Ao tatuarem a testa
de um adolescente com a inscrição "eu sou ladrão e vacilão", em São
Bernardo do Campo, depois da tentativa de furto de uma bicicleta, o país
foi remetido para os tempos da escravidão, quando a marca de ferro
quente era utilizada para reprimir a desobediência, ou, mais remoto
ainda, para um sistema medieval de controle.
Na falta de registros escritos e para identificar o ladrão que mudava de
nome ou de lugar, costumava-se marcar o seu rosto com a letra "F",
símbolo da forca. Em 1612, a Lei da Reformação da Justiça determinou
que, em Portugal, a marca se deslocasse para os ombros do condenado:
assim o sinal da infâmia era oculto pelas vestes. Se quisesse, a pessoa
poderia se "emendar".
É uma longa trajetória até o surgimento dos boletins de vida pregressa e
dos bancos de dados informatizados que permitem o agravamento das penas
no caso de reincidência e maus antecedentes.
Além da violência física, da tortura propriamente dita, o surpreendente
gesto de vingança privada no ABC teve o significado de alertar para o
perigo que o rapaz supostamente representaria, servindo também para
cobri-lo de perpétua vergonha. Por isso, a tentativa de destruir sua
face.
Machista, inadequada e extemporânea: é o que se pode dizer da sentença
que "indenizou" Fernanda Young por ataques sofridos na internet. Para
fixar e reduzir o valor pecuniário da condenação, o juiz levou em conta
não os parâmetros normais de aferição do dano moral, mas o fato de a
vítima ter posado nua e ter, na percepção do julgador, uma "reputação
elástica".
Ao declará-la mais suscetível que outras ao desrespeito, ao assédio e à
ofensa, a Justiça paulista fez reviver o superado dogma da "mulher
honesta". A expressão fazia parte da definição de crimes sexuais do
Código Penal e dele foi expurgada em 2009, um legado da causa feminista.
Mas a mulher ainda é desmerecida pelos seus hábitos, pelo seu comportamento e pela imagem ideal e subjetiva dos outros.
Com negros é a mesma coisa. Em pleno século 21, estão mais sujeitos ao
preconceito, à desconfiança, à revista policial, à prisão, ao
assassinato. As estatísticas são desconcertantes.
O Atlas da Violência,
recentemente divulgado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Aplicada), com
dados do Ministério da Saúde, informa que a possibilidade de um negro
ser assassinado é 23,5% maior que a de pessoas de outra raça. A taxa de
homicídios (por 100 mil habitantes de negros) subiu mais de 18% entre
2005 e 2015 enquanto a mortalidade de não negros teve redução de 12,2%. A
taxa de homicídios de mulheres negras aumentou 22% no mesmo período.
Segundo relatório da Defensoria Pública do Rio, um preso branco tem 30% a
mais de chance que um negro de ser libertado na audiência judicial de
custódia realizada logo após a prisão em flagrante. A maioria da
população carcerária (mais de 60%) é formada por negros e pardos.
Para onde se olha brilha o viés racista. Aqui, nos Estados Unidos, na Europa, no Oriente.
A aparência é a parcela visível de uma pessoa, de uma coisa, de uma
instituição. Se muitas vezes é capaz de revelar com precisão a própria realidade, pode também mascará-la e deformá-la. Além de patrocinar injustiças.
Uma recente matéria do site The Outline
mostra o crescimento de perfis nazistas na web a partir de uma pesquisa
feita no Twitter. Esses perfis possuem mais adesões do que a militância
virtual do Estado Islâmico. É mais uma das faces da cultura de ódio
pelo outro, influenciando o cotidiano da vida e da política. Como o ódio
vem prevalecendo como estética num ambiente que era a promessa de um
mundo diverso e conectado? É possível uma mudança de rumo? Talvez a
resposta esteja fora da rede.
As redes sociais, que já foram
festejadas como um ambiente que promoveria o interesse pelo outro,
portador de alternativas para o bem comum e aumento da presença da
diversidade no mundo, num oposto, sustenta e multiplica a existência de
comunidades odiosas e abusivas, que não se contentam apenas com seus
círculos de adeptos e perseguem aqueles que querem destruir — não são
poucos os casos de hordas de homens misóginos que atacam
sistematicamente mulheres online, desconstroem reputações, promovem fake news, racismo, fascismo, linchamentos etc. Para isso, essa indústria do ódio cria robôs, comunidades e perfis fakes de propagação.
Trump
foi a expressão máxima no mundo da política dessa estética do ódio.
Surfou nessa onda, deixando robusta sua candidatura, canalizando
rancores, recalques e preconceitos potencializados pela situação de
rebaixamento da classe média branca do meio-oeste norte-americano.
Trump, em entrevistas e debates, para reforçar o laço emocional com a
estética do ódio, performou com agressividade. Para essa estética, o
debate ou qualquer possibilidade de fala é apenas um lugar de exaltação
raivosa das suas visões. Vale dizer que esse fenômeno revela muito sobre
outras esferas do tempo em que vivemos, em que até mesmo a música pop
tem como base letras que sempre falam de alguém que usa de jactância e
autoglorificação para se afirmar.
O Twitter já sofreu pressões e
mudou aspectos da experiência da navegação para frear a presença de
grupos de ódio. Mas esbarra em reclamações de que a contundência com que
fecha perfis adeptos do Estado Islâmico não é a mesma com que fecha
perfis nazi ou fascistas ligados a uma cultura branca. No Brasil, a
presença do ódio como motor de engajamento nas redes sociais já foi
experimentada em diversas situações: de incentivo a formas de
linchamento de quem comete delitos até a polarização agressiva na
política que embalou o processo de impeachment, envolvendo uma parte
significativa da sociedade na crença de que o único demônio da política
era Dilma — taí, deu no que deu!
A presença desse ódio é um dos
componentes da bipolaridade que marca os embates atuais. Fábio Malini,
professor da Universidade Federal do Espirito Santo (Ufes), um dos
poucos pesquisadores profícuos de comportamentos das redes sociais,
aponta que o próximo pleito eleitoral tende a ter um componente de ódio
como motor da polarização. “O continente americano, em sua maioria, é
muito alicerçado num poder central, o que beneficia a polarização.”
Quanto mais centralizadora a forma de governo, mais espaço às
polarizações e para a estética do ódio prevalecer como núcleo duro de
mobilização da atenção de eleitores. Essa polarização ganha como alvo as
minorias que foram beneficiadas por programas de inclusão, enfatiza
Malini, em breve conversa que tivemos online.
Não será uma outra
estética nas redes que irá desconstruir o ódio, apenas. É preciso que o
online não seja a única centralidade da expressão política e da vida.
Para tanto, um outro ambiente de ação política se faz necessário. E,
talvez, deva ter um peso offline maior do que o online. Nestes dias
passados aqui em Londres para mais uma jornada de trabalho, foi possível
ver que, além de uma militância em redes sociais, a campanha de Corbyn e
dos outros candidatos do Partido Trabalhista foi se reinventando a
partir de ações bairro a bairro, porta a porta. Muitos candidatos ao
parlamento cresceram nos distritos por terem priorizado a relação
comunitária. O Podemos, na Espanha, também conseguiu se projetar com uma
vasta rede em bairros, com seus círculos e confluências. Malini afirma
que a Europa, já tendo experimentado o gosto amargo da austeridade,
começa a produzir saídas. O vínculo entre as políticas de austeridade e a
cultura do ódio começa a mostrar que não é um bom caminho para a
sociedade. Mas foi necessário falar das questões reais da vida, de porta
em porta, para essa mudança aparecer.
A vigilância e a denúncia
ao comportamento de ódio nas redes são parte importante para forçar as
empresas a atuar contra esses perfis. Porém, as ações de convivência
comunitária, precisam voltar à agenda prioritária daqueles que imaginam
uma sociedade mais solidária e onde o interesse pela diferença seja uma
das maiores expressões. Existem caminhos no horizonte para barrar a
cultura do ódio.
Difícil dizer qual a imagem mais aterradora. A maciça torre residencial
envolta em labaredas, com seus 24 andares de vida interior em
desespero, iluminando a noite londrina de horror, gritos, sirenes e
impotência. Ou a mesma estrutura, à luz do dia, eviscerada, de pé feito
túmulo silencioso. Uma assombração sombria.
Ambas também podem ser olhadas como monumento, ou ruína, da ideologia
de combate a regulamentações na área de proteção social. Uma das pedras
de toque dos governos neoliberais reza que normas reguladoras impedem a
liberdade e prejudicam a produtividade. Na Inglaterra, um dos atrativos
do Brexit foi acenar com menos normas impostas pela União Europeia,
menos inspeções, mais independência para encontrar atalhos.
Três anos atrás, o ministro da Habitação, Brandon Lewis (hoje ministro
da Imigração de Theresa May), rejeitou a proposta que obrigaria
construtoras a instalar sprinklers anti-incêndio em futurasn
edificações. Deixou ao senhorio a opção de fazê-lo ou não, e vetou a
medida como parte do plano May de combate à burocracia. “Introduzimos a
regra ‘entra uma, saem duas regulamentações’, segundo a qual sempre que o
governo adotar uma nova norma, vamos identificar duas existentes, e
extingui-las”, explicou.
O conjunto habitacional de baixa renda Grenfell Tower foi erguido em
1974 na parte pobre do Royal Borough of Kensington and Chelsea — ou
seja, fora das vistas, mas não tão distante, do setor nobre do distrito
onde oligarcas russos e fortunas árabes compram as propriedades (com
sprinklers) mais cobiçadas.
Estima-se que nos 120 apartamentos do Grenfell moravam cerca de 600
pessoas. Não se sabe o número exato, pois formavam o típico grupo de
gente de raças, origens e dificuldades variadas que pode abrigar cinco
ou mais sob o mesmo teto.
Também o número de mortes continua indefinido. De início falou-se em
17, sendo os adultos que saltaram para a morte ou as crianças jogadas da
janela os primeiros identificados. Nos dias seguintes, o número já
havia saltado para 50, porém ainda é muito provisório. Devido à
ferocidade das chamas, uma identificação a curto prazo será difícil. A
procura por desaparecidos, também, pois muitos moradores falam inglês
precário, temem se apresentar às autoridades. A agonia da incerteza está
longe do fim.
Em torno de um dado, porém, parece haver consenso: a causa. Reformado
no ano passado para retirar-lhe o visual de espigão social de concreto, e
ao mesmo tempo diminuir-lhe o consumo de energia, o Grenfell teve seus
dois mil metros quadrados de paredes externas revestidas com painéis de
alumínio Reynobond.
Segundo o fabricante dos painéis, o modelo escolhido para a reforma era
o único a conter polietileno (plástico), portanto inflamável. Cada
unidade custou duas libras esterlinas (R$ 8,50) menos do que os outros
dois modelos de alumínio, resistentes a fogo. Assim, pelos cálculos do
“The Times” londrino, a incorporadora do edifício fez uma economia de
pouco mais de £ 5 mil ao escolher um revestimento proibido nos Estados
Unidos em prédios de mais de 12 metros de altura, considerados
“inflamáveis” na Alemanha e causa de incêndios em quatro outros países.
Existem perto de quatro mil conjuntos habitacionais semelhantes ao
Grenfell na Grã-Bretanha, dezenas deles reformados e revestidos de
placas contendo plástico. Imagine-se o estado de ansiedade em que se
encontra essa população de inquilinos.
Não que o sentimento de abandono e insegurança seja novo nessas
habitações populares. Já em 1999 um relatório parlamentar intitulado
“Potencial Risco de Disseminação de Incêndio Causado por Sistemas de
Revestimento Externo” alertava para o perigo. Com sinistro presságio
final: “Não desejamos que seja necessário ocorrer um incêndio de grande
porte, com muitos mortos, para a adoção de medidas razoáveis visando
diminuir o riscos”, concluía o levantamento de 18 anos atrás. Nada foi
feito.
Em 2013, esse relatório ignorado voltou à pauta com o incêndio no
conjunto habitacional Lakanal House, situado no sul de Londres. Nele
haviam morrido três mulheres e três crianças. À época, a juíza Frances
Kirkham recomendara a instalação de sprinklers nas moradias sociais
verticais, e foi igualmente ignorada
.
Também basta entrar na página eletrônica do Grupo de Ação dos moradores
de Grenfell para ver que as autoridades do distrito, a agência
responsável pela manutenção do prédio, e o senhorio receberam pelo menos
dez solicitações de ajuda. Tudo em vão. Com esse pano de fundo, a
primeiraministra Theresa May achou prudente esquivar-se da indignação
dos moradores. Foi ao local da tragédia, mas limitou seu engajamento aos
bombeiros, médicos e serviços de emergência. Estava devidamente
escoltada e prometeu um “inquérito profundo para apurar as
responsabilidades”
Já a rainha nonagenária e o prefeito trabalhista Sadiq Khan encararam o
horror mais de frente. A monarca foi levar conforto à comunidade
abalada, coisa que sabe fazer como ninguém — mesmo que sejam apenas
palavras. O prefeito materializou-se sem qualquer escolta, expôs-se à
indignação popular e procurou responder à cobrança maior — respostas
urgentes, já.
Do outro lado do Atlântico, o presidente Donald Trump acaba de nomear
Lynne Patton para dirigir o Serviço Federal de Moradias Sociais de Nova
York — o maior braço regional do Ministério de Habitação. Patton jamais
pôs os pés em alguma moradia de baixa renda. É organizadora de eventos,
sobretudo de torneios de golfe da rede Trump, e foi cerimonialista do
casamento de Eric, filho caçula do presidente.
O posto estava vago desde janeiro. Para uma cidade como Nova York, onde
400 mil pessoas ocupam moradias sociais e outros 235 mil recebem
subsídios no aluguel, mau sinal. Como diz o “The Guardian” em editorial,
“o que é chamado de burocracia muitas vezes consiste na proteção
pública essencial para a salvaguarda de vidas, do futuro e do mundo”.
Márcio
Prado, de 42 anos, é de Macaé. Vende livros e objetos reciclados nas
ruas de Botafogo. A terra natal de Marcos Antônio de Oliveira, de 43, é
Bom Jesus do Itabapoana, mas ele vive de bicos no Centro do Rio. Vindos
do interior do estado, os dois chegaram à capital atrás das
oportunidades nas obras da Olimpíada de 2016. Acabaram no sereno, sem
trabalho formal. Vagam sem teto levando algumas das características mais
comuns entre os moradores de rua da cidade.
De acordo com o
perfil dessa população traçado pelas equipes de abordagem da Secretaria
municipal de Assistência Social e Direitos Humanos, Márcio e Marco
Antônio estão na faixa etária predominante entre os que não têm lar, dos
25 a 59 anos — que, no fim de 2016, eram 11.234 (78,67% do total). Os
dois são negros, e, segundo a prefeitura, pretos e pardos somam 11.292
(79,08%) das pessoas que vivem nas ruas. Além disso, nasceram fora do
município do Rio, como 6.778 (47,47%) dos que perambulam pela cidade.
Alheios aos números, têm, entre si, outra coisa em comum: dizem que só
voltam para casa de cabeça erguida.
— Não sou um cara que desiste,
não. Acredito que dará tudo certo. Sou pedreiro, desenho, pinto... Vou
arrumar trabalho. Por enquanto, meus parentes não sabem de minha
situação. Não quero que eles saibam. A rua é violenta, as pessoas não se
entendem bem — diz Marcos Antônio.
Márcio é da mesma opinião:
—
Desde que cheguei, trabalhei numa lanchonete, num quiosque na praia e
como auxiliar de obras. Vou conseguir. O mais difícil é a saudade de
casa. Mas agora não vou voltar, não. Assim, humilhado, de forma alguma.
Enquanto
não alcançam seus objetivos, os dois levam a vida “no corre”, o que, no
linguajar das ruas, significa um trabalho informal, muitas vezes com
duração de algumas horas. E sem “manguear”, ou seja, sem pedir esmolas.
Mas, nesse caso, destoam da maioria. Só 17,72% (2.530) moradores de rua
têm alguma ocupação. Os outros 82,28%, não.
Por
uma trilha parecida com a dos dois segue Fabiano de Azevedo, de 32
anos. Faz três meses que ele vive sem lar, só que por uma decisão
voluntária, depois de se desentender com a família e de largar o
trabalho de garçom em Maricá. Passou pelo Centro, pelo Aterro e, agora,
vive nas calçadas de Copacabana. De noite, sua maloca fica nas
proximidades da Praça Serzedelo Correa, onde aproveita as horas vagas
para ouvir música num radinho e ler — ganhou livros de uma ONG. De dia,
bem cedo, vai para a praia, onde conseguiu um bico num quiosque. Alguns
dias, consegue ganhar até R$ 80.
— Assim como eu, aqui, em
Copacabana, muitos moradores de rua vivem “no corre”. Não nos
preocupamos com comida nem com produtos de higiene pessoal porque
recebemos doações. Por isso, meu grande receio é me acostumar com a rua.
Não quero. Vou juntar os trocados que ganho para tentar alugar logo um
cantinho — diz Fabiano.
EM CADA BAIRRO, CARACTERÍSTICAS PRÓPRIAS
De
fato, ter alguma ocupação é um dos aspectos que marcam a população de
rua do bairro, afirma Jonathan Marques, coordenador da equipe de
abordagem especializada da Secretaria de Assistência Social e Direitos
Humanos. Há anos tentando convencer grupos a irem para abrigos, ele
consegue traçar uma geografia particular do Rio.
Normalmente,
diz Jonathan, a porta de entrada de quem fica sem lar é o Centro, que
concentra a maior quantidade de moradores de rua (2.638, ou 18,47% do
total). Recentemente, no entanto, com o Programa Centro Presente,
Jonathan afirma que houve uma migração de parte deles para bairros
próximos. De forma geral, adolescentes , grande parte usuários de
drogas, deslocaram-se para Botafogo e Laranjeiras. Adultos optaram por
Copacabana — bairro que, no fim de 2016, ocupava o segundo lugar no
ranking da população de rua, com 928 pessoas (6,5% do total).
Número de moradores de
Ainda
na Zona Sul, a Glória costuma concentrar aqueles que vendem objetos nas
calçadas. Na Zona Oeste, eles procuram pontos movimentados como a
rodoviária de Campo Grande e o calçadão de Bangu. Na Zona Norte, o
entorno de bairros como Madureira, Jacaré e Bonsucesso concentra
usuários de drogas, principalmente nas proximidades de favelas que
vendem crack.
As drogas também são o maior problema da população
de rua na Zona Portuária e na Lapa. Em Cascadura, a principal questão é o
alcoolismo. Entre os que falam sobre o assunto, as justificativas para o
vício variam muito, porém boa parte afirma que o consumo é uma forma de
amenizar a fome, o frio e a tristeza. No levantamento da secretaria,
76,77% (10.962 pessoas) declararam utilizar algum tipo de substância,
lícita ou não. Cachaça é a mais comum. Maconha, cocaína, tíner e crack
também aparecem na lista.
ABRIGO PARA GRÁVIDAS
Foi
justamente para abrigar usuárias de drogas grávidas ou que tiveram
filhos recentemente que a prefeitura inaugurou, na semana passada, um
abrigo em Campinho. Erika Alves Mendonça, de 36 anos e no sexto mês de
gestação, foi a primeira a chegar. Antes, viveu uma trajetória de
turbulências. Aos 17 anos, caiu no vício. Iniciou com a maconha; depois,
o álcool e a cocaína. As desavenças com o padrasto pioraram tudo. E
assim começaram as estadas na rua. Teve quatro filhos, nenhum deles
criado por ela. Foi abusada sexualmente duas vezes. A última passagem ao
relento completaria um ano este mês: dormia em frente ao Hospital Souza
Aguiar, no Centro.
— Não desejo uma gravidez na rua nem para um
cachorro. Sofri todo tipo de preconceito. As pessoas me chamavam de
mendiga e cracuda porque hoje em dia, para a sociedade, todo mundo que
dorme na calçada é viciado em crack — diz Erika, cuja família vive no
Morro da Formiga, na Tijuca. — O mais difícil é voltar para casa. Bate a
vergonha dos parentes e dos vizinhos.
Secretária
municipal de Assistência Social e Direitos Humanos, Teresa Bergher
reconhece a dificuldade de lidar com a questão. Ela defende que não
adianta a prefeitura acolher essa população sem inseri-la socialmente e
no mercado de trabalho. Teresa diz que vem buscando parcerias para a
capacitação dos abrigados. Além disso, ressalta a retomada de um
programa que patrocina a volta à terra natal daqueles que quiserem (este
ano, 60 pessoas foram beneficiadas). Ela vem fazendo mudanças na
estrutura da secretaria, como as abordagens na rua sempre acompanhadas
por assistentes sociais, mas admite haver problemas e afirma que
encontrou uma rede de abrigos em péssimas condições.
— Realmente,
ficou defasado o número de abrigos e de funcionários quando se tem um
aumento tão absurdo na população de rua. No entanto, vale lembrar que
quantidade não é sinônimo de qualidade. Desde o início da nossa gestão,
estamos investindo na capacitação dos agentes — garante a secretária.
JOVENS NAS RUAS
Um
bom trabalho social pode ser o divisor de águas na vida de todos,
sobretudo das 129 crianças e dos 396 adolescentes que vivem nas ruas,
segundo a estimativa da prefeitura. Pode ajudar jovens como Rafaela dos
Santos, de 19 anos, e Lucas Mendes, de 20, a darem uma guinada. Ambos
vivem nas ruas e têm o sonho de se tornarem cantores. Ela, na
adolescência, passou por vários abrigos da cidade. Agora, depois de
completar 18 anos, dorme nas imediações da Praça da Cruz Vermelha. Ele
saiu de casa, na comunidade do Salgueiro, em São Gonçalo, há um ano,
depois de uma briga com a família. Dorme nas esquinas de Ipanema, onde
conseguiu trabalho numa banca de jornais. Ainda lembra dos detalhes de
seu primeiro dia na rua.
— Quando cheguei ao Rio, fui a
Copacabana, deitei na areia da praia e pensei se conseguiria ter o que
comer no dia seguinte. Eu ainda me preocupo com isso porque não nasci
para roubar nem para traficar. Mas tenho um trabalho e componho minhas
músicas. Um dia vou chegar lá.
RIO - Um vento gelado corta a Avenida Marechal Câmara, no Centro, no meio da madrugada. Sentado sobre um papelão e duas cobertas, enrolado numa manta velha, Luiz Cláudio, de 45 anos, é o único acordado. Ao seu redor, o silêncio de dezenas de pessoas que se encolhem na calçada e uma imensidão de incertezas, os motivos da angústia que lhe tira o sono há sete meses. Ex-aluno de uma faculdade de História, ele já foi bancário, almoxarife e operário. No ano passado, quando o desemprego apertou na cidade mineira de Juiz de Fora, onde vivia com a família, decidiu jogar a sorte no Rio. Até agora, só perdeu. O dinheiro acabou; ele não conseguiu trabalho. Luiz Cláudio se juntou a uma legião de 14.279 pessoas, segundo um levantamento da prefeitura, que têm nas ruas do Rio o único pouso. Tornou-se um dos muitos rostos de uma convulsão social notada a cada esquina carioca, agravada pela crise econômica. Os caminhos dessa gente, quase sempre, são invisíveis à maioria.
O Rio, hoje, tem mais moradores de rua que a população de 15 municípios do estado, como Santa Maria Madalena e Rio das Flores. Em algumas áreas, a quantidade de sem-teto é, oficialmente, o triplo de três anos atrás, embora pareça ainda maior. E grande parte — 5.895 deles, ou 41,29% — chegou à sarjeta há menos de um ano, de acordo com o estudo do município, realizado em 2016. Trata-se de um flagelo para o qual a Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos busca alternativas. Mas o número de vagas em abrigos revela o quanto é grave a situação: são 2.155, distribuídas em 37 instituições.
Luiz Cláudio buscou ajuda no Abrigo Stella Maris, na Ilha do Governador, assim que acabou seu último centavo. Não suportou a superpopulação do lugar nem a insalubridade das instalações. Preferiu o relento ao que viu. Foi parar, primeiro, na Uruguaiana.
— Eu tremia. E, apesar de não ter um cobertor, não era de frio. Botei um papelão no chão, um tênis debaixo da cabeça, me agarrei à mochila com meus documentos e tentei dormir. Mas logo percebi que não dava — diz ele, explicando seus motivos. — Fui roubado duas vezes, e graças a Deus não levaram a pastinha com minhas recomendações de emprego. Nunca se sabe o dia de amanhã. Passei a catar papel. Mas pagam só R$ 8 por 300 quilos, mal dá para almoçar. As portas se fecharam. Para muitos, se você está na rua, é drogado ou ladrão. Você vira um pária, fica à margem da sociedade. Não quer dizer que seja um bandido. É um “nada” — diz Luiz Cláudio, que ainda não criou coragem de contar sua situação à filha, de 18 anos, para não deixá-la “desesperada”.
Devoto de São José, santo da família e do trabalhador, Luiz Cláudio agora se impõe um limite: espera julho chegar, mês em que poderá sacar seu FGTS inativo. Já tem tudo planejado: alugará um imóvel, continuará à procura de emprego e, se tudo der certo, buscará a família. Se o futuro não sair como o esperado, diz que não hesitará. Pedirá ajuda numa igreja para voltar a Juiz de Fora, mesmo com “uma mão na frente e outra atrás”.
A história dele mostra que, muitas vezes, a linha entre a vida sob um teto e o relento é tênue. As ruas estão cheias de relatos de tragédias que se desenrolaram como um improviso do qual sair parece ser algo impossível. Aos 30 anos, 12 de rua, Dênis Linhares não tem mais um lar desde que sua avó, com quem morava, morreu. O casal Paulo e Suzana Silva, de 42 e 40 anos (respectivamente), ficou desempregado, não pôde mais pagar o aluguel de uma quitinete em Antares, em Santa Cruz, e, há nove meses, foi parar numa das esquinas que concentram moradores de rua no Centro, entre as avenidas Graça Aranha e Almirante Barroso, e agora se entregam ao álcool.
MOTIVAÇÕES EM COMUM
Destinos que não são banais, mas extraordinariamente comuns nas ruas. Em seu levantamento, a Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos identificou causas que levaram quase 15 mil pessoas a viver nas ruas do Rio. Conflitos familiares (resposta de 34,37% deles), o álcool e as drogas (20,13%) e o desemprego (13,32%) são as mais citadas. Também aparecem na lista a fuga da violência nas comunidades em que viviam (2,32%), o despejo ou a perda da residência (1,85%), a moradia longe do trabalho (0,39%) ou mesmo vontade própria (8,96%).
No rumo de André Luiz Reis, de 34 anos, uma sucessão de infortúnios o levou a perambular pela Praça da Cruz Vermelha, no Centro. Baiano desempregado em Camaçari, faz 70 dias que chegou ao Rio. Tempo suficiente para emagrecer, pegar uma pneumonia e trocar os sorrisos pelo olhar perdido. Nada parecido com o sonho que ele alimentou ao vir para a cidade que ele admirava pela televisão.
Desembarcou com R$ 1.700, frutos de um bico que tinha feito na Ilha de Itaparica, na Bahia. Seu plano era alugar um quarto em Duque de Caxias e buscar trabalho. Estava tudo acertado. Mas, ainda com a bagagem nas costas, logo depois de sacar o dinheiro num banco, foi assaltado por um adolescente armado com uma faca. Ficou só com uma mochila e documentos. Até suas ferramentas de pintor, que estavam numa mala, ele perdeu.
— Não sabia o que fazer. Nunca tinha dormido na rua. Bateu o medo de que fizessem algo perverso comigo. E veio logo a depressão, por saber que minha família está na Bahia precisando de ajuda — conta André, que, na última quarta-feira, não pensou duas vezes ao pedir ajuda a uma equipe de abordagem especializada da Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos. — Isso não é vida. Quero recomeçar.
Em Copacabana, morador lê um livro na calçada em que passa as noites. Bairro é o segundo do Rio com maior quantidade de pessoas em situação de ruaFoto: Alexandre Cassiano /
Na Avenida Olegário Maciel, na Barra, Paulo César Carvalho, de 51 anos, é outro que vive sem lar. Ele diz que ainda não se considera um morador de rua. “Estou me virando”, afirma. Também se perdeu numa espiral de insucessos. Já teve uma empresa de construção civil com 18 funcionários na Região dos Lagos. A crise, então, fez com que, de patrão, ele virasse empregado. Veio ao Rio para trabalhar. Ganhava R$ 1.200 por semana. Mas o serviço acabou, e o chefe se mudou para Portugal. Perdeu o prumo, só foi acolhido numa maloca (nome que os moradores de rua dão aos lugares onde dormem). Divide uma calçada sob uma marquise com cerca de 15 pessoas.
No grupo, há homens e mulheres. Adolescentes e idosos. A todo momento, alguns dos adultos precisam acalmar uma senhora com problemas psiquiátricos. Em meio ao material que guardam há uma prancha, com a qual um deles costuma passear pela praia, embora não sabia surfar. Um outro jovem, que morava numa favela de Santa Cruz, admite ser dependente químico, e diz que prefere ficar ali do que sofrer represálias da milícia que controla a comunidade.
DISPUTA POR RESTOS DE COMIDA
Na quinta-feira à noite, muitos deles tinham passado o dia sem comer. A fome acabou depois que um casal desceu de um carro e começou a entregar quentinhas. Foi um alvoroço. Mas não havia para todos. Alguns acabaram ficando com fome. Penúria semelhante foi vista dois dias antes num dos endereços mais nobres do país, Ipanema. Por volta das 20h, Cristiane Francisca da Silva, de 44 anos, fez sua primeira refeição do dia: um abacate, sobra de uma feira. Há cinco anos que o céu da Praça General Osório é seu teto. Ex-moradora da Cidade de Deus, ela perdeu a direção quando não resistiu à tentação das drogas. Foram anos na cadeia, depois, a rua. Ela conta que está “limpa” desde janeiro, por esforço próprio. “Já viram um centro de recuperação público no Rio para mulheres?”, pergunta. Continua, contudo, sem emprego. Nem biscates consegue. Rotineiramente, passa fome. Apesar de tudo, não perde a capacidade de se indignar com a situação que compartilha com milhares de pessoas.
— Quando um mercado aqui perto fecha as portas, é preciso se apressar para catar os restos que jogam fora. É justo ter que comer o que está no chão, no lixo? É humilhante demais, mas a fome e a sede são insuportáveis. É por isso que, antes de a morte propriamente dita chegar, o morador de rua já está morto. Se torna invisível. É difícil que nos enxerguem como seres humanos. É mais fácil não nos ver — afirma ela, que ainda tem um sonho. — Queria ver minha família e dizer que estou trabalhando.
RIO - Uma cama desmontada, uma geladeira velha, uma televisão com
prestações atrasadas. Em cima do sofá de dois lugares, desfiado por um
gato de estimação, uma cômoda e um colchão de viúvo. Tudo empilhado na
caçamba de um caminhão, junto a caixas que guardam roupas, livros e
coisas difíceis de abandonar, como um vestido com o cheiro da mulher
falecida e fotografias da vida toda. O homem de cabelos brancos vai
embora da Cidade Alta sem intenção de voltar.
Um êxodo silencioso se pôs em marcha na cidade. São pessoas que estão
deixando suas casas, muitas vezes na favela onde nasceram, para fugir
da violência. Em cada beco onde o terror virou rotina, postes e paredes
estão tomados de anúncios de “vende-se” e “aluga-se”, com uma observação
recorrente: “aceito proposta”.
Foi na semana passada que o aposentado empacotou tudo que tinha e se
mudou da Cidade Alta para o interior do estado. Deixou para trás um
apartamento de dois quartos na Rua Ponto Chique em um prédio de cinco
andares cravejado de balas. Nas paredes do edifício, leem-se pichações
religiosas com dizeres como “até aqui nos ajudou o Senhor”, feitas a
mando da facção dominante, bandidos que se dizem “o exército do Deus
vivo”. No último episódio da guerra entre traficantes no conjunto
habitacional de Cordovil, dois tiros entraram na sala do aposentado, um
deles na altura de sua cabeça.
— Quando seus vizinhos começam a se trancar em casa, é hora de partir
— diz o senhor, que não pode se identificar por ainda ter parentes na
região. —Minha casa valia R$ 120 mil há poucos anos. Hoje, as pessoas
querem pagar R$ 40 mil. Minha vontade era continuar, mas estou ficando
deprimido. Meu filho me implorou para sair.
CASAS VAZIAS
O medo que o tirou de casa se
espalha. Segundo dados do Fogo Cruzado, aplicativo da Anistia
Internacional que contabiliza confrontos, foram notificados 87 na Região
Metropolitana do Rio apenas na primeira semana de maio, uma média de 12
por dia. Nesse período, 25 pessoas morreram baleadas — 3,5 por dia — e
18 ficaram feridas. Entre janeiro e abril, a Anistia informou 1.493
tiroteios e uma média diária de quatro mortos (488 no total).
Quem
sai de casa alega que a causa principal é a falta de segurança. Mas não
é o único motivo: o desemprego também castiga a capital do estado, que
perdeu sozinha 80% dos 64 mil postos de trabalho fechados no Brasil no
primeiro trimestre deste ano. Ainda não existem dados ou pesquisas sobre
quantas pessoas se mudaram e para que lugar foram, mas basta entrar
numa favela em que os tiros sejam frequentes para ver o sobe e desce de
caminhões, especialmente nos fins de semana.
Com
braços largos e tatuados que saltam para fora da camisa regata, o
caminhoneiro Maurilan Cordeiro olha desconfiado para um de seus três
ajudantes. Pergunta se há “algum problema”. O outro resmunga que torceu o
pé. “Se quiser pode ir embora, te pago metade do combinado”, responde,
sem olhar para o funcionário. Era o primeiro serviço naquele dia e,
depois, eles teriam mais um. Há 20 anos no mundo dos fretes, Maurilan
anota quantas mudanças faz na Cidade Alta. Nos últimos três meses, foram
96. Algumas famílias foram para bairros próximos e não precisaram
trocar as crianças de escola. Outras se mudaram para São Paulo, Belo
Horizonte, Vitória, Salvador, Corumbá... Todas saíram em busca de paz.
— O que mais tem aqui é casa vazia. Tenho feito de cinco a dez
mudanças por semana. O movimento aumentou uns 200% este ano — conta
Maurilan, chamado por muitos de Murilão.
Ele cobra R$ 300 por um frete até o Centro. Até Jacarepaguá, são R$ 800 e, para São Paulo, R$ 1.600.
— Trabalho muito, mas com tristeza. Cada mudança tem uma história. Às
vezes, a pessoa acaba num lugar pior, depois volta. Esta semana mesmo
vou trazer uma moça que saiu daqui para a Ilha do Governador e foi
assaltada quatro vezes em dois meses. Mas, a cada um que volta, dez vão
embora.
E se cada mudança tem uma história, cada história, um drama. O de uma
secretária de 30 anos nascida e criada no Pavão-Pavãozinho, em
Copacabana, narra a esperança de quem acreditava na Unidade de Polícia
Pacificadora (UPP). Mas ela viu uma boca de fumo ser instalada na porta
de sua casa, com sessões de tortura em ladrões no meio da noite. Há
pouco tempo, quando voltava para casa com seu filho de 8 anos, um dos
bandidos cismou que ela estava filmando a boca. Os traficantes olharam
todas as fotos e vídeos do celular.
— Tem criança de 9 anos entre os bandidos. Meu filho já estava
sabendo o calibre das armas pelo som do tiro. Fiquei com medo do que
poderia acontecer com ele, já perdi um irmão que virou traficante —
conta a secretária, que trabalha no Leblon e conseguiu alugar um
conjugado na Cruzada São Sebastião por cerca de mil reais. — Aqui tem
tráfico também, mas nem parece: em um mês, ainda não ouvimos tiro algum.
ROTINA ALTERADA
Mudar não é fácil. O filho da
secretária ainda não contou aos amigos do morro o motivo que o levou a
sair: tem vergonha de dizer que foi por causa da violência, afinal de
contas, os colegas continuam lá. Quando soube do conjugado na Cruzada,
no fim de março, a mãe pensou que havia elevador no prédio. Mas são
apenas escadas nos dez blocos de 945 apartamentos, com edifícios de seis
andares. Eles moram no último.
O comportamento das pessoas também é diferente daquele que a pequena
família de duas pessoas estava acostumada. No morro, uma única bola de
futebol faz a alegria de 50 crianças. No asfalto, o menino só conseguiu
jogar depois que a mãe comprou uma redonda para ele. Apaixonado por
futebol, em breve o garoto começará a treinar na Associação Atlética
Banco do Brasil (AABB), clube na Lagoa que tem a saída dos fundos
voltada para a Cruzada São Sebastião.
— Eu descia o morro com medo, tinha que ser muito rápido, porque o
Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais) entrava na favela
quando estávamos indo para a escola. Chorei quando minha mãe falou que
íamos sair. Tenho sete amigos no morro. Aqui, por enquanto, só tenho um —
conta o menino, antes de dizer que está de castigo por ter jogado bola
até a noite na semana passada.
Janela virou parede de tijolos após chegada dos PMsFoto: Fabiano Rocha em 23/02/2017 / Agência O Globo
Moradores se queixam de que policiais estão ocupando casasFoto: Fabiano Rocha em 23/02/2017 / Agência O Globo
Moradores do Complexo do Alemão dizem que os policiais estão baseados nas casasFoto: Fabiano Rocha em 23/02/2017 / Agência O Globo
Desde fevereiro, homens da UPP vêm usando residências como postos de observaçãoFoto: Fabiano Rocha em 23/02/2017 / Agência O Globo
Marcas de tiros em parede de casaFoto: Fabiano Rocha em 23/02/2017 / Agência O Globo
Tiros atravessaram parede de casa na Praça do Samba, na Nova Brasília, no Complexo do AlemãoFoto: Fabiano Rocha em 23/02/2017 / Agência O Globo
Em estado de guerra desde fevereiro — quando teve início a polêmica
instalação de uma torre blindada na Praça do Samba, região da Alvorada,
que terminou com dez mortos em uma semana —, o Complexo do Alemão
certamente é uma das regiões da cidade de onde mais pessoas foram
embora. A vendedora X. morava na Rua 2, onde os tiros são tão intensos
que o dono de uma padaria construiu um bloco de concreto na porta,
espécie de bunker improvisado que as balas já destruíram.
— Minha casa era a mais perfurada da rua. Eu não tinha a opção de
morar fora da favela. Depois que me casei, meu marido e eu viemos para a
Estrada Velha da Pavuna. Quando tem tiroteio no Alemão, escuto de
longe. Minha mãe me liga sempre que os tiros começam. Ela tem vontade de
sair também, mas mora junto com meus três irmãos. Seria impossível
pagar uma casa no asfalto — afirma X., que não visita a mãe há
aproximadamente um mês por causa dos confrontos quase diários entre
policiais e traficantes.
A
gota d’água que a fez procurar outro lugar foi a última festa de
réveillon, quando todos no Alemão estavam na rua e um intenso tiroteio
começou. Os transformadores de luz explodiram com os tiros, e as pessoas
ficaram no escuro, com as ruas cheias do óleo escuro que escorria dos
equipamentos. Um vizinho de X. tinha acabado de reformar a casa.
— Deu pena. A casa virou uma peneira, toda cheia de furos. Naquele
dia, ele perdeu micro-ondas, geladeira... Até a cama ficou repleta de
buracos. Foi quando decidi ir embora — recorda.
Todos que se mudaram têm medo. Além de parentes, amigos continuam
morando nas favelas, e muitos são proprietários de imóveis nos locais.
Uma ex-moradora da Cidade de Deus saiu desesperada ao descobrir que o
próprio filho estava começando a se envolver com o tráfico. O menino de
15 anos parou de estudar em dezembro, após repetir de ano pela segunda
vez em um colégio particular de Jacarepaguá que a mãe pagava com esforço
— metade de todas as faxinas do mês iam para a mensalidade escolar.
— Em casa, ficava mais na cozinha do que na sala, onde os tiros
batem. Só relaxava quando meu filho chegava. Ele estava começando a se
envolver, tinha virado olheiro. Tem três meses que a gente saiu, pela
graça de Deus — afirma a mãe, que se mudou para uma rua de acesso a uma
favela de Ricardo de Albuquerque, onde o tráfico também dá as cartas.
Até no Santa Marta, primeira favela com uma UPP instalada, em 2008,
há pessoas indo embora, apesar de ainda ser grande a procura por casas
na favela, no coração de Botafogo. Um produtor cultural se mudou há
poucos dias por vários motivos. Entre eles, a volta do tráfico
ostensivo.
— É triste ver de novo uma criança olhando os traficantes e querendo
ser igual a eles. Pensei que isso iria acabar, mas me enganei — lamenta.
DE VOLTA PARA O NORDESTE
No Complexo do
Alemão, ao se apresentar, Seu Elias entrega um cartão de visitas: “De
volta para minha terra — mudanças interestaduais”. Nascido na Grota, uma
das comunidades do conjunto de favelas, ele tem 60 anos de experiência
com frete. Começou ajudando o pai, aos 10, subindo material para a
construção de novas residências.
— Havia 40 casas de estuque na Grota quando eu era criança — lembra.
Nos pontos extremos do complexo, nas partes mais perigosas e de
difícil acesso, só ele encara o serviço com sua carreta preta que
“parece o caveirão”. Enquanto Elias dirige sem pressa pelos becos, um
ajudante vai no alto do caminhão com um cabo de vassoura, erguendo o
emaranhado de fios que, às vezes, acabam se rompendo no trajeto.
— Apesar de parecer o caveirão, todos me respeitam. Só trabalha aqui
quem é conhecido da comunidade. Tem muita gente saindo, principalmente
as pessoas que moram lá em cima. Muitos voltam para o Nordeste. Este ano
já fui para Bahia e Pernambuco. Na semana que vem, vou para o Maranhão.
Um pedreiro desistiu de tudo aqui, já mandou a família e só está
terminando um serviço para ir embora — conta ele, que cobrou R$ 6 mil
pelo percurso de 3 mil quilômetros. — É triste ver as pessoas partindo. A
gente branqueia os cabelos e não consegue alcançar nossos objetivos
nessa vida.
Ao se preparar para ir embora no caminhão de Elias, uma manicure de
mudança para Rio das Ostras pede ao caminhoneiro que a espere um
instante na Estrada do Itararé, onde há um bar na esquina. É hora do
almoço, o lugar está cheio. Ela vai até o banheiro e para na porta, onde
um amigo do morro escreveu a seguinte poesia: “A noite chegou... / Sair
pra brincar / Na chuva / Sonhar em descer / A ladeira / Num barco de
papel”. Ela tira uma foto do poema, se emociona e vai embora. Diz que
não volta mais.
Eles foram apagados há menos de três meses, mas já estão de volta. E
desta vez não pelas mãos de grafiteiros, mas pela falta de "demãos" da
própria prefeitura.
Os grafites da avenida 23 de Maio,
na zona sul de São Paulo, que foram quase inteiramente cobertos por uma
tinta cinza a mando de João Doria (PSDB) em janeiro, estão ressurgindo
aos poucos nos muros da via.
Em vários pontos da av. 23 de Maio, os grafites cobertos de tinta cinza pela gestão Doria estão voltando a aparecer por baixo da pintura
O prefeito considerou a pintura o principal erro de sua gestão, após uma pesquisa Datafolha mostrar que ela foi reprovada por 61% dos paulistanos.
Agora, em diversos pontos entre o parque Ibirapuera e o centro, o revestimento está descascando ou deixando transparecer os desenhos que há pouco tempo estiveram ali.
Para o grafiteiro Mauro Neri, 36, do projeto Veracidade, isso não é novidade. "É o que chamo de grafite reverso, que aparece quando se apaga a tinta, e não quando se pinta."
O artista foi detido em janeiro, quando lavou o cinza que cobria suas obras –embaixo do complexo viário João Jorge Saad, o Cebolinha– apenas com água e um esfregão, técnica que usa desde 2010.
Isso é possível, segundo ele, porque a tinta utilizada para apagar os grafites e pichações em São Paulo normalmente é composta por uma proporção maior de cal e menor de corante e aglutinante (cola), portanto sai mais facilmente.
"As empresas de limpeza usam essa mistura porque ela vence em pouco tempo, para ganharem mais dinheiro apagando o grafite de novo", diz.
O grafiteiro e ativista Mundano, 31, também usou só água e esponja para ressuscitar uma obra sua em janeiro, no Largo da Batata (zona oeste), que trazia a frase "São Paulo não é Miami".
O artista fazia referência ao "grafitódromo" que o tucano quer criar, inspirado em um bairro da cidade americana. "Quando você apenas limpa a sujeira, ela volta. O [programa] Cidade Linda não está focando em soluções reais, mas só numa maquiagem monocromática, cinza", critica.
Em manifestação nas redes sociais, o procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima, que integra a força-tarefa da Operação Lava Jato, disse neste sábado (20) que o Brasil vive "uma história de horror" após as revelações de corrupção por executivos delatores da JBS.
Para ele, que defendeu punição de todos os envolvidos em ilegalidades, o
Brasil está "mais para The Walking Dead" do que House of Cards —numa
referência a duas séries de TV, a primeira sobre zumbis e a segunda sobre a política americana, cujo enredo vem sendo comparado à crise política nacional.
"[É] um país de zumbis morais", afirmou, em nota no Facebook, em que diz se posicionar "como cidadão".
Para ele, as gravações do presidente Michel Temer (PMDB)
feitas pelo delator Joesley Batista são "estarrecedoras", e não há
"relativismo moral" nem justificativa econômica que explique a conversa.
"Nem me venham dizer que devemos tapar o nariz para isso, na esperança
de uma volta à normalidade do sistema econômico", escreveu. "As
motivações econômicas não podem justificar que esses cadáveres
insepultos continuem entre nós."
Lima afirma que, nas escutas, estão "explicitadas as bases de tudo o que
de errado, podre e vil a Operação Lava Jato tem tentado mostrar".
Ele ainda critica a "cegueira ética intencional" daqueles que aplaudiram
a Lava Jato quando revelou "a podridão dos governos do PT" e, agora,
"desejam fechar os olhos" às suspeitas contra políticos do PSDB e PMDB.
Tem surgido um tipo especial de golpista no Brasil: aquele que pede
eleições diretas. De todos os tipos de golpe (baixo, traumático,
militar, de mestre, da maioridade, do sequestro), esse novo tipo de
golpe é o único que não quer transferir o poder pras mãos de uma pessoa
só mas para as mãos de um grupo de 140 milhões de pessoas. Ou seja:
bagunça.
Por que se trata de um golpe? Pra começar, porque não tá previsto na
Constituição. Nossa Carta Magna não prevê eleições diretas na segunda
metade do mandato. No entanto, acho melhor não evocar a Constituição,
nesse caso, porque ela também não prevê impeachment sem crime de
responsabilidade e nem terceirização da atividade fim e nem a
possibilidade de pagar trabalhador rural com casa e comida. Em vez disso
tem lá toda uma parte sobre respeito ao meio ambiente, direito ao
lazer, e diz que o empregado tem direito a uma parcela dos lucros da
empresa.
Nossa Constituição parece que foi escrita na praça Roosevelt. Se o
pessoal começar a ler, pode dar merda pro nosso lado. Vamos continuar
usando só como calço de mesa, que pra isso tem servido bem (embora
pudesse ser um pouco mais fina, até pra isso a americana é melhor).
Por isso, o melhor argumento contra esse golpe não é constitucional.
Precisamos dizer a verdade: quem quer "Diretas Já" na verdade só quer
botar o Lula lá. Sim, eles acham que enganam, mas existe um plano claro:
primeiro derrubam o Temer, depois põem o povo pra votar no Lula. Sim,
tudo já foi combinado com o povo. Se for provado que o povo tá nessa,
vai ser a primeira vez que 140 milhões de pessoas conspiraram juntas.
"Não dá pra comprar uma nação inteira." O que seria o Bolsa Família
senão um mega esquema de compra de voto?
Há quem chame esse processo de conspiração coletiva por outro nome:
democracia. Eu chamo de golpe mesmo. Não é porque o povo tá envolvido
nessa que não é golpe. É um golpe democrático, mas é golpe, porque o
povo não consultou o principal mandatário da nação: o mercado.
Eleição direta, pra mim, seria se o mercado escolhesse diretamente o
presidente. Quando o povo vota, a eleição deixa de ser direta, porque tá
passando por cima dos investidores. E dá um puta trabalho depois. Tem
que inflar um pato, tirar o presidente, desinflar o pato, botar outro
presidente. Por isso proponho eleições diretas de verdade: reúne o PIB e
deixa ele escolher. Vai poupar trabalho pra todo o mundo.
O doleiro Alberto Youssef, que enviou US$ 234 milhões ao exterior em contratos fictícios
Três anos depois de deflagrada a Operação Lava Jato, brechas legais e a falta de transparência na origem do escândalo continuam intocadas, ampliando as chances de um esquema parecido de desvio de recursos públicos voltar a se repetir.
A Folha ouviu alguns dos principais envolvidos na investigação (força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, o órgão de inteligência financeira do Ministério da Fazenda, a Petrobras e o Banco Central) para apontar o que mudou desde março de 2014.
Um dos buracos que persistem, por exemplo, é a relação de congressistas com lobistas, que funciona sem qualquer controle.
O lobby no Congresso é uma caixa-preta. Mesmo após a Lava Jato, Senado e Câmara não chegaram a qualquer iniciativa para alterar procedimentos sobre o comportamento dos parlamentares.
As investigações mostraram que lobistas como Fernando Baiano e Cláudio Melo Filho, da Odebrecht, tinham acesso livre às dependências da Casa e estavam desobrigados de declarar para quem trabalhavam, o local das reuniões, qual a matéria específica do seu trabalho (como projeto de lei ou medida provisória) e com quais parlamentares tratavam.
Da mesma forma, todos os parlamentares brasileiros são desobrigados de informar com quais lobistas se reúnem e o objetivo das conversas.
Para o coordenador da Lava Jato no Ministério Público Federal, Deltan Dallagnol, esse ponto é apenas uma das mudanças que o Congresso deixou de fazer.
Ele menciona as penas para os casos de corrupção, que considera "piada de mau gosto". "As penas são inadequadas e mais, raramente se chega a essas penas. O sistema recursal é um cipoal, praticamente infinito, que permite perpetuar o processo até que aconteça a prescrição", diz.
Desde que a Lava Jato foi às ruas, também continua baixa a transparência dos atos do presidente, diretores e executivos da Petrobras, cujos compromissos não eram divulgados pelo menos até a semana passada.
A Lava Jato mostrou que gestores da companhia, como Paulo Roberto Costa e Pedro Barusco, mantinham conversas frequentes com parlamentares sem que fossem obrigados a informar esses contatos publicamente.
O diretor de Governança, Risco e Conformidade da Petrobras, João Adalberto Elek Junior, menciona "assuntos estratégicos" para contemporizar sobre a falta de transparência das agendas.
"Estamos trabalhando em como fazer um uso melhor de agenda. Existe um regramento para isso", disse. "Agora, a gente sempre tem aquela preservação da agenda quando a gente trata de um assunto de natureza estratégica".
No tema da contratação de obras civis, a Petrobras continua seguindo regramentos internos próprios, como um decreto de 1998, para tocar seus processos de contratação. A empresa se recusa a adotar a lei das licitações, praticada pela administração pública em todo o país.
Em depoimento à Lava Jato, Paulo Roberto Costa explicou que, como diretor, tinha poderes extremos de convidar ou desconvidar empreiteiras para entrar no "clube", o cartel que pagava milhões de reais em propina.
Assim, um diretor tinha a capacidade de prejudicar empreiteiras que não quisessem pagar o suborno, bastando que as retirasse da lista de possíveis convidados.
A Petrobras argumenta que houve um reforço no sistema interno desse tipo de decisão. "Esse grau de flexibilidade que um diretor poderia ter no passado, de tomar decisões em caráter individual, foi fortemente combatido", disse Elek. "Agora as decisões são submetidas a um comitê."
SEM AMARRAS
No âmbito do sistema financeiro, continua sem qualquer amarra o sistema de remessa de dólares para o exterior por meio de contratos de câmbio. O doleiro Alberto Youssef enviou pelo menos US$ 234 milhões sem ser incomodado, em cinco anos. Os contratos eram fictícios.
O sistema não mudou e, para Banco Central e Coaf (órgão do Ministério da Fazenda), deve continuar como está.
Ambos entendem que o mercado não deve sofrer restrições mas, uma vez detectada a irregularidade, a ação punitiva deva ser dura. O BC diz em nota que "mantém permanente monitoramento e fiscalização do mercado de câmbio" e que detectou em 2014 "operações suspeitas" que foram atacadas em 2015.
All
of the mythic South was in Gregg Allman’s music: soul, blues, country,
gospel, rock ’n’ roll, jazz. The roadhouse, the back porch, the juke
joint, the church, the farm, the highway.
It
was in the weary, determined drawl of his voice, rising to a sustained,
honeyed ache or rasping with stubborn gumption. It was in the way his
keyboard playing took turns steering the Allman Brothers Band and
creating its backdrop: the Hammond organ that could be greasy or
celestial, the piano that summoned hymns, honky-tonk, boogie-woogie and
jazz. (He played serviceable guitar, too.) And it was in the songs Mr.
Allman, who died Saturday at 69,
wrote, putting terse, bluesy riffs behind lyrics that spoke of endless
troubles, domestic and universal, and the will to survive them. “Bearing
sorrow, having fun,” as he put it in “Melissa.”
It
all sounded natural and rooted, straight from the Georgia soil, when
the Allman Brothers Band unveiled its musical hybrid on its self-titled
1969 debut album. It was music that would become a foundation for both
the sturdy structures of southern rock and the far-flung extrapolations
of jam bands.
There
was radical effort behind the band’s seeming ease. The Allman Brothers
Band had thoroughly figured out the segues among all of the styles they
merged: where rhythms could coincide and metamorphose, where simple
harmonies could support jazzy elaboration, how a soul revue’s horn lines
or a country band’s fiddle could be translated onto the band’s guitars
and keyboards. Outside the Allman Brothers Band, Mr. Allman led his own
jam bands, although at times his studio albums attempted something
crisper and more radio-friendly.
The
birthright the Allmans’ music claimed was geographical — American and
particularly Southern — and with it came a willingness to move past
genre lines and all their connotations of race and class. It was all at
their fingertips, inviting listeners to follow.
His
songs also drew on his own history, particularly in later years when he
looked back on his own past excesses and drug problems. His voice was
more weathered by then, but it stayed strong all the way into the 2010s,
past the Allman Brothers Band’s retirement in 2014. Steeped in the blues, he had always sung like someone experienced beyond his years.
Here are 10 definitive Gregg Allman songs. Unless otherwise noted, they were recorded by the Allman Brothers Band.
“Whipping Post” (1969)
“Whipping Post” carried the Allman Brothers to improvisational peaks through decades of concerts.
It’s a lover’s lament carried by a whirlwind through blues, jazz and
rock. Its riff first appears in a tricky 11/8 meter, then straightens
out to 12/8; its chorus heaves into a bluesy half time for a desperate a
cappella plaint — “Good Lord, I feel like I’m dyin’!” — but then revs
up again, lingering over an unchanging harmonic foundation that foments
open-ended improvisation. The band could push “Whipping Post” in any
direction — and did.
“Midnight Rider” (1970)
The
narrator of “Midnight Rider” is a fugitive in motion: broke and tired,
chased by unnamed pursuers. Mr. Allman’s music makes his journey a
one-chord meditation interrupted by a few bars of tension when he sings,
“I’m not gonna let ‘em catch me”; the rhythm keeps him moving.
“Dreams” (1969)
A
jazzy waltz with a circular, three-note bass riff and pattering
percussion cross-rhythms introduced the Allmans’ most psychedelic side
on their 1969 debut album. It’s a declaration of ambition to realize
“dreams I’ll never see”; it also stretched a long way in concert.
“Ain’t Wastin’ Time No More” (1972)
Mr.
Allman’s rolling piano riff is part gospel, part Mardi Gras mambo, and
his lyrics fight their way out of mourning toward gratitude for being
alive as Dickey Betts’s slide guitar pushes ahead. The song was on “Eat a
Peach,” the album completed after the death of Duane Allman, Gregg’s brother and the band’s founding guitarist; it insists, “You can’t let one precious day slip by.”
“Melissa” (1972)
“Melissa”
is a ballad about a constant traveler “knowing many, loving none” while
thinking about a woman back home. A hobo? An itinerant musician? The
song doesn’t decide whether to stay footloose or settle down; it lingers
between restlessness and longing.
“Rockin’ Horse” (2003)
“Never
could use just a little/Never could leave it alone.” Warren Haynes, a
latter-day member of the Allman Brothers, sang this song with both the
Allman Brothers and his own band, Gov’t Mule. But Mr. Allman helped
write it and his story was in it, facing down a lifelong
self-destructive streak he had survived. Even in this studio recording,
the song’s choppy, minor-key New Orleans groove spurs bluesy guitar
solos heading toward Hendrix territory.
“Wasted Words” (1973)
A
two-fisted piano boogie with a pugnacious slide guitar, “Wasted Words”
is a surly lover’s quarrel escalated to theological ground. The singer
compares his “baby” to God and Satan, and while he points out, “I ain’t
no saint,” he’s not confessing to any specific sin.
“It’s Not My Cross to Bear” (1969)
The
form is a by-the-book slow blues, with plenty of room for Mr. Allman to
let the vocal drama build, from bemoaning “our bad, bad misfortune” to
full-throated shouts and roars at the end. But it’s a crescendo of
anger, not sorrow; as he leaves the relationship wreckage behind, he
snarls, “Don’t reach out for me, babe.”
“Sailin’ ’Cross the Devil’s Sea” (1994)
A
low, bruising guitar riff and seething organ chords carry a tale of
temptation, blind lust and infidelity: “the beginning of the end of my
happy home.” Repentance arrives far too late.
“Floating Bridge” (2011)
Written
by the bluesman Sleepy John Estes, “Floating Bridge” is about a brush
with death: getting rescued from drowning. It’s from Mr. Allman’s most
recent solo album, “Low Country Blues,” and there’s relief and
remembered terror in his voice.
Correction: June 1, 2017 An earlier version of this story misstated the singer of “Rockin’ Horse.” It was Warren Haynes, not Gregg Allman.