October 25, 2023

Castro está perdido e Lula evita se envolver mais com crise no Rio

 

 O antropólogo Luiz Eduardo Soares, ex-secretário nacional de Segurança Pública

Ex-secretário nacional de Segurança Pública afirma não ver solução sem reforma profunda nas polícias estaduais

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O governo do Rio está perdido, e o governo federal evita assumir mais responsabilidade pela crise na segurança do Rio. A análise é de Luiz Eduardo Soares, que comandou a Secretaria Nacional de Segurança Pública na primeira gestão do presidente Lula.

O antropólogo vê com ceticismo as ações anunciadas pelo Ministério da Justiça e afirma que não haverá solução para a crise sem uma reforma profunda nas polícias.

Leia a entrevista à coluna:

Como vê a crise de segurança no Rio?

O governo do Rio está perdido. O nível de degradação das forças policiais é muito grande. Há um ano, assistimos à prisão de Allan Turnowski, ex-secretário de Polícia Civil, acusado de envolvimento com o jogo do bicho. Passou batido, ninguém fala mais nisso. Agora deputados ligados a milicianos indicaram o novo secretário. Não há nenhum esboço de reforma e saneamento das polícias. Esta é a questão chave da segurança pública no Rio. Enquanto não for enfrentada, não haverá solução.

O governador Cláudio Castro tem condição de enfrentar essa tarefa?

Nenhuma. O governador está fragilizado, acuado, com problemas orçamentários gravíssimos. Depende de ajuda do Ministério da Fazenda, não sabe se vai poder honrar a folha de pagamentos. Por isso, está nas mãos dos deputados da Assembleia Legislativa. Castro não tem aliados, tem tutores. E os tutores nós sabemos quem são.

Como avalia as promessas de ajuda ao Rio do governo federal?

Na transição, já ficou claro que o governo Lula não queria se envolver diretamente na segurança pública. É compreensível que o presidente, acossado por muitas dificuldades, não queira atrair para si mais uma fonte de desgaste. No modelo brasileiro, o problema da segurança fica nas costas dos governadores. Quando estoura uma crise, o presidente mostra solidariedade e promete ajuda. É natural, mas não é bom para o país.

Por quê?

Se o governo federal não arriscar, não der passos mais ousados na segurança, não vamos sair do atoleiro. Em muitos estados, os governadores não controlam mais as polícias. É impossível varrer o problema para baixo do tapete. Se o país não enfrentá-lo, será pior.

O governo federal enviou ao Rio cerca de 300 homens da Força Nacional de Segurança. Qual o efeito disso sobre a situação do estado?

Na prática, não vai fazer nenhuma diferença. Os soldados da Força Nacional costumam ser mal vistos porque não conhecem o terreno e costumam ser mal recebidos porque recebem diárias. O governo enviou 300 homens da Força Nacional para o Rio. O estado tem cerca de 45 mil homens apenas na Polícia Militar.

O que mais seria possível fazer?

Para aceitar o pedido de ajuda, o governo federal deveria fazer exigências mínimas ao governo do Rio. Exigir o saneamento das polícias, exigir o cumprimento da decisão do Supremo que impôs regras de atuação. Nada disso está sendo feito no momento.

O secretário Ricardo Cappelli promete implementar o Sistema Único de Segurança Pública (Susp). O que esperar disso?

O Susp é uma boa ideia, mas o texto aprovado em 2018 é uma farsa. É uma carta de intenções e orientações gerais. Fala em cooperação, mas não estabelece quem manda num momento de crise. Na segurança pública, os consensos são raros e circunstanciais. Com a lei atual, o sistema não será implementado para valer, e todos os conflitos serão judicializados.

O presidente Lula disse que "está pensando" em recriar o Ministério da Segurança Pública, algo que prometeu na campanha e descartou na montagem do governo. Como vê o retorno dessa ideia?

A ideia faz sentido desde que esteja associada a um projeto de mudanças profundas. O Brasil não precisa de um Ministério da Segurança, precisa de um Ministério da Reforma da Segurança Pública. Não adianta criar apenas mais uma burocracia, mais um espaço de tensionamento político.

Como vê a possibilidade de uso das Forças Armadas, pedida por Castro?

Com imensa preocupação. O risco é repetir o envolvimento das Forças Armadas na busca de inimigos internos. O governo já anunciou que vai empregar a Marinha e a Aeronáutica no Rio. O próximo passo será empregar o Exército? Nós já vimos aonde isso leva.

O sr. atuou como subsecretário de Segurança e foi demitido pelo governador Anthony Garotinho, em março de 2000, após denunciar a atuação da "banda podre" da polícia. O que mudou no Rio?

Infelizmente, o quadro que eu apontava se concretizou. Há 23 anos, já era possível ver a autonomização ilegal das polícias, a resistência ao controle civil, a atuação da polícia mineira, que deu origem às milícias. Sempre afirmei que falar em Estado paralelo era um equívoco, porque passava a ideia de que o poder público não se misturava com o crime. Naquela época, forças do Estado já estavam operando de forma criminosa no Rio. Hoje a promiscuidade é completa.

 
O GLOBO 
 

 

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