August 7, 2016

Pra tudo começar na sexta-feira

Apesar de todas as mazelas, existe um Brasil que canta e é feliz e que o mundo viu na cerimônia de abertura da Rio-2016


MARCELO BARRETO

  É um desafio ter orgulho de um país que figura no topo dos rankings de má distribuição de renda e corrupção enquanto vai para a parte de baixo da tabela em índices que medem a qualidade de vida, a saúde, a educação, a segurança de seus cidadãos. Mas o Brasil é mais do que isso. É também esse Brasil que canta e é feliz que o mundo viu na cerimônia de abertura da Rio-2016.

Seguindo os passos de Londres e deixando para trás o gigantismo de Pequim, a cidadesede quis mostrar o processo de criação de um país ainda em formação. O que se viu sobre a tela gigante no gramado do Maracanã não foi, é verdade, uma denúncia do extermínio da população indígena ou da vergonha de termos sido os últimos a abolir a escravidão. Mas também não foi uma romantização do cadinho de raças. Se a palavra-chave da concepção artística era gambiarra (menos desgastada pelo uso do que “jeitinho brasileiro”), a do roteiro poderia ser transformação.

O país do futuro exaltou também alguns dos grandes nomes do seu passado e do seu presente. É sempre uma estratégia arriscada. Cada um terá sua lista de ausências — a minha começa por Machado de Assis, que o mundo pode não conhecer tão bem quanto Gisele Bündchen, mas radiografou a alma brasileira que a cerimônia quis mostrar. A parte esportiva ficou sem Pelé, que poderia ter sido lembrado de outra forma mesmo sem estar presente fisicamente. Nosso maior atleta não é olímpico, e ainda não temos lendas dos Jogos como Michael Phelps, que passou carregando a bandeira americana. Mas temos gente que gosta genuinamente do esporte, que entende a importância dessa forma de expressão do ser humano. De Nalbert a Flávio Canto, eles estavam lá, aplaudindo a sorridente chegada de Guga, talvez o maior exemplo desse amor.

No fim, a simplicidade de Vanderlei Cordeiro de Lima, um ex-boia fria que se transformou na encarnação do espírito olímpico em Atenas, resolveu com delicadeza a ausência do Rei. A simplicidade de Vanderlei foi o fecho perfeito para uma festa plebeia, que teve uma mulher nordestina como porta-bandeira do Brasil, que se preocupou com a inclusão de crianças e portadores de deficiência, que celebrou a cultura negra. E que, sem medo de clichê, acabou em samba.
Não concordo com a visão expressa no “New York Times” de que a cerimônia escondeu por quatro horas os problemas de um país mergulhado numa terrível combinação de crise política com estagnação econômica. Essa abordagem deprimida de que não se deve festejar nos momentos difíceis, típica dos países do Primeiro Mundo, nunca pegou no Brasil. Por aqui, meu compadre Aydano André Motta diz que o ano é aquele longo e aborrecido intervalo entre dois carnavais. A festa faz parte do nosso calendário, nos anos bons e nos ruins.

A alegria do esporte também pode coexistir com as outras coisas da vida. Por que cidades e países movem mundos e fundos para organizar grandes competições esportivas?, perguntam o jornalista Simon Kuper (um grande crítico do COI e da Fifa) e o economista Stefan Szymanski em “Soccernomics”, um livro que tenta explicar com fórmulas matemáticas os grandes dilemas do futebol. E, depois de fazerem as contas, concluem: porque querem ser felizes por algumas semanas.

Respeito quem pensa que não se deve gastar o que se gasta para isso. Respeito quem não gosta de carnaval ou de Olimpíada. Respeito quem acha que o Brasil e o Rio de Janeiro não têm motivos para festejar. Mas na sexta-feira à noite, no Maracanã, eu fui feliz.l

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