October 16, 2024

O BOBO QUE QUERIA SER REI

 

FABIO KERCHÉ

O Candidato Pablo Marçal
transformou-se em um
fenômeno desta eleição,
atraindo a curiosidade pa-
ra além dos eleitores da ci-
dade de São Paulo. Nave-
gando na mesma extre-
ma-direita de Jair Bolso-
naro, mas sem as bênçãos explícitas des-
te, apareceu como uma alternativa aos
políticos e partidos mais tradicionais. En-
quanto o ex-capitão se adaptou às mídias
sociais, o coach é cria desse novo mundo.

 
A estratégia de Marçal era se compor-
tar desrespeitando qualquer manual de
política e de boas maneiras. Conseguiu
chamar a atenção dos eleitores mesmo
sem tempo na tevê ou um partido políti-
co de peso. Os veículos de comunicação
o incluíram nos debates sem ser obriga-
dos pela legislação, e suas palhaçadas,
grosserias e mentiras renderam até mes-
mo uma cadeirada do candidato José
Luiz Datena. Marçal, após o episódio, foi
parar num hospital e ostentou o braço
enfaixado por semanas, em dramatiza-
ção que lembra muito José Serra na elei-
ção presidencial de 2010. Naquela oca-
sião, o candidato do PSDB, que disputa-
va a eleição contra Dilma Rousseff, fez
um escarcéu por causa de uma bolinha
de papel que atingiu sua cabeça. O Jornal
Nacional, inclusive, fez o papelão de cha-
mar especialistas para analisar imagens
frame a frame do “atentado”, mostrando
que Serra tinha sido atingido, na verda-
de, por um rolo de fita adesiva.

 
A estratégia do coach parecia que da-
ria certo. As pesquisas indicavam que ele
estava em ascensão e que poderia ir para
o segundo turno para prefeito em São
Paulo. Na noite de sexta-feira 4, entretan-
to, antevéspera da eleição, ele decide di-
vulgar um atestado que supostamente
comprovaria que Guilherme Boulos era
usuário de cocaína, acusação que Mar-
çal já havia feito em debates anteriores.

 
O documento divulgado em suas redes
sociais era uma grosseira falsificação. A
bomba destinada ao candidato do PSOL,
apoiado por Lula, estourou no colo de
Marçal e pode ter custado os votos que
lhe faltavam para ir ao segundo turno.

 
A pergunta que ficou no ar é por que
Marçal, que tinha adotado uma postura
de candidato sério e com propostas no
debate da TV Globo, partiu para uma ati-
tude como essa?

 
Hipóteses não faltam. Uma é de que
ele, que quase matou seus seguidores ao
conduzi-los numa escalada na cidade de
Piquete (SP), em 2022, é limitado, para
não dizer burro mesmo. Outra atribui a
ele uma racionalidade estratégica que
não deu certo: Marçal tentou uma bala
de prata e não contava ser desmascara-
do tão cedo. Acreditava que, quando a
farsa fosse descoberta, já estaria no se-
gundo turno e criaria embaraços para a
Justiça Eleitoral agir contra alguém que
tinha sido vitorioso nas urnas. Há tam-
bém uma terceira explicação, com duas
conclusões possíveis: 1. Marçal não que-
ria vencer a eleição porque, na verdade,
quer disputar a Presidência da Repúbli-
ca em 2026. 2. Ele somente buscou se
promover para ganhar mais dinheiro no
seu negócio de enganar incautos com
“conselhos empreendedores”.

 
Talvez não tenhamos nunca a respos-
ta se foi isso que tirou Marçal do segun-
do turno e qual foi sua verdadeira moti-
vação. O que sabemos, contudo, é que ele
colocou a Justiça Eleitoral numa sinuca
de bico: ou o coach, dublê de candidato,
tem seus direitos políticos cassados, e a

im fica inelegível por oito anos, ou o Ju-
diciário cai em descrédito e sinaliza que
não regula o processo eleitoral. Até o mo-
mento, dezenas de ações correm na Jus-
tiça contra o candidato, o que comprova
que a falsificação do laudo fez parte de
uma estratégia deliberada de campanha.
Se a jurisprudência for observada, espe-
cialmente pela postura dura do TSE em
tempos de Bolsonaro, Marçal não pode-
rá disputar eleições até, ao menos, 2032.
E isso seria uma boa notícia.

 
Como em qualquer disputa, elei-
ções devem, necessariamente,
ter as regras observadas por to-
dos os competidores. É assim
nos esportes, é assim na polí-
tica. Não fazem parte da demo-
cracia mentiras e falsificações. A extrema-
-direita parece não levar esse pressuposto
a sério. Na lógica deles, vale qualquer coi-
sa para manipular os eleitores. Bolsonaro
está inelegível por propagar mentiras so-
bre o sistema eleitoral. Marçal dobrou a
aposta mentindo descaradamente sobre
um adversário. Até o momento, os eleito-
res vão cumprindo sua parte. Tanto o ex-
-presidente quanto o coach perderam nas
urnas. Mas isso pode não ser suficiente em
futuros pleitos. A Justiça Eleitoral deve ser
dura com Marçal como foi com Bolsonaro.
Neste jogo com regras, somente o resulta-
do deve ser imprevisíve

CARTA CAPITAL 

 

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