August 6, 2016

Olimpiada: Quanto mais Franco, melhor


Esportes com torneios profissionais bilionários ficam espremidos nos parâmetros da Olimpíada. Ou melhor, eles não cabem

É uma pena que os membros da “família olímpica” e demais responsáveis pelo megaevento quadrienal não tenham o hábito de exercitar a franqueza do norte-irlandês Rory McIlroy. Se o fizessem, haveria menos sobressaltos, desperdício, cinismo e desvios de propósito nas cidades-sedes.
McIlroy, como se sabe, é um dos grandes astros do golfe da atualidade. Ocupa o quarto lugar no ranking mundial e é um dos profissionais de ponta que optaram por ignorar a reestreia do golfe, ausente dos Jogos desde 1904.
Ele fez o oposto de Jordan Spieh, o atual número 1 do mundo que se escudou em tortuosas justificativas para explicar o forfait. Enquanto o americano Spieh se dizia dilacerado por ter de assistir de casa ao torneio no Rio, o norte-irlandês manifestou pouco interesse em acompanhar a competição olimpica do esporte que pratica. Nem à distância.
— Provavelmente vou assistir a provas de atletismo, natação, coisas assim, modalidades que realmente importam — contou ao “New York Times". Para ele, olímpicos são atletas que treinam sem trégua, muitas vezes de forma anônima, para poderem competir no evento máximo de seu esporte — os Jogos.
Já para golfistas profissionais que disputam o topo do ranking, a Olimpíada pode ser um transtorno no recheado calendário de torneios altamente rentáveis e valorizados.
Ao votar pelo retorno do golfe após um hiato de 112 anos, os membros do Comitê Olímpico Internacional (COI) quiseram ampliar a curiosidade e o interesse globais pela modalidade apostando na popularidade dos Jogos e na participação dos maiores golfistas.
Tudo indica, porém, que terá sido um tiro no pé, cujo preço o Rio acabará bancando sozinho. Se, de fato, essa ressurreição olímpica for efêmera e a modalidade sequer sobreviver os Jogos de 2020 , o já tão polêmico e danoso campo de golfe esculpido na Barra se transformará num monumento a veleidades passageiras.
— Não decidi jogar golfe para disseminar a prática — resumiu McIlroy — Me esforcei para vencer torneios, e vencer os que mais contam.
Esta semana, o próprio mundo do golfe profissional foi surpreendido com uma notíciabomba: a Nike, maior fabricante mundial de material esportivo, vai fechar sua linha de tacos e bolas, mantendo apenas a linha de indumentária. A concorrente alemã Adidas já havia feito o mesmo poucos meses antes. Desde que o incomparável Tiger Woods arruinou sua vida pessoal em 2009 , perdendo o toque mágico que fizera dele o primeiro esportista bilionário da história, o circuito PGA se esforça sem êxito a recuperar o lustre.
Também na reintrodução do tênis como esporte olímpico na Olimpíada de Seul, em 1988 , houve uma ostensiva abstenção de grandes astros mundiais, a começar por John McEnroe, e pelos mesmos motivos. Esses motivos não mudaram de lá para cá, apenas estão mais edulcorados: o que vale são os grandes torneios do Grand Slam. Mesmo aficionados capazes de recitar os dez últimos vencedores de Wimbledon ou Roland Garros têm dificuldade para lembrar quem levou o ouro na final em Atlanta, Sydney ou em Atenas, três olimpíadas atrás.
Há quatro anos, o ala/armador Dwyane Wade, nome idolatrado do Miami Heat e quarto maior salário da NBA, foi outro que falou bem claro sobre a dimensão de uma Olimpíada no universo de jogadores de elite. Foi o primeiro a fazê-lo, por sinal.
Somados os patrocínios à época, Wade embolsava US$ 27 milhões ao ano (hoje ganha mais). Não era, portanto, um necessitado quando decidiu defender a tese que gerou torrentes de indignação a poucos meses do início dos Jogos de Londres.
Maior pontuador nas partidas que consagraram a seleção dos Estados Unidos em Pequim (2008), Wade explicou não querer mais brincar de olimpíada: achava errado competir apenas pelo amor à pátria, sem ser remunerado.
Seu arrazoado tinha lógica. Formulada em tom mais polido e conteúdo menos cru, é a mesma que levou colossos como LeBron James e Stephen Curry a não participar do Rio-2016.
Quem atravessa a extenuante temporada da NBA até o final tem apenas duas semanas de descanso antes de se juntar à seleção americana, se convocado, para iniciar o treinamento olímpico. É muito pouco para recompor a família, relaxar o corpo, limpar a cabeça.
— Não se trata de só jogar em troca de dólares — explicou Wade — É que você faz um monte de coisas por uma Olimpíada, inclusive vender camisas. Realmente acho que deveríamos ser compensados.
Ele apenas esqueceu de acrescentar que, à parte o bônus de U$ 25 mil que todo medalhista de ouro do Time USA recebe, ele tem contrato anual de U$ 12 milhões com a Nike, fabricante das tais camisas de basquete cujas vendas dão um salto durante os Jogos.
(Se existisse uma justa escala salarial olímpica, o nadador Michael Phelps, sozinho, seria capaz de afundar os cofres do COI com suas 18 medalhas de ouro, 22 no total, e outras mais a caminho esta semana).
Em resumo, assim como uma Olimpíada parece sufocar a vida urbana de cidades-sedes como o Rio, Atlanta ou Atenas, esportes com torneios profissionais bilionários ficam espremidos nos parâmetros que a tornam tão universal e única. Ou melhor, eles não cabem. A seleção americana do astro maior Kevin Durant (U$ 56,2 milhões de faturamento em 2015) só sairá do transatlântico Silver Cloud onde está alojada para entrar em quadra.
Na sua forma atual, escreveu na “New Yorker” o editor Reeves Wiedeman, os Jogos Olímpicos produziram a versão capitalista de um sistema esportivo bem azeitado, à base, essencialmente, de mérito. Para fazer parte do 1% que se sobressai é necessário sair vencedor tonitruante em um esporte de grande audiência, ou conquistar a vitória de alguma forma dramática, memorável. Ainda assim há remuneração para os 99% restantes. E ela não tem preço. Participar de uma Olimpíada ainda vale bem mais do que o custo de ter chegado até lá.

DORRIT HARAZIM

 

o globo, 6 de agosto de 2016  

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