June 21, 2017

O ódio



Marcus Faustini

Uma recente matéria do site The Outline mostra o crescimento de perfis nazistas na web a partir de uma pesquisa feita no Twitter. Esses perfis possuem mais adesões do que a militância virtual do Estado Islâmico. É mais uma das faces da cultura de ódio pelo outro, influenciando o cotidiano da vida e da política. Como o ódio vem prevalecendo como estética num ambiente que era a promessa de um mundo diverso e conectado? É possível uma mudança de rumo? Talvez a resposta esteja fora da rede.

As redes sociais, que já foram festejadas como um ambiente que promoveria o interesse pelo outro, portador de alternativas para o bem comum e aumento da presença da diversidade no mundo, num oposto, sustenta e multiplica a existência de comunidades odiosas e abusivas, que não se contentam apenas com seus círculos de adeptos e perseguem aqueles que querem destruir — não são poucos os casos de hordas de homens misóginos que atacam sistematicamente mulheres online, desconstroem reputações, promovem fake news, racismo, fascismo, linchamentos etc. Para isso, essa indústria do ódio cria robôs, comunidades e perfis fakes de propagação.

Trump foi a expressão máxima no mundo da política dessa estética do ódio. Surfou nessa onda, deixando robusta sua candidatura, canalizando rancores, recalques e preconceitos potencializados pela situação de rebaixamento da classe média branca do meio-oeste norte-americano. Trump, em entrevistas e debates, para reforçar o laço emocional com a estética do ódio, performou com agressividade. Para essa estética, o debate ou qualquer possibilidade de fala é apenas um lugar de exaltação raivosa das suas visões. Vale dizer que esse fenômeno revela muito sobre outras esferas do tempo em que vivemos, em que até mesmo a música pop tem como base letras que sempre falam de alguém que usa de jactância e autoglorificação para se afirmar.

O Twitter já sofreu pressões e mudou aspectos da experiência da navegação para frear a presença de grupos de ódio. Mas esbarra em reclamações de que a contundência com que fecha perfis adeptos do Estado Islâmico não é a mesma com que fecha perfis nazi ou fascistas ligados a uma cultura branca. No Brasil, a presença do ódio como motor de engajamento nas redes sociais já foi experimentada em diversas situações: de incentivo a formas de linchamento de quem comete delitos até a polarização agressiva na política que embalou o processo de impeachment, envolvendo uma parte significativa da sociedade na crença de que o único demônio da política era Dilma — taí, deu no que deu!

A presença desse ódio é um dos componentes da bipolaridade que marca os embates atuais. Fábio Malini, professor da Universidade Federal do Espirito Santo (Ufes), um dos poucos pesquisadores profícuos de comportamentos das redes sociais, aponta que o próximo pleito eleitoral tende a ter um componente de ódio como motor da polarização. “O continente americano, em sua maioria, é muito alicerçado num poder central, o que beneficia a polarização.” Quanto mais centralizadora a forma de governo, mais espaço às polarizações e para a estética do ódio prevalecer como núcleo duro de mobilização da atenção de eleitores. Essa polarização ganha como alvo as minorias que foram beneficiadas por programas de inclusão, enfatiza Malini, em breve conversa que tivemos online.

Não será uma outra estética nas redes que irá desconstruir o ódio, apenas. É preciso que o online não seja a única centralidade da expressão política e da vida. Para tanto, um outro ambiente de ação política se faz necessário. E, talvez, deva ter um peso offline maior do que o online. Nestes dias passados aqui em Londres para mais uma jornada de trabalho, foi possível ver que, além de uma militância em redes sociais, a campanha de Corbyn e dos outros candidatos do Partido Trabalhista foi se reinventando a partir de ações bairro a bairro, porta a porta. Muitos candidatos ao parlamento cresceram nos distritos por terem priorizado a relação comunitária. O Podemos, na Espanha, também conseguiu se projetar com uma vasta rede em bairros, com seus círculos e confluências. Malini afirma que a Europa, já tendo experimentado o gosto amargo da austeridade, começa a produzir saídas. O vínculo entre as políticas de austeridade e a cultura do ódio começa a mostrar que não é um bom caminho para a sociedade. Mas foi necessário falar das questões reais da vida, de porta em porta, para essa mudança aparecer.

A vigilância e a denúncia ao comportamento de ódio nas redes são parte importante para forçar as empresas a atuar contra esses perfis. Porém, as ações de convivência comunitária, precisam voltar à agenda prioritária daqueles que imaginam uma sociedade mais solidária e onde o interesse pela diferença seja uma das maiores expressões. Existem caminhos no horizonte para barrar a cultura do ódio.

O GLOBO, JUNHO 2017 
stest



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