano e britânico (Beach Boys, Zombies) e do “folk rock orquestral”, que é aquele gênero que, nos anos 1960, integrantes dos Byrds e do Buffalo Springfield fizeram germinar para depois maturá-lo, já nos anos 1970, junto a nomes como a The Band.
O recente “Crack-Up”, de 2017, é como se um filme de John Ford, com os cavalos em disparada por campanhas, escapando de suas diligências, ganhasse vida em um futuro não tão próximo e nem tão estranho, um futuro de tecnologias aprazíveis.

O Grizzly Bear do disco “Painted Ruins”, de fins de 2017, é uma locomotiva retornando ao seu ponto inicial de operações, e se despedindo para uma viagem por geografias intactas da mesma musicalidade grandiloquente, épica, mas estranhamente próxima, íntima, e metabolizada por uma estrutura sonora que pode ser chamada de “urbanidade orquestral”.
O disco, lançado 15 anos após o início da banda, iguala o espírito excursionista de recentes obras audiovisuais das “viagens transformadoras pelo passado não remoto” —como a série “The Knick”, de Steven Soderbergh, e o filme “Z - A Cidade Perdida”, de James Gray.
É a mesma concretude de “mundo distante” e o sentido vivo de travessia; a ideia de estarmos navegando pelos vestígios humanos valiosos de um tempo particular, de uma estância de habitação humana devastada e engolida pela voracidade das épocas, mas renascida em uma dimensão isolada, protegida.
É estridente, detalhado, exuberante e anormal, uma região de anomalias majestosas que tornam as músicas acessáveis e absorvíveis em sua máxima possibilidade emocional depois de um desbravamento —algo análogo ao que a banda realiza.

O disco novo do ​, “Lamp Lit Prose” (2018), intensifica a missão de David Longstreth como orquestrador de uma música de câmara de veraneio, à qual a característica invernal que se apresenta às vezes nunca foi uma contradição, senão uma alteridade propulsora.
“Lamp Lit Prose” é uma paragem nova nesse estudo. Em 2006, ainda como “amador”, Longstreth já anunciava essa “missa” intrincada e resplandecente para a Nova York invadida por jovens inventivos depois de sobreviver às amputações arquitetônicas e morais do 11 de Setembro. Esses lampejos orquestrais foram sendo acoplados a um clamor pelo verão, pela fuga para o litoral nova-iorquino e, de lá, para costas e mundos náuticos mais distantes, como Rio de Janeiro ou Serra Leoa. Longstreth é o representante de um globalismo sublime.
No início, esses compositores eram jovens munidos de suas próprias “fantasmagorias” e fantasias instrumentais —guardadas em poemas, em acordes—, vindo colonizar e se alojar, como novos pioneiros, numa cidade assombrada. Uma metrópole ocupada, conforme mostra a própria “The Knick”, por fantasmas vivos e resistentes, um lugar de espectros acomodados em moradas suntuosas da industrialização —a mesma que desencadeou o notável desenvolvimento fonográfico até o aparecimento dessas bandas.

Discos como “Yellow House” (2006), do Grizzly Bear, “Bitte Orca” (2009), do Dirty Projectors e “Helplessness Blues” (2011), do Fleet Foxes, são a materialização desse grande arranjo fecundado na história americana. Em sua maturidade, esses autores são maestros da musicalidade mais revolucionária: a que revela o inimaginável, deixa cristalino e aberto um mundo a ser conquistado pelo espírito humano expedicionário.
Nos novos discos, dão vazão à ideia de que a música é uma série orquestral e coordenada de impossibilidades e improbabilidades que reencarnam como coisas possíveis, cenários não só repletos de fantasia e cor, mas habitáveis, povoáveis.





 

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