April 8, 2024

Não é fácil fazer prefácio que faça jus ao Zi

 

Não é fácil
fazer prefácio

que faça jus ao Zi

 

 

 

Para falar sobre o Ziraldo
eu teria que ter a loquacidade do Ziraldo
desenhando palavras em minha mente com a velocidade de um cometa

na rapidez de raciocínios como raios iluminando ideias simultâneas que saem atropelando de tal modo o dizer que ele pronuncia os vocábulos pela metade, para caber mais na fala

 

pulando de pensamento em pensamento como um tarzan de cipó em cipó gritando EEEAAAHHUU atordoando os bichos da mata do fundão com conclusões únicas taxativas desvairadas, como um galileu virando onça num tribunal de inquisição para bradar que no entanto o traço parado se move, se puser umas linhas corridas em torno do personagem ele parece que corre, dispara para entregar mensagens aos leitores como um coelho geraldinho

 

e descobrir que com traços se pode mover tudo, comover pessoas, mudar o mundo, e se dedicar a isso por oito décadas ou mais de devoção

 

e disparando genialidades girando loucamente num redemoinho de saci parere ,como locutor de leilão deixando sem folego os interlocutores, inclusive os que foram ao seu programa na TV onde falava mais do que os entrevistados, dissertando com certezas que dissecam a situação do país,  do povo ou de qualquer problemática para a qual ziraldo sempre tem uma solucionática, mesmo que lunática

talvez eu conseguisse datilografando simbolos numa maquina de escrever como ele insiste em fazer até hoje, o metal das teclas imprimindo pontos pretos num papel em branco ao som de uma batucada tlec tlec como o engatilhamento de fuzis apontados para ele tlec pelos agentes de uma ditadura do qual escarnecia fiau fiau mesmo sabendo que só doia quando ria
ou rindo desbragamente como as hienas as borboletas e os elefantes diante de um bichinho enfiado numa maça e principalmente como os cangurus, que dentro das bolsas estocam infinidades de tesouros, estilingues gravetos pedrinhas como as catadas nas ruas de terra da terra onde ele cresceu, e tirando das bolsas da criatividade os objetos encantados para assombro dos leitores como o de uma criança abrindo o bau de estrelas que um astronauta trouxe do espaço

um espaço profundo e sem limites para a imaginação de um criador siderado, onde moram meninos, muitos meninos, meninos morenos e marrons e dos planetas, virados pra lua
e ser um ser de lua, em zig-zag-zás, revolvendo-se como as marés, ora aqui ora acolá ora em toda parte ora ora, incessantemente irrequieto
e ser um ser de luta embarcando como num trem doido sô em campanhas políticas e sociais e comportamentais e institucionais bolando slogans e cartazes emblemáticos, tomando providencias para fazer os daquela feira por tantos anos (61!), armando barracas e criando casos pelas causas que assumiu nas utopias de desenhar um brasil

ou fazendo de cada letra da minha escrita um logotipo, uma caricatura, uma personalidade, um livro para cada letra do alfabeto onde a forma da letra dá forma a personagens e informa que se juntar as letras em palavras e palavras em sentenças e frases em parágrafos posso ir construindo o que eu quiser, e viajar pra onde for, e pensar as belezas que ousar e fazer da vida a mais bela historia pois afinal ler pode ser mais importante até do que estudar

mas antes mesmo de chegar ao texto eu teria que desenhar, desenhar compulsivamente, o tempo todo, como ziraldo enquanto fala ao telefone enquanto assiste a jogos do flamengo enquanto le as noticias que vão virando charges, teria que ser compulsivo e obssesivo na ansia de retratar tudo que vejo e penso e mesmo o que não se vê mas está nas entrelinhas poderosas do traço de humor

eu teria que me deixar prender para entender, de como me manter inspirado em tempos de chumbo, e não me abater, e em dias confinado numa cela sem caneta lapis papel poder ver os traços de árvores nas paredes onde a ditadura o enjaulou algumas vezes

e teria que me soltar, me lançar ávido à vida num mergulho profundo, onde as mínimas coisas são prazeres intensos, tantos livros para descobrir , tantas mulheres sonhadas, tantas bundas desenhadas (e revistas bundas publicadas) – sim, eu teria que por a cabeça no lugar, entre as pernas de uma mulher, para ter paz e sossego, como o tal mineirinho (alter ego?)

eu teria que ser bom, mais do que bom um craque em tudo que eu faço – sentir na pele como é ser o pelé da seleção brasileira de humor - e bom como um jeremias que deixa entrar o penalti porque é aniversário do batedor, e amar a humanidade deveras, ser carinhoso com pessoas, sentindo a alma das gentes, poço de papos infinitos tratando cada um como seu melhor amigo

e ser uma supermae e um superpai e um superavô e bisavô e tio e reunir as familias nas ilhas grandes dos afetos e criar milhões de leitores-filhos que cresceram lendo ziraldos, e por isso conseguem prosseguir crianças por toda a vida, conservando a magia em si como fez esse menino quadradinho que aos quase 90 se enternece ao tropeçar numa memória de infancia, dos gibis que devorava, dos zeróis que aliviavam a sede por informações

e eu teria que voltar à minha infancia e me banhar nas águas do rio doce onde cresci pois esse doce é o mesmo rio onde ele moleque nadava entre os caramujos, a esquitossomose e as correntezas de aventuras

e as certezas de que o mundo é muito mais do que se ve, muito além do que se vive, o mundo é o que se desenha, com os traços de tudo que um menino maluquinho possa inventar

 

e ao me emocionar, relatar como para mim pessoalmente ele foi um superpai - meu segundo pai – me orientando, impulsionando minhas carreiras – e brigamos também, como em toda família – que sujeito teimoso e turrão!

tantas aventuras vividas juntas no pasquim, viagens malucas, fechamentos tensos, piadas ousadas – e principalmente, em centenas de entrevistas, fazendo uma das coisas que ziraldo mais gosta: conversar


e juntos em diversas publicações, e em funartes e outros templos da arte, porque ziraldo sempre está fundando um jornal criando uma revista abrindo um novo projeto recomeçando e indo em frente pondo em prática utopias impraticáveis

 

que acabam dando certo ou não mas o importante é o fazer, é congregar artistas, é revelar talentos, é reverenciar os mestres e os menestréis desconhecidos, é abrir espaços e picadas nas veredas da cultura

sim, o importante tem sido o fazer, e como então englobar num prefácio os diversos universos – as galáxias – a infinidade de criações que brotaram no jardim do ziraldo, artista dificil de classificar por ter vestido tantos chapeus e profissões e nomes como cartunista jornalista romancista artista gráfico quadrinhista ilustrador autor de livros infantis chargista capista cartazista humorista teatrólogo editor de publicações apresentador de TV publicitário agitador cultural cantor de boleros...

 

Para falar sobre o Ziraldo
eu teria que falar como o Ziraldo
ou então escrever um texto como este.

 

 

Ricky Goodwin 



(

 
prefácio que escrevi 
para o livro de Francisco Ucha
ZIRALDO MEMORIAS



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