August 30, 2023

Mais um outsider

 

EQUADOR Filho do “Magnata da Banana”, o azarão Daniel Noboa
vai disputar o segundo turno com a esquerdista Luisa González

 
P O R R O D R I G O M A R T I N S

 
Em uma eleição atípica, macu-

 lada pelo assassinato de um
presidenciável e diversos ou-
tros atentados políticos, a es-
querdista Luisa González,
candidata do Revolução Cidadã e respal-
dada pelo ex-presidente Rafael Correa,
confirmou o favoritismo nas pesquisas e
largou na dianteira da corrida presiden-
cial no Equador, com 33,4% dos votos vá-
lidos. Enfrentará no segundo turno, em
15 de outubro, o empresário liberal Da-
niel Noboa, um outsider que surpreendeu
com 23,5% dos sufrágios no domingo 20.
Proveniente de uma das famílias mais ri-
cas da América Latina, reconhecida pe-
los equatorianos por seu império bana-
neiro, o neófito deputado eleito em 2021
figurava com um porcentual de único dí-
gito até poucas semanas antes do pleito.
Agora já é visto como favorito por alguns
analistas que apostam em sua capacida-
de de herdar votos de candidatos conser-
vadores derrotados

No único debate presidencial, realiza-
do uma semana antes da votação, Noboa
teve um bom desempenho e acabou fa-
vorecido pela intensa troca de acusa-
ções entre candidatos mais bem posicio-
nados nas pesquisas. Durante a campa-
nha, ele procurou distanciar-se das pro-
vocações entre apoiadores e oponentes de
Correa. Em vez disso, apresentou-se co-
mo um candidato antissistema, com dis-
curso focado na geração de empregos. Es-
sa postura angariou a simpatia de eleito-
res mais jovens, não identificados com a
velha polarização política em torno do ex-
-presidente socialista, observa Caroline
Avila, especialista em comunicação po-
lítica da Universidad de Azuay, ao Wa-
shington Post. Mesmo não sendo o candi-
dato mais associado ao tema da seguran-
ça pública, ele “oferece um tipo de políti-
ca jovem e revigorante que não é mancha-
da pelo conflito”, avaliou a pesquisadora.
“A juventude optou pela alternativa de
Daniel Noboa”, celebrou o candidato, du-
rante uma coletiva de imprensa logo após
a confirmação de seu nome. “Não seria a
primeira vez que uma nova proposta dá
uma volta no establishment eleitoral”,
acrescentou, referindo-se a si mesmo.

 
Para variar, a pose de outsider tem chei-
ro de engodo. Embora tenha no curriculo

uma única e breve passagem pela Assem-
bleia Nacional, o empresário beneficiou-
-se do enorme recall político de seu pai,
Álvaro Noboa, conhecido como o “Mag-
nata da Banana”, que disputou a Presi-
dência da República cinco vezes.

 
Desde que Lasso dissolveu a Assem-
bleia Nacional e antecipou as eleições
gerais para escapar de um processo de
impeachment por corrupção, o Equador
mergulhou em um cenário de instabili-
dade e violência política sem preceden-
tes. Após o assassinato do presidenciável
Fernando Villavicencio, em 9 de agosto,
o presidente decretou estado de exceção,
mas mesmo com a mobilização das For-
ças Armadas para reforçar a segurança
dos candidatos não foi possível interrom-
per a onda de ataques.

 
Jornalista de formação, Villavicencio
vinha sendo ameaçado por um dos princi-
pais cartéis de drogas equatorianos, Los
Choneros, incomodados com o feroz dis-
curso do candidato contra o que chamava
de “narco-Estado”. Suas propostas mira-
vam na militarização dos portos para con-
trolar o narcotráfico, na criação de uma
Unidade Antimáfia com apoio interna-
cional e na construção de um presídio
de segurança máxima para os crimino-
sos mais perigosos. Um dia após o atenta-
do, Estefany Puente, postulante ao Parla-
mento, foi atingida por um tiro de raspão
no braço esquerdo após uma dupla de pis-
toleiros disparar contra seu carro. Passa-
dos quatro dias, Pedro Briones, líder re-
gional do Revolução Cidadã, foi executado
em sua casa, na cidade de Esmeraldas, na
fronteira com a Colômbia. Três dias an-
tes da votação, o próprio Noboa precisou
interromper uma caminhada após ouvir

isparos no meio da multidão. Felizmen-
te, não houve mortos nem feridos.

 
A despeito do banho de sangue promo-
vido por sicários do narcotráfico, a popu-
lação não se deixou intimidar. O pleito te-
ve participação recorde. Ao todo, 82,26%
dos 13,4 milhões de cidadãos aptos a vo-
tar compareceram às urnas no domingo
20. Em algumas cidades, os eleitores en-
frentaram longas filas para acessar as ca-
bines de votação, após passarem por re-
vistas corporais e detectores de metais.
Muito além da insatisfação com os ru-
mos políticos do país, a presença massi-
va de eleitores desnuda o inconformis-
mo com a violência que tomou de assal-
to o país nos últimos anos, fruto da guer-
ra travada, nas ruas e nos presídios, por
grupos criminosos financiados por car-
téis mexicanos e colombianos. Os dados
são aterradores. Até 2018, o Equador re-
gistrava 9,8 homicídios a cada 100 mil ha-
bitantes. No ano passado, a taxa subiu pa-
ra 25,9, quase o dobro de 2021. A barbárie
afetou duramente a indústria do turis-
mo, setor vital da economia equatoriana.

 
Como era de se esperar, o debate elei-
toral acabou contaminado pela série de
atentados. Christian Zurita, o substituto
de Villavicencio, fez questão de compare-
cer ao local de votação com colete balísti-
co e capacete. Apesar de entrar na disputa
faltando dez dias para as eleições, ele fi-
cou em terceiro lugar, com 16,47% dos vo-
tos – as cédulas eleitorais ainda traziam a
foto do presidenciável assassinado. “Nas
eleições passadas usei o TikTok, desta vez
venho com colete à prova de balas”, emen-
dou o nanico candidato Xavier Hervas,
com a proteção por baixo da camisa. Ele
amealhou 0,5% dos votos.

 
Uma semana após o atentado contra
Villavicencio, o ex-presidente Rafael
Correa atribuiu a morte do concorrente a
um complô para impedir a vitória de sua
candidata, Luisa González, logo na pri-
meira votação. “Ele estava em quarto ou
quinto nas pesquisas, não ia ganhar nun-
ca, então era mais útil morto do que vivo.
E para nos prejudicar, já que somos seus
arquirrivais”, afirmou o ex-presidente à
Folha de S.Paulo. “Agora há uma campa-
nha brutal nas redes culpando-nos pela
morte. Quem ganha com isso é a extre-
ma-direita, pois sabiam que íamos ven-
cer no primeiro turno.”

 
Acusado de cobrar propinas de gran-
des empresas e condenado à revelia por
corrupção, Correa se diz vítima de uma
perseguição judicial semelhante à en-
frentada por Lula, no Brasil, e Cristina
Kirchner, na Argentina. Desde 2017 vi-
ve na Bélgica, país de origem de sua es-
posa, Ann Malherbede. A Justiça equa-
toriana solicitou a extradição do ex-pre-
sidente, para que ele cumprisse pena de
oito anos de prisão, mas o pedido foi ne-
gado. Em abril deste ano, o governo bel-
ga reconheceu seu status de refugiado.

 
O episódio é usado pelo socialista como
prova de que foi vítima de lawfare duran-
te a gestão de Lenin Moreno, ex-aliado
que se voltou contra o padrinho após
chegar ao poder. “É um alívio. Quando
te dão essa proteção, isso mostra que vo

ê está sendo perseguido”, disse Correa
à agência France Presse.

 
Se, por um lado, Daniel Noboa tende
a atrair os eleitores de candidatos con-
servadores, a exemplo do direitista Jan
Topic (14,69% dos votos válidos), por ou-
tro, é inegável que o correísmo mantém
uma base forte e leal. Sozinho, o partido
Revolução Cidadã obteve 39,32% dos vo-
tos para a Assembleia Nacional, um de-
sempenho superior ao de Luisa González
na corrida presidencial. É possível que,
com o arrefecimento da violência política
no Equador, a candidata volte ao incon-
teste favoritismo que tinha antes da onda
de atentados. Para tanto, a ex-deputada

e 45 anos deve estimular, nos eleitores,
o sentimento de nostalgia em relação ao
governo de Correa (2007 a 2017), quan-
do as taxas de homicídio eram baixas e
o boom no mercado de commodities per-
mitiu retirar milhões de equatorianos da
situação de pobreza. “Vamos ter aquela
pátria novamente, com esperança, digni-
dade e segurança”, discursou a candidata
após o encerramento da votação.

 
A eleição, convém ressaltar, é para um
mandato-tampão de um ano e meio. Co-
mo o presidente Guilherme Lasso acio-
nou o dispositivo da “morte cruzada”, na
qual renuncia ao cargo ao mesmo tempo
que dissolve a Assembleia Nacional, o no-
vo líder eleito só ficará no poder até maio
de 2025, quando está prevista a realiza-
ção de nova disputa presidencial.

 
Em um plebiscito simultâneo, quase
59% dos eleitores equatorianos votaram,
no domingo 20, pelo fim da exploração de
petróleo em uma de suas maiores jazidas,
o Parque Nacional Yasuní, considerado o
coração da Amazônia equatoriana. A vo-
tação foi celebrada pelo Yasunidos, grupo
ambiental que coletou 757 mil assinatu-
ras e enfrentou uma longa batalha judi-
cial para obrigar a Justiça Eleitoral a re-
alizar a consulta popular.

 
O parque abriga, em mais de 1 milhão
de hectares, ao menos 2 mil espécies de
árvores e arbustos e 610 espécies de pás-
saros, sem contar com as demais espé-
cies. A exploração do chamado “Bloco
43” ocorre desde 2016. O governo Lasso,
que sempre atuou em defesa das perfura-
ções, estima que a jazida seja responsável
por 12% dos 466 mil barris de petróleo
produzidos por dia pelo país. Com a deci-
são, a Petroecuador tem prazo de um ano
para encerrar os trabalhos e remover todo

o maquinário de bloco amazônico.

CARTA CAPITAL
    

 

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