ALDO FORNAZIERI
O papa Francisco foi o maior líder
do século XXI, nessas três
primeiras décadas. Se projetarmos
um olhar para a frente, não se
vislumbra no médio prazo alguém que
possa suplantá-lo. Francisco foi o maior
líder político, religioso e moral. Era, de
fato, uma figura multifuncional.
Ele foi o maior líder religioso não porque
era o papa, mas pela forma como
exerceu seu pontificado. No âmbito da
Igreja Católica, despertou os fiéis adormecidos
e os colocou em movimento,
principalmente os mais jovens. Fez sacudir
o mofo e o pó das paróquias, obrigando-
as a se abrirem para os dilemas sociais
e os problemas do mundo.
Francisco foi respeitado e benquisto
por seguidores de outras religiões, dos
muçulmanos aos cristãos ortodoxos. Foi
o papa mais respeitado, admirado e amado
pelos agnósticos e ateus. Seus principais
opositores estavam, paradoxalmente,
dentro de sua própria igreja.
O papa foi o maior líder político não
pela sua condição de chefe do Estado do
Vaticano, mas porque assumiu causas universais
e as espargiu pelo mundo como nenhum
outro chefe de Estado o fez. Barack
Obama, que presidiu os EUA entre 2009
e 2017 é, certamente, o maior líder norte-
-americano deste século. Ele venceu na
onda de grandes esperanças, mas também
terminou seu mandato rodeado por muitas
frustrações, pois as expectativas que projetou
não produziram os frutos que muitos
esperavam em termos de justiça, democracia
igualdade e afirmação de direitos.
Angela Merkel também é, até agora,
a maior líder da Europa neste século.
Ficou à frente do governo alemão de
2005 a 2021. Decidiu encerrar a carreira
política num momento em que gozava
de alta popularidade e com a maioria
significativa de alemães querendo que
ela continuasse no comando do governo.
Mesmo sendo de centro-direita, não
permitiu que o neoliberalismo fizesse
terra arrasada dos direitos na Alemanha.
Xi Jinping é um grande líder global,
mas não busca uma influência simbólica
e moral como a que o papa exerceu. De
Putin, basta dizer que ele foi condenado
por crimes de guerra pelo Tribunal Penal
Internacional. Nem Obama nem Merkel
nem Xi Jinping adquiriram a magnitude
da liderança alcançada por Francisco no
plano político.
Na história, os grandes líderes políticos
projetam sua reputação por três meios
principais: 1. Pelas guerras, conquistas
de libertação ou fundação de Estados. 2.
Pela realização de obras extraordinárias.
3. Pela exemplaridade moral. Para
Maquiavel, os fundadores de religiões ou
de Estados são os heróis que alcançaram
as maiores glórias.
Francisco era jesuíta e, portanto, projetava
a liderança estrategicamente, não
como técnica, mas fundada nos valores
da autoconsciência, da inventividade, do
amor e do heroísmo. Adotou como ponto
de partida o fundamento que caracteriza
a liderança autêntica: ficar ao lado dos
aflitos e assumir suas causas.
Os aflitos do nosso tempo são os pobres,
os famintos, os imigrantes, os deserdados,
os desesperançados, as mulheres,
as crianças, aqueles que são vítimas
de violência e discriminações, os
palestinos, os ucranianos, os africanos,
os latino-americanos que cruzam fronteiras.
Todos querem direitos e os direitos
são o fundamento da igualdade, da liberdade
e da justiça, valores interdependentes
que são a expressão da universalidade.
Mas a luta pelo universalismo precisa enraizar-
se nas causas da aflição dos aflitos.
Por isso, Francisco fundiu Inácio de
Loyola e São Francisco de Assis. Ele buscou
viver nas fronteiras, ampliando suas conquistas
com o amor e o acolhimento. Sua
expansão não visava aniquilar os outros,
apossar-se de riquezas, mas conquistar
mentes e corações e comungar com os diferentes,
com os muçulmanos, com os ortodoxos,
com os hindus, com os agnósticos…
A humildade, a simplicidade, o despojamento
e a frugalidade eram condutas
de um republicanismo laico-religioso do
dever de lutar com abnegação e desprendimento.
Francisco não se colocou acima
dos outros, mas buscou conviver com
eles, ouvindo-os com atenção, mas também
dando seu exemplo de um cristianismo
original e humanizado.
Ele não deixou de interferir nas estruturas
da Igreja Católica. Fez mudanças
profundas na Cúria Romana, desburocratizando-
a, simplificando-a, colocando-
a para servir à evangelização nas
fronteiras e comunidades, e não para satisfazer
o poder papal ou a aristocracia
que comanda o Vaticano.
Francisco reformou o papado sem aniquilar
as estruturas, apenas as colocou para
servir, em vez de serem servidas. Servir
sem arrogância de presunções sacras,
sem as investiduras monárquicas das altas
hierarquias. O alargamento do colégio
de cardeais para várias partes do mundo
tem esse mesmo sentido democratizador
e de expansão das fronteiras para servir.•
CARTA CAPITAL
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