July 20, 2024

Quem dá menos?

 

 

 Leilão sem concorrência, valor abaixo do mercado… A venda da Sabesp repete o padrão de outras privatizações tocadas por Tarcísio de Freitas


Por Mariana Serafini

Até 22 de julho, o governo de São Paulo deve concluir a privatização da ­Sabesp, a maior companhia de saneamento básico da América Latina e uma das três maiores do mundo. Apesar de ser uma empresa superavitária, com lucro líquido de 3,5 bilhões de reais no ano passado, o governador Tarcísio de Freitas tem pressa de rifá-la e fez um negócio da China – para os compradores, como de hábito. No fim de junho, a Equatorial arrematou 15% das ações por 6,869 bilhões de reais e será a acionista de referência, com direito a nomear o CEO da empresa e três dos seus nove conselheiros.


Única finalista no certame, a Equatorial ofereceu 67 reais por ação, 11% abaixo do valor negociado na Bolsa de Valores naquele dia, mas acima do preço mínimo estabelecido pelo governo paulista. Ainda assim, Freitas celebrou o resultado do certame. “Recentemente, o Parlamento se deparou com a questão da privatização da Sabesp, e ela está virando uma realidade. A gente vai concluir agora, nos próximos dias. Impressionante a boa repercussão que teve. Então, a gente fica muito feliz”, disse. Já a secretária de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística, Natália Resende, minimizou o interesse de apenas uma empresa no processo de desestatização que ela própria coordenou. “Está tudo dentro do esperado, é por isso que a gente fica satisfeito com o projeto como um todo.”


Leilões sem concorrência parecem ser, por sinal, um padrão das privatizações conduzidas por Freitas. Em fevereiro deste ano, o governador entregou a concessão por 30 anos do Trem Intercidades Eixo Norte (TIC), que ligará São Paulo a Campinas, ao C2 Mobilidade Sobre Trilhos. O consórcio, liderado pelo Grupo Comporte, foi o único a apresentar proposta pelo empreendimento, a incluir ainda a construção de um Trem Intermetropolitano (TIM) para atender passageiros em Jundiaí, Louveira, Vinhedo e Valinhos, além de melhorias na Linha 7-Rubi da CPTM. Outra desestatização sem disputa foi a do Aeroporto de Congonhas, quando Freitas ainda era ministro de Infraestrutura de Jair Bolsonaro. A espanhola Aena Desarrollo arrematou o controle do terminal aéreo da capital paulista e outros dez terminais por 2,45 bilhões de reais sem competidores.

No caso da Sabesp, a pressa em concluir o processo é assombrosa. O manual­ para participação no leilão foi divulgado pelo governo na tarde de 12 de junho, e estipulava que os interessados teriam os dias 13, 14 e 17, das 9 às 18 horas, para apresentar a documentação necessária. “Apenas três dias úteis? É estranho, porque esses trâmites são bastante burocráticos e costumam demorar. No caso de grupos estrangeiros interessados, talvez nem houvesse tempo hábil para as traduções juramentadas”, aponta o engenheiro Amauri Pollachi, diretor da Associação dos Profissionais Universitários da Sabesp e representante do Observatório dos Direitos à Água e ao Saneamento.


O engenheiro destaca que todo o processo “parece ter sido conduzido de modo a afunilar o número de propostas”. Havia outros grupos interessados na Sabesp, entre eles a Aegea, a Iguá Saneamento, a BRK e a Águas do Brasil. Por isso foi uma surpresa, até para agentes do mercado, que apenas a Equatorial tenha mantido a proposta. Pollachi acredita que o modelo de negócio estabelecido pelo governo tenha sido um dos motivos que afastaram os outros concorrentes. Os detalhes foram acertados em uma reunião em 20 de julho, na qual o vice-governador e presidente do Conselho Diretor do Programa de Desestatização, Felício Ramuth, apresentou a Freitas o modelo right to mach, a prever a possibilidade de uma empresa fazer contraproposta para cobrir uma oferta maior, feita anteriormente.


Participaram dessa reunião o presidente da Sabesp, André Salcedo, e a presidente do Conselho de Administração da Sabesp, Karla Bertocco Trindade, que por uma dessas incríveis coincidências integrava o Conselho da Equatorial até dezembro de 2023. Na ocasião, também foi debatido qual seria o preço de referência para as ações, que deveria ser mantido em sigilo. “A presença de Karla Trindade levanta a hipótese de conflito de interesses, pois até pouco tempo ela era ligada à empresa compradora. Quem garante que as informações da reunião não vazaram?”, questiona Pollachi. O sigilo dos valores, definido no encontro, é contestado pelo Sindicato dos Trabalhadores da Sabesp, o Sintaema, junto ao Tribunal de Contas de São Paulo. Rezende alega que os números serão divulgados ao final do processo.


Presidente do Sintaema, José Faggian alerta que as ações vendidas à Equatorial estão muito abaixo do valor de mercado. Como mencionado anteriormente, cada cota foi vendida por 67 reais, enquanto o valor na B3 fechou o dia em 74 reais, diferença nada desprezível. Por se tratar da aquisição de uma fatia que garante o controle da empresa, era de esperar uma quantia superior, e não inferior à negociada na Bolsa. De acordo com a avaliação econômico-financeira encomendada pelo sindicato, cada ação valeria ao menos 85 reais, o que faria o governo do estado arrecadar 8,8 bilhões de reais no negócio, e não os quase 6,9 bilhões ofertados pela Equatorial. “Além disso, no relatório que fizemos, identificamos que os investimentos a ser feitos na Sabesp pela Equatorial estão superestimados.”


O deputado federal Rui Falcão, do PT, avalia que o processo foi atropelado desde o início, a começar pelo “parecer enviesado” apresentado por Tarcísio de Freitas. Sem licitação, o governo paulista dispôs-se a pagar 8,6 milhões de reais à ­International Finance Corporation (IFC) pela primeira etapa do estudo de viabilidade técnica da proposta de desestatização. Somente se a consultoria emitisse aval positivo ao negócio, seria dado prosseguimento ao contrato, de 45,6 milhões. A IFC – ó, surpresa! – concluiu que a privatização seria benéfica para a população paulista e levou a bolada completa. “Do ponto de vista do negócio, foi um fracasso. Mas, do ponto de vista do interesse político de Tarcísio, é um sucesso”, ironiza o parlamentar.


Depois de abrir mão desses 15% das ações para a Equatorial, o governo do estado ainda terá 35% da empresa, dos quais 18% serão vendidos para acionistas menores, de forma que o estado ficará com apenas 17% da companhia. Falcão teme que o prejuízo do negócio possa ser ainda maior na segunda fase, com a venda pulverizada das ações. “Os investidores potenciais poderão fazer ofertas abaixo do preço pago pela Equatorial.”
 A atual presidente do Conselho de 

Administração da Sabesp, Karla Trindade, atuou na Equatorial até dezembro de 2023
O Grupo Equatorial possui sete concessionárias de energia elétrica nos estados de Alagoas, Amapá, Goiás, Maranhão, Pará, Piauí e Rio Grande do Sul, mas não tem expertise na área de saneamento. Estreou no setor apenas em 2021, ao arrematar a concessão dos serviços de 16 cidades do Amapá, nas quais atende cerca de 700 mil pessoas, o equivalente à população de apenas dois bairros da capital paulista, o Grajaú e o Jardim Ângela. Já a Sabesp é responsável pelo abastecimento de água e tratamento de esgoto em 371 municípios paulistas, que somam mais de 28 milhões de habitantes.


Além disso, a vencedora do certame não goza de boa reputação entre os clientes mesmo na área em que tem ­expertise. Em 2023, a Equatorial Goiás figurou na pior colocação do ranking de qualidade de atendimento da Agência Nacional de Energia Elétrica, a Aneel. A segunda pior é a gaúcha CEEE Equatorial, privatizada pelo tucano Eduardo Leite em 2021. Faggian espera que o Judiciário se pronuncie logo sobre alguma das dezenas de ações movidas para tentar evitar a venda da Sabesp. “Enquanto a Justiça não dá uma resposta, estamos de mãos atadas, mas vamos até o STF, se for preciso.”


Em resposta aos questionamentos de CartaCapital, a Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística de São Paulo afirma que o valor da ação no pregão diário da B3 está sujeito a oscilações de mercado. “O preço apresentado pela Equatorial está 36% acima do valor em Bolsa quando a empresa foi qualificada para a desestatização, em 28 de fevereiro de 2023”, diz a nota. O governo paulista acrescenta que a desestatização também visa antecipar a universalização do sanea­mento para 2029, com a inclusão da população rural e dos núcleos urbanos informais, e reduzir a tarifa, principalmente nas tarifas social e vulnerável. “Entendemos que esse objetivo está sendo atingido até o momento com a oferta pública.” •

CARTA CAPITAL

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