December 24, 2024

Brasil está oficialmente na corrida pelo Oscar 2025

 



“Ainda Estou Aqui”, como previsto, entrou na lista de pré-selecionados para disputar o Oscar 2025 de Melhor Filme Internacional.

Isso não acontecia desde 2008, quando “O Ano que Meus Pais Saíram de Férias” entrou na “shortlist”, mas não foi indicado -essa honra ainda está sob a responsabilidade de “Central do Brasil”, em 1999, também de Walter Salles.

O novo filme de Salles protagonizado por Fernanda Torres e Selton Mello vai tentar uma das cinco vagas na categoria com outros 14 concorrentes:

“Linguagem Universal” (Canadá)
“Waves” (República Tcheca)
“A Garota da Agulha” (Dinamarca)
“Emilia Pérez” (França)
“A Semente do Fruto Sagrado” (Alemanha)
“Touch” (Islândia)
“Kneecap” (Irlanda)
“Vermiglio” (Itália)
“Flow” (Letônia)
“Armand” (Noruega)
“From Ground Zero” (Palestina)
“Dahomey” (Senegal)
“Como Ganhar Dinheiro Antes que a Avó Morra” (Tailândia)
“Santosh” (Reino Unido)

Quase todos os filmes listados estavam no burburinho do Oscar, com exceção, possivelmente, de “Como Ganhar Dinheiro Antes que a Avó Morra”, sucesso tailandês que já rendeu mais de US$ 50 milhões na Ásia e estreia nesta quinta (19) no Brasil.

Os favoritos estão todos lá: “A Semente do Fruto Sagrado”, “Emilia Pérez”, “Ainda Estou Aqui” e “Flow”.

Acompanhando o Oscar daqui de Hollywood, diria que há apenas uma vaga em disputa para “Kneecap”, “Linguagem Universal”, “Vermiglio”, “Dahomey” e “Touch”.

Mas sempre há um título inesperado na categoria. É bom lembrar que os quase 10 mil votantes da Academia podem votar no Melhor Filme Internacional. Mas eles precisam ter assistido a todos os indicados para isso, então nem sempre todos os membros indicam seus favoritos.

Em outubro passado, escrevi um texto cravando “Ainda Estou Aqui” no Oscar. Continuo com a mesma opinião. E, mesmo com “Emilia Pérez” reinando na lista de pré-indicados, acredito que o longa brasileiro ganhou mais força nas últimas semanas ao ponto de se tornar um adversário temido pela estatueta -assim como “A Semente do Fruto Sagrado”.

Aproveitando a ocasião, recordo abaixo as minhas cinco razões para acreditar em “Ainda Estou Aqui” na lista final, que será anunciada em 17 de janeiro.



  1. Pedigree de festivais

    “Ainda Estou Aqui” foi selecionado pelo Festival de Veneza para a competição principal e chegou a ser cogitado para o Leão de Ouro. Não venceu, mas faturou o prêmio de Melhor Roteiro para a dupla Murilo Hauser e Heitor Lorega. Depois desta honraria, o longa partiu para diversos festivais, como Toronto, Vancouver e Nova York. Pousa em Los Angeles primeiramente no festival do American Film Institute e, depois, em festival de cinema brasileiro anual. Ajuda muito ter Fernanda Torres, Selton Mello e Walter Salles presentes em quase todos os eventos relevantes de Hollywood. Pode parecer bobagem, mas ter essa bagagem importa bastante numa campanha para o Oscar. Sugiro que vocês comparem vencedores recentes com destaques de festivais.

  2. Tema em voga

    Baseado nas memórias do escritor Marcelo Rubens Paiva, o filme conta a história real do desaparecimento do seu pai, o ex-deputado Rubens Paiva (Mello), levado por militares durante a ditadura sanguinária e opressora no Brasil durante 1964 e 1985, e de como sua mãe, Eunice Paiva (Torres), lutou para manter a família intacta e nunca desistiu de procurar pelo marido, mesmo quando a morte dele foi descoberta. O combate a um sistema de poder repressor e autoritário continua sendo um tema importante no cinema e ganha força com o momento político mundial. Basta lembrar que “Argentina, 1985” foi um dos finalistas do último Oscar. Acho que é vital colocar o escritor/personagem fortemente na campanha. Ele traz a personificação da história, uma lembrança viva do que aconteceu para os votantes sentirem o peso da história.

  3. Repercussão na imprensa norte-americana

    Apesar de toda a crise que assombra o jornalismo cinematográfico desde a pandemia, ganhar manchetes e boas críticas continua sendo um bom caminho para qualquer filme com aspirações a prêmios nos EUA. Explico: a grande maioria das premiações (não o Oscar, apesar de existir um informal) convoca comitês para organizar uma pré-seleção dos longas internacionais. Esses comitês nem sempre estão presentes nos festivais e precisam de uma certa “ajudinha” para a filtrar finalistas entre mais de uma centena de produções. Estar nas páginas das principais publicações é uma maneira de entrar nas mentes dos responsáveis por estes grupos de pré-votação. E “Ainda Estou Aqui” conseguiu boa repercussão em revistas como “Variety” (“Estes personagens são tão vívidos que não queremos abandoná-los”), “The Wrap” (“Fernanda Torres está absolutamente fantástica no drama de Walter Salles”) e “The Hollywood Reporter” (“Um dos melhores filmes de Salles”).

  4. Walter Salles

    Pelo tópico acima, você compreende a importância de ter um diretor do nível de Walter Salles no comando do filme. O brasileiro tem um peso quando o assunto é cinema e Oscar. Mesmo tendo experiências opostas no mercado americano com “Água Negra” (2002) e “Na Estrada” (2012), Salles é respeitado, sempre passa por grandes festivais com destaque e foi ao Oscar com “Central do Brasil”, em 1999, última vez que o Brasil foi selecionado para a categoria de Filme Internacional, e, em menor grau, “Diários de Motocicleta” (2004).

  5. Qualidade do filme

    Nada do que escrevi acima faria grande diferença se “Ainda Estou Aqui” fosse ruim. Ou, digamos, incompatível com a sensibilidade cultural dos votantes de (ainda) maioria norte-americana. Não é o caso. O longa é um belo drama que se utiliza da certa frieza involuntária de Salles como grande trunfo para não virar um espetáculo movido a lágrimas. Quem se dá bem com esse equilíbrio é Fernanda Torres, que captura com uma perfeição (ou contenção) emocional a força, o equilíbrio e a dureza de Eunice Paiva. Gostaria de me empolgar mais com suas chances na categoria de Melhor Atriz, mas sei como funciona estas votações. Prefiro esperar. Seria uma bela “vingança” em relação à participação da sua mãe, Fernanda Montenegro, em 1999. Selton Mello recebe uma missão complicada no papel de Rubens Paiva, que funciona como a força-motriz de uma felicidade que sabemos que será interrompida. Extrair esse carisma e paixão sem parecer forçado ou adocicado demais é algo que o ator faz com maestria, mas é uma categoria disputadíssima e sem muitas chances para o brasileiro. Com uma trilha sonora marcante por Warren Ellis, parceiro de Nick Cave com vasta experiência no cinema, e a fotografia de Adrian Teijido que respira e prende o fôlego junto da narrativa, Walter Salles está em pleno domínio do assunto tão próximo ao seu cinema (ausência da figura paterna, combate ao poder opressor, personagens femininas fortes), assim como do tom dos personagens. O diretor fez uma pequena pérola, um drama contido que faltava em sua filmografia. Há muitos anos que o Brasil não indicava um filme tão forte para abocanhar uma vaga no Oscar. Vou cravar sem o menor patriotismo: mesmo com seu final um pouco alongado um pouco além do necessário, “Ainda Estou Aqui” estará entre os cinco finalistas estrangeiros.

    Ganhar de “Emília Perez” ou “O Segredo do Fruto Sagrado” é outra conversa.


Se você quiser ler sobre alguns dos concorrentes de “Ainda Estou Aqui”, assine a newsletter para ter acesso total aos textos:

A Semente do Fruto Sagrado”

“Flow”

“Emilia Pérez”

“Kneecap”

“Armand”

Até a data do anúncio, publico a crítica de mais adversários do Brasil pelo Oscar.

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