November 23, 2017

A ameaça de fechamento do BRT


Presente de grego

Não são poucos os que relacionam o fechamento do BRT e o aumento das milícias das vans

A ameaça de fechamento do BRT no trecho Santa Cruz-Campo Grande pode colocar a Zona Oeste popular mais uma vez no vazio da presença das políticas de transportes. Durante a juventude, gastava quase três horas, de Santa Cruz ao Centro, para estudar na única escola de teatro pública da cidade. Diminuir a possibilidade de circulação é aumentar a falta de oportunidades em épocas de crise, é um presente de grego para o bairro que completa 450 anos em 2017.

Quando algum ato de vandalismo acontece em regiões mais nobres da cidade, imediatamente o poder público responde com mais guardas, campanhas educativas, iluminação etc; formadores de opinião reclamam, promovem abraços ao espaço, celebridades são engajadas e a cobertura dos meios de comunicação destrincha, de forma exemplar, os aspectos da questão. Por outro lado, quando o mesmo tipo de fenômeno acontece em regiões populares, a certeza da resposta não é tão imediata, e a reclamação da população local costuma ser tratada como parte de um problema que não tem solução, reiterando a visão, estigmatizadora, de que aquela região é marcada apenas por selvageria.

O argumento para o fechamento do trecho do BRT, por parte do consórcio operador, é o alto índice de calotes e de vandalismos nas estações da região. É cínico esconder que esse tipo de comportamento social possui relação intrínseca com a diminuição de políticas sociais na região. Se o trecho em questão sofre com esses atos, em parte, é porque o governo e as empresas não assumiram essa dimensão social desde cedo, deixando chegar num ponto irreversível. Por que não existiram ações de inibição — de fiscalização até campanhas de envolvimento — desde o início?

A ameaça de fechamento é uma chantagem para a atual queda de braço entre os entes que fazem parte deste processo. A guerra, que parece uma batalha ensaiada, entre o consórcio e a Prefeitura, sobre o valor da passagem e da liberação de vans na região, é pautada pela falta de transparência — o Instituto de Políticas de Transportes e Desenvolvimento (ITDP) aponta que, além do contrato do consórcio, os números de faturamento precisam estar abertos. Não é mais possível continuar com um modelo de gestão dos transportes que não seja marcado pela transparência total. Se o consórcio reclama de que está perdendo dinheiro neste momento, grande parte da falta de apoio ao sistema é pela sua falta de transparência. Transporte público precisa ter uma boa comunicação participativa com seus usuários e o compromisso com o desenvolvimento da cidade.

A chegada do BRT na Zona Oeste não resolveu todos os problemas históricos de mobilidade, mas criou um impacto na diminuição da duração da viagem. Menos tempo gasto no transporte cria condições para o investimento em projetos de vida e afetos. As estações impulsionaram pequenos negócios no entorno, aumentando renda. O BRT, com erros e acertos, é o primeiro modelo de organização do transporte público que chega na região, antes, inteiramente à mercê da lógica de rentabilidade das empresas, apenas. Quando uma região não está envolvida nas ações estratégicas de uma cidade, as chances do fosso da desigualdade aumentar e de domínio de poder paralelo se tornam maiores. Não são poucas as vozes que apontam a relação entre o fechamento do BRT e o aumento da presença de milícias no negócio das vans. Com a fiscalização frágil, o dinheiro arrecadado pode favorecer a influência delas nas eleições do ano que vem — os olhos de quem quer usar o poder para benefícios privados estão voltados para o parlamento.

A imprevisibilidade de não saber como será a vida no dia seguinte prejudica quem vive marcado pela desigualdade. Moradores da região de Santa Cruz já falam nas redes sociais que existe uma proposta de fechamento de outro trecho — o BRT Barra-Santa Cruz também estaria nos planos de desativação. Boato ou não, o fato é que o ano de 2017 vem sendo marcado por insegurança para quem vive ou trabalha na região. Como criar uma relação de pertencimento com o espaço público com tanta notícia ruim rondando o dia a dia?

Gastei muita sola de sapato nessa cidade pra romper catracas visíveis e invisíveis. Durante os três anos de formação na Escola de Teatro Martins Penna, do Cesarão, em Santa Cruz, onde tem início o trecho TransOeste em questão, dedicava mais tempo ao deslocamento do que ao curso. Experimentei diversas estratégias: trens, baldeações, trajetos diferentes etc. Imagina ter forças para isso diariamente e ainda lutar para ganhar a sobrevivência? Deslocar-se vira uma labuta, longe de ser um direito. A primeira coluna que fiz neste ano por aqui foi sobre os 450 anos de Santa Cruz, do quanto essa região deu mais para a cidade do que recebeu dela. O presente de grego, aquele que se revela um falso presente, é a única forma de falar do que vem acontecendo. Ficar calado sobre o fechamento do trecho do BRT é colaborar com a desigualdade.

Marcus Faustini

 



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