May 29, 2025

Sob Trump, lucros com a presidência são normalizados e rendem milhões à família

 

 O presidente dos EUA, Donald Trump, e a primeira-dama Melania

 

Por , Em The New York Times 
 
 

Quando Hillary Clinton era primeira-dama dos Estados Unidos, surgiu um furor com relatos de que ela havia lucrado US$ 100 mil (R$ 565 mil, na cotação atual) a partir de um investimento de US$ 1 mil (R$ 5,6 mil) em contratos futuros de gado. Mesmo tendo acontecido doze anos antes de seu marido se tornar presidente, o episódio se transformou em um escândalo que durou semanas e forçou a Casa Branca a conduzir uma revisão.

Trinta e um anos depois, após um jantar na propriedade Mar-a-Lago do presidente americano, Donald Trump, Jeff Bezos concordou em financiar um documentário promocional sobre a primeira-dama Melania Trump que, segundo relatos, colocará US$ 28 milhões (R$ 158 milhões) diretamente no bolso dela — 280 vezes o lucro dos Clinton, e vindo de alguém com interesse direto em políticas definidas pelo governo do marido. Escândalo? Comoção? Washington seguiu em frente quase sem dar atenção.

Os Trump não são a primeira família presidencial a lucrar com o tempo no poder, mas fizeram mais para monetizar a presidência do que qualquer outro ocupante da Casa Branca. A escala e o alcance do mercantilismo presidencial são impressionantes. A família Trump e seus parceiros de negócios arrecadaram US$ 320 milhões (R$ 1,8 bilhão) em taxas com uma nova criptomoeda, intermediaram negócios imobiliários bilionários no exterior e estão abrindo um clube exclusivo em Washington chamado Executive Branch, cobrando US$ 500 mil (R$ 2,8 milhões) por adesão — tudo isso apenas nos últimos meses.

Na semana passada, o Catar presenteou Trump com um jato de luxo destinado ao uso não apenas em sua função oficial, mas também a ser incorporado no patrimônio da sua futura biblioteca presidencial. Especialistas estimam que o valor do avião, formalmente doado à Força Aérea, seja de US$ 200 milhões (R$ 1,1 bilhão) — mais do que todos os presentes estrangeiros recebidos por presidentes americanos anteriores somados.

Trump também ofereceu um jantar exclusivo em seu clube na Virgínia para 220 investidores da criptomoeda $TRUMP, lançada dias antes de sua posse em janeiro. O acesso foi vendido abertamente com base no valor investido — não em uma conta de campanha, mas em um negócio que beneficia Trump pessoalmente.

— Estou há 50 anos observando e escrevendo sobre corrupção, e minha cabeça ainda está girando — disse Michael Johnston, professor emérito da Universidade Colgate e autor de diversos livros sobre corrupção nos Estados Unidos.

Ainda assim, um sinal de quanto Trump transformou Washington desde seu retorno ao poder é a normalização de esquemas de enriquecimento que antes gerariam forte reação política, audiências televisionadas, investigações oficiais e ações de contenção. A morte da indignação na era Trump, ou ao menos sua escassez, exemplifica até onde o presidente pressionou os limites do comportamento aceitável na capital.

Trump, o primeiro criminoso condenado eleito presidente, ignorou limites éticos e desmontou os instrumentos de responsabilização que restringiam seus antecessores. Não haverá investigações oficiais porque Trump se certificou disso. Ele demitiu inspetores-gerais do governo e corregedorias, nomeou aliados partidários para dirigir o Departamento de Justiça, o FBI e agências reguladoras, e domina um Congresso controlado pelos republicanos, que se recusa a realizar audiências.

Paul Rosenzweig, ex-conselheiro sênior da investigação do promotor especial Ken Starr sobre Bill Clinton e ex-integrante do governo George W. Bush, disse que a falta de reação às quebras de norma ética de Trump o faz questionar se a crença de que o público deseja um governo honesto era correta.

— Ou o público nunca se importou com isso, ou o público se importava, mas agora não mais — disse ele, concluindo que “em 80% das vezes, o público nunca se importou” e “em 20%, estamos sobrecarregados e exaustos". — A indignação não morreu. Ela sempre foi só uma invenção da elite.

A Casa Branca defendeu as ações de Trump, rebatendo os questionamentos éticos com o argumento de que ele é tão rico que não precisa de mais dinheiro.

— O presidente está cumprindo todas as leis de conflito de interesses aplicáveis ao cargo — disse Karoline Leavitt, porta-voz da Casa Branca. — O público americano acha absurdo insinuar que este presidente está lucrando com a presidência. Este presidente teve enorme sucesso antes de abrir mão de tudo para servir ao país.

Mas afirmar que está cumprindo as leis de conflito de interesses aplicáveis ao presidente é irrelevante, já que, como o próprio Trump reconhece há tempos, essas leis não se aplicam ao cargo.

Além disso, ele não abriu mão de tudo. Na prática, continua lucrando com seus interesses empresariais privados, agora administrados por seus filhos, e estimativas independentes indicam que ele não se sacrificou financeiramente ao entrar na política. A revista Forbes estimou seu patrimônio líquido em US$ 5,1 bilhões (R$ 28,8 bilhões) em março — US$ 1,2 bilhão (R$ 6,7 bilhões) a mais que no ano anterior e o mais alto já registrado no seu ranking na publicação.

Seus filhos zombam da ideia de limitar as atividades comerciais, que beneficiam diretamente o pai. Donald Trump Jr. disse que a família se conteve durante o primeiro mandato, mas mesmo assim foi criticada, então não faz sentido se conter agora.

— Vão bater de qualquer jeito — disse ele em um fórum empresarial no Catar. — Então vamos jogar o jogo.

Nos últimos dias, surgiram alguns sinais de reação pública. A doação do jato do Catar pareceu chamar a atenção do público mais do que outros episódios. Uma pesquisa Harvard/CAPS Harris revelou que 62% dos americanos acham que o presente “levanta preocupações éticas sobre corrupção”, e até mesmo figuras proeminentes da extrema direita, como o comentarista Ben Shapiro e a ativista da conspiração Laura Loomer, criticaram o gesto.

Enquanto algumas dezenas de manifestantes protestam em frente ao clube de golfe de Trump, os democratas estão divididos sobre o quanto devem focar nos lucros obtidos por Trump, com alguns preferindo priorizar temas econômicos. O senador Christopher Murphy, de Connecticut, lidera a ala oposta, com discursos denunciando o que chama de “corrupção descarada.”

— É improvável que ele seja responsabilizado por meios tradicionais — disse Murphy. — Não haverá conselhos especiais, o Departamento de Justiça não agirá. Então tudo se resume à mobilização pública e à política. Se os republicanos continuarem perdendo eleições especiais devido à corrupção, talvez repensem sua cumplicidade.

Trump prometeu durante anos “drenar o pântano” de Washington. Quando concorreu pela primeira vez em 2016, atacou os Clinton por aceitarem doações da Arábia Saudita e outros países do Oriente Médio interessados em influenciar um eventual governo de Hillary Clinton. Mas aquele dinheiro foi para a fundação dos Clinton, com fins filantrópicos. Já os valores agora recebidos pela família Trump estão indo direto para contas pessoais, em empreendimentos diversos documentados pelo New York Times.

Johnston afirma que os Trump representam “um caso absolutamente fora da curva, não apenas em termos monetários”, mas também “pelo desprezo descarado” pelas normas anteriores.

— Mesmo com discordâncias políticas, espera-se que o presidente e figuras do Executivo sirvam ao interesse público, não a si mesmos — disse.

Trump até fez menção a esses padrões no primeiro mandato, dizendo que restringiria os negócios da família no exterior. Mas, desde então, foi condenado por 34 acusações criminais por falsificação de registros contábeis e considerado responsável civilmente por fraude, enquanto a Suprema Corte lhe concedeu imunidade por atos oficiais. Agora neste segundo mandato, o republicano abandonou qualquer limite ético autoimposto.

— Ele nem tenta mais parecer que está fazendo a coisa certa — disse Fred Wertheimer, fundador da ONG Democracy 21 e defensor da ética no governo. — Não há nada na história americana que se compare ao uso da presidência para ganho pessoal em escala tão grande. Nada.

Os republicanos do Congresso passaram anos investigando Hunter Biden, filho do presidente Joe Biden, por lucrar com o sobrenome da família, chegando a chamá-los de “Família do Crime Biden.” Mas, embora os ganhos de Hunter sejam uma fração ínfima dos de Donald Trump Jr., Eric Trump e Jared Kushner, os republicanos não demonstram interesse em investigar a atual família presidencial.

— O público americano precisou se acostumar com a corrupção de Donald Trump e sua presidência porque o presidente e seu partido não deram outra escolha — disse J. Michael Luttig, ex-juiz conservador que hoje é crítico de Trump.

Trump não demonstra preocupação com o fato de que pessoas que injetam dinheiro em seus negócios familiares tenham interesses em políticas do governo. Alguns investidores de criptomoedas presentes ao jantar disseram que usaram a oportunidade para pressioná-lo sobre regulamentação do setor. Segundo vídeo obtido pelo Times, ele prometeu que seria mais brando com eles do que o governo Biden.

Um dos convidados no clube Trump em Sterling, Virgínia, foi Justin Sun, bilionário chinês que se tornou um dos maiores detentores da memecoin $TRUMP após investir mais de US$ 40 milhões (R$ 226 milhões), o que lhe rendeu acesso a uma recepção ainda mais exclusiva com o presidente antes do jantar. A Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC) acusou Sun de fraude em 2023, mas depois que Trump assumiu, o processo foi suspenso enquanto outras investigações sobre criptomoedas foram arquivadas.

Quanto a Bezos e ao Catar, ambos têm motivos para agradar Trump. No primeiro mandato, irritado com a cobertura do Washington Post, de propriedade de Bezos, Trump tentou punir a Amazon aumentando as tarifas postais e negando um contrato do Pentágono. Também chamou o Catar de “financiador do terrorismo” e o isolou diplomaticamente. No segundo mandato, não voltou a atacar nenhum dos dois.

 

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