August 27, 2023

Primeiro passo na Educação

 

 

FABIOLA MENDONÇA
Prestes a completar seis me-
ses, o governo Lula deu pas-
sos decisivos para a supe-
ração de graves problemas.
Aprovou um novo arcabou-
ço fiscal para substituir o de-
sastroso Teto de Gastos de
Michel Temer, uma camisa
de força que impedia a expansão dos in-
vestimentos públicos. Recriou o Bolsa Fa-
mília e outros exitosos programas sociais,
a exemplo do Minha Casa Minha Vida e
da Farmácia Popular, que também deram
fôlego ao setores da construção civil e do
complexo industrial da saúde. Em meio à
rebelião da bancada ruralista e dos neo-
aliados do Centrão, bancou o plano pa-
ra zerar o desmatamento na Amazônia
até 2030. Na Saúde, voltou a contratar
médicos, nacionais e estrangeiros, para
suprir áreas desassistidas. No esforço de
reindustrializar o País, lançou até um ana-
crônico programa de subsídios para pro-
dução de carros populares. Diante da pro-
fusão de planos e anúncios, chama a aten-
ção o silêncio que emana do Ministério da
Educação, área estratégica que o presiden-
te se recusou a deixar na mão de aliados.
Até o momento, pouco se sabe dos pla-
nos do petista Camilo Santana para pro-
mover a “revolução educacional” que pro-
meteu fazer no País, nos moldes de suas
bem-sucedidas gestões como governador
do Ceará. Tampouco foi anunciado um
plano concreto capaz de reverter o caos
deixado pela era Bolsonaro e pelo estra-
go provocado pela pandemia de Covid-19.
Só recentemente, no dia 12 de junho, o Mi-
nistério da Educação lançou o Compromis-
so Nacional Criança Alfabetizada, um pro-
jeto que se propõe a alfabetizar, até 2026,
100% das crianças que chegam ao final do
segundo ano do ensino fundamental, me-
ta audaciosa e de difícil execução.

 
Dados divulgados no final de maio pe-
lo Instituto Nacional de Estudos e Pes-
quisas Educacionais Anísio Teixeira
(Inep) mostram que 56,4% dos alunos
nessa fase escolar não atendem aos cri-
térios de alfabetização, em torno de 2,8
milhões de crianças. O índice é referen-
te a 2021 e aponta quase 20 pontos a mais
que a pesquisa anterior, de 2019. Naquele
ano, 39,7% das crianças não sabiam ler e
escrever ao final do segundo ano do en-
sino fundamental. O estudo utilizou co-
mo parâmetro o Sistema de Avaliação da
Educação Básica (Saeb) e irá subsidiar o
projeto que o MEC acaba de lançar.

 
No cenário internacional, a posição do
Brasil é igualmente vexatória. No Estudo
Internacional de Progresso em Leitura,
divulgado no mês passado pela Associa-
ção Internacional para Avaliação do De-
sempenho Educacional (IEA) e aplicado
em 65 nações, o Brasil ficou à frente ape-
nas de cinco países (Irã, Jordânia, Egito,
Marrocos e África do Sul) no que tange às
habilidades de leitura de estudantes ma-
triculados no quarto ano de escolariza-
ção. Essa realidade fez o presidente Lu-
la reconhecer que o estado brasileiro “fa-
lhou miseravelmente” na condução da al-
fabetização da população infantil.

 
“Em 2021, mais da metade de nossas
crianças terminaram o segundo ano do
ensino fundamental sem conseguir ler ou

escrever. Mais de 1 milhão de crianças fo-
ram largadas à própria sorte no processo
de alfabetização. Isso não aconteceu por-
que os professores falharam. Os professo-
res sabem e muito o que devem fazer em
sala de aula. Isso também não é um erro
das famílias. Qualquer pai ou mãe sabe
que a educação é o caminho para uma vi-
da melhor para as suas crianças. A gran-
de verdade é que o atraso na alfabetização
ocorre porque o Estado brasileiro falhou
miseravelmente nos últimos anos. Falhou
porque achou que repassar recursos para
as escolas de ensino fundamental é gasto,
iria comprometer o tal do equilíbrio fis-
cal. Falhou porque não garantiu alimen-

 tação escolar de qualidade. Falhou porque
quando a pandemia levou ao fechamento
das salas de aula o governante anterior
não cobrou soluções emergenciais para
a educação, preferiu o negacionismo e o
discurso do ódio. O resultado não poderia
ser outro”, discursou o presidente, duran-
te o lançamento do Compromisso Nacio-
nal Criança Alfabetizada. Na ocasião, Lula
anunciou um investimento de 3 bilhões de
reais, a ser liberado ao longo da sua gestão.
Para o coordenador-geral da
Campanha Nacional pelo
Direito à Educação e profes-
sor da Faculdade de Educação
da USP, Daniel Cara, “o Brasil
perdeu referência, ritmo e cul-
tura de política educacional”. Segundo
o especialista, o Compromisso Nacional
Criança Alfabetizada foi copiado dos EUA
e o plano de alfabetização brasileiro vem
se repetindo desde o governo Fernando
Henrique Cardoso. “Se você ler os estu-
dos do Painel Econômico de Reforma da
Educação dos EUA de 1994, em vias de ser
definitivamente superado por lá, encon-
trará o mesmo conteúdo do programa do
MEC. Aliás, desde Paulo Renato Souza,
ministro de FHC, as políticas para al-
fabetização de crianças seguem a mes-
ma linha, que foi também a de Temer”,
diz Cara, a questionar a prioridade dada
à iniciativa. “A alfabetização de crianças
deveria ser o esforço principal do MEC?
Não. Mas é o que deu relativamente cer-
to no Ceará, com limites e contextos. Ou
seja, a opção foi para fazer o que se sabe
fazer, mesmo que seja insuficiente para
o Brasil. É um caminho aparentemente
seguro, mas nada corajoso e refletido.”
Ivan Gontijo, gerente de Políticas Edu-
cacionais do Todos pela Educação, vê
com otimismo o programa de alfabeti-
zação de crianças, mas cobra um crono-
grama com as etapas de implementação
e os prazos a serem cumpridos. “É preci-
so mais clareza, inclusive para as redes de
ensino, e estabelecer algumas metas in-
termediárias para se ter um monitora-
mento mais consistente. A gente sabe que
o grande desafio em política educacional
está na implementação. A formulação é
importante e é a parte mais fácil, o difícil
é colocar isso na rua, chegar nas salas de
aula, mobilizar professores e gestores e
atingir os resultados adequados na alfa-
betização que a gente precisa”, pondera.

 
O Compromisso Nacional Criança Alfabe-
tizada vai funcionar a partir de uma arti-
culação e colaboração entre União, esta-
dos e municípios e será baseado em cinco
eixos: gestão e governança, com oferta de
mais de 7 mil bolsas para articuladores
da política nos territórios, formação dos
profissionais que vão atuar no progra-
ma, infraestrutura física e pedagógica,
premiação de gestores com práticas pe-
dagógicas e de gestão exitosas no campo
da alfabetização e sistema de avaliação

.
“Quando uma criança consegue se al-
fabetizar na idade certa, diminui a evasão.
Quando não se alfabetiza na idade certa,
acontece o contrário, aumenta a evasão, o
abandono, a reprovação. Hoje, apenas 64%
das crianças que entram no ensino funda-
mental terminam o ensino médio. Portan-
to, garantir a alfabetização é garantir qua-
lidade e esperança para essa meninada e
para essa juventude brasileira”, destacou o
ministro da Educação, Camilo Santana, na
solenidade de lançamento do programa.

 
Adélia Pinheiro, secretária de Educa-
ção da Bahia, está empolgada com o proje-
to e cita a importância de uma ação articu-
lada entre as três esferas do Poder Públi-
co. “É de responsabilidade do município
tratar do primeiro ao quinto ano do fun-
damental e é exatamente para esse come-
cinho da vida escolar que esse programa
se volta. Mas cabe aos estados um conjun-
to de atividades que vão desde a coorde-
nação do projeto até o apoio na formação
de alfabetizadores e gestores. É um pro-
grama complexo, como é tudo na educa-
ção que envolve responsabilidade dos en-
tes, porque a educação de qualidade é um
direito do cidadão mas que é construída
com a participação de um sistema que

envolve municípios, estados e a União.”
Heleno Araújo, presidente da Confe-
deração Nacional dos Trabalhadores em
Educação, se queixa de a entidade não ter
sido ouvida na formulação do projeto e de-
fende uma política de alfabetização inte-
grada e continuada, alcançando todas as
fases da vida escolar. “Se a gente tem uma
visão sistêmica para educação, precisa de
uma ação sistêmica para atacar o analfabe-
tismo, desde a criança que vai ser alfabeti-
zada até os jovens e adultos que não foram
alfabetizados ainda. No momento em que
eu trato o mesmo objeto com programas
distintos tem uma falha nesse processo”,
critica o sindicalista. Araújo se refere ao
grande número de jovens e adultos analfa-
betos, embora os números venham apre-
sentando uma leve melhora ao longo do
tempo. Segundo a Pnad Contínua divulga-
da pelo IBGE no início deste mês, 5,6% da
população acima de 15 anos não sabe ler ou
escrever, porcentual que chega a 16% en-
tre pessoas acima de 60 anos. O Nordes-
te é a região com o maior número de anal-
fabetos, abarcando 11,7% da população.

 
“A maior vergonha da educação nacio-
nal é a população adulta e jovem analfa-
beta ou com poucos anos de escolariza-
ção. Isso é gravíssimo e só vai ser enfren-
tado quando a gente tiver todo mundo na
escola na idade certa, concluindo a escola-

rização na faixa etária correta e também
com políticas sérias, robustas, sistemáti-
cas voltadas para jovens e adultos”, opi-
na Fernando Cássio, professor daUFABC,
integrante da Rede Escola Pública e Uni-
versidade, conhecida pela sigla Repu, e do
comitê diretivo da Campanha Nacional
pelo Direito à Educação.
“A educação de jovens e adultos está na
última da fila, é sempre jogada às traças

A EJA não pode ser uma política de cer-
tificação, precisa de um projeto pedagó-
gico específico, com infraestrutura e com
financiamento para que as pessoas pos-
sam concluir a educação básica. Isso é um
grande passivo histórico do Brasil”, res-
salta Cássio, criticando o MEC por não
se posicionar sobre as escolas cívico-mi-
litares, que continuam sendo financiadas
pelo governo federal. “O governo não está
querendo enfrentar os grupos conserva-
dores. Se por um lado algumas coisas es-
tão sendo feitas pelo MEC, por outro exis-
te uma certa covardia política de tensio-
nar tanto com o campo empresarial quan-
to com o campo reacionário, de que não
são eles que vão dar as cartas para a as po-
líticas educacionais no País.”
Ao citar o setor empresarial,
Fernando Cássio se refere à
reforma do ensino médio, o
grande gargalo do MEC. O
Novo Ensino Médio (NEM)
foi aprovado no governo
Temer e é considerado um retrocesso
por muitos educadores, por acentuar,
segundo afirmam, a desigualdade social
no País, favorecendo alunos das escolas
privadas e excluindo ainda mais os estu-
dantes da rede pública. “Camilo Santana
tem compromissos com os formuladores
empresariais do NEM, mesmo que já te-
nha percebido o caos e o mal que a refor-
ma causa”, dispara Daniel Cara. “A par-
tir do momento que você tem uma refor-
ma curricular que endossa, que vai ofer-
tar uma escola pior para o pobre e melhor
para o rico, essa política viola o princípio
basilar do estado brasileiro que é o com-
bate às desigualdades. O governo precisa
decidir de que lado quer estar nessa ba-
talha, se quer levar a cabo, levar adiante
o projeto educacional do governo golpis-
ta de Michel Temer ou se quer, de fato, li-
dar com esse problema e isso implica não
comprar todas as agendas das fundações
empresariais”, completa Cássio.

 
A reforma do ensino médio está suspen-
sa. O MEC abriu uma consulta pública pa-
ra definir o que fazer com o problema pos-
to. Já estava em implantação desde o ano
passado, com previsão de impacto na pro-
va do Enem a partir de 2024, mas, diante
da reação de setores da sociedade, o MEC
resolveu postergar. Em recente entrevis-
ta ao programa Roda Viva, Camilo Santa-
na reconheceu problemas no NEM, mas
não deixou claro o que pretende fazer. “Re-
conhecemos que há graves erros no Novo
Ensino Médio, problemas na implemen-
tação, na infraestrutura, na formação de
professores, na redução da carga horária.
Precisamos criar uma escola mais atrati-
va, mais criativa, mais acolhedora, que es-
timule, que adapte a formação da qualifi-
cação profissional para os jovens. Vamos
apresentar uma grande proposta de nova

 política para o ensino médio que fortale-
ça a qualidade da educação e que ofereça
a escola em tempo integral profissionali-
zante”, disse, acrescentando que há pou-
co mais de um mês foi lançada a nova po-
lítica de escola em tempo integral do MEC
e que o projeto está tramitando no Con-
gresso Nacional em regime de urgência.
Para o ensino superior, o MEC
ainda não apresentou projeto
algum para as universidades,
que sofreram com a asfixia fi-
nanceira imposta por Temer e
Bolsonaro, período apontado
como um dos mais nocivos para o ensino
superior e também marcado por denún-
cias de corrupção. Um dos cinco minis-
tros da Educação no governo do ex-capi-
tão, Milton Ribeiro foi acusado de man-
ter um “gabinete paralelo” na Pasta, en-
volvendo pastores evangélicos sem vín-
culo com o MEC, os quais recebiam pro-
pina de prefeitos em troca de repasses de
verbas federais para educação.

 
Apesar das críticas à atuação do MEC

no governo Lula, há o reconhecimento
de que a nova gestão encontrou um ce-
nário de terra arrasada na educação, as-
sim como em outras áreas, e que, mes-
mo assim, já deu os primeiros passos no
sentido de minimizar o estrago. Dentre
as ações estão o reajuste do valor das bol-
sas para formação de professores da edu-
cação básica, mestrado e doutorado, e o
aumento de até 39% no repasse do Pro-
grama Nacional de Alimentação Escolar.
Em abril, o governo anunciou um paco-

te de 3 bilhões de reais para prevenção e
combate à violência nas escolas públicas
e, em maio, o presidente Lula assinou a
medida provisória do pacto nacional pe-
la retomada de obras da educação básica.

 
“O MEC, como todas as outras ins-
tâncias de governo, está numa fase de re-
construção depois da destruição promo-
vida pelo desgoverno que terminou em 1°
de janeiro. A principal questão levantada
é a reforma do ensino médio, uma refor-
ma feita com uma promessa que não po-
dia ser cumprida, a promessa de que cada
aluno teria a livre escolha entre cinco iti-
nerários diferentes e, obviamente, no go-
verno Temer, com o Teto de Gastos, isso
não aconteceria. A atual gestão do MEC
talvez tenha demorado a perceber a gra-
vidade dessa questão que foi trazida à to-
na por alunos e professores, revelando to-
do o descalabro que é. Mas o ministério é
mais amplo que isso e cabe a ele implantar
de vez a alfabetização na idade certa e pro-
mover mudanças no ensino superior que
sejam necessárias”, analisa o ex-ministro
da Educação, Renato Janine Ribeiro

CARTA CAPITAL 

 

       


     

 

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