June 10, 2023

O FUTEBOL BRASILEIRO É ATINGIDO EM CHEIO POR UM ESCÂNDALO DE MANIPULAÇÃO DE RESULTADOS

 

 



MAURICIO THUSWOHL


No duelo contra o
Bahia, na quar-
ta-feira 17, pe-
las oitavas de fi-
nal da Copa do
Brasil, o time do
Santos jogou des-
falcado de um de seus principais joga-
dores, o zagueiro Eduardo Bauermann.

 
Esta seria uma notícia trivial se o atle-
ta tivesse ficado de fora da partida por
motivo de contusão, mas o que afastou
Bauermann do gramado – e deve afastar
por um longo período – é o fato de seu no-
me ser um dos oito que integram a lista
de jogadores de futebol suspensos pre-
ventivamente por 30 dias, pelo Superior
Tribunal de Justiça Desportiva, por par-
ticipação em um esquema de manipula-
ção de apostas. A suspensão, anunciada
na terça-feira 16, é resultado da Opera-
ção Penalidade Máxima, do Ministério
Público de Goiás, que chega à sua segun-
da fase trazendo novas revelações sobre
a atuação do grupo de fraudadores que
contou com a participação ativa de joga-
dores no aliciamento de colegas dispos-
tos a “honrar” as apostas da quadrilha.

 
É inevitável uma segunda leva de
suspensões a ser anunciada pelo STJD,
uma vez que a quebra do sigilo de Bruno
Lopez, o BL, apontado pelos promoto-
res goianos como chefe do esquema de
manipulação, puxou um fio de conversas
que desnuda a ação de diversos jogado-
res. Em antecipação, equipes da Série A,
a exemplo de Internacional, Fluminen-
se, Cruzeiro, Coritiba, Athletico e Amé-
rica, anteciparam o afastamento de atle-
tas, em um movimento que pode atin-
gir proporções catastróficas justamen-
te no momento em que os principais clu-
bes brasileiros, aos trancos e barrancos,
buscam se organizar em uma ou duas li-
gas nacionais para vender os direitos de
transmissão do Campeonato Brasileiro.
Segundo estimativas do mercado, in-
vestidores estrangeiros estão dispostos
a desembolsar até 4,8 bilhões de reais,
mas o produto oferecido, além de apre-
sentar um espetáculo de alta qualida-
de, precisa ser confiável: “As denúncias
transformam o futebol brasileiro em ca-
so de polícia e é evidente que degradam
seu potencial como produto, porque se
perde a confiança no resultado ético em
campo. O apostador fraudador vai aonde
tiver a oportunidade, o crime se instala
ao perceber sistemas de proteção mais
frágeis”, comenta o ex-secretário-geral
da CBF Walter Feldman.

 
O governo pretende agir rapidamen-
te para enfrentar o problema e o presi-
dente Lula determinou ao Ministério da
Fazenda e à Casa Civil que acelerem o
envio ao Congresso, na forma de Medi-
da Provisória, a proposta de regulamen-
tação das empresas e sites de apostas no
Brasil. Com validade imediata a partir
de sua publicação, a MP só será divul-
gada após o grupo de trabalho governa-
mental, a incluir os ministérios dos Es-
portes, Planejamento, Gestão, Saúde e
Turismo, finalizar os ajustes em sua re-
dação feitos à luz das novas denúncias
trazidas pela Penalidade Máxima II.

Agora, além do objetivo primordial
de taxar os sites de apostas e deixar no
País um naco da movimentação anual
que, segundo dados extraoficiais, che-
ga a 150 bilhões de reais, a proposta do
governo determinará a suspensão cau-
telar de apostas atípicas e a retenção de
prêmios conquistados em situações sob
suspeita de manipulação.

 
Após a esperada aprovação da MP pe-
lo Congresso no prazo máximo de 120
dias, cada ministério envolvido na dis-
cussão publicará portarias específicas
para criar mecanismos e campanhas
de combate à manipulação das apostas.

 
O objetivo é adotar uma série de políticas
transversais e estabelecer uma parceria
permanente com a CBF e o Comitê Olím-
pico Brasileiro. Às empresas de apostas,
além de informar imediatamente as au-
toridades sobre qualquer suspeita de ir-
regularidade, será determinado também
que promovam ações informativas e de
prevenção sobre “transtornos psicoló-
gicos” eventualmente provocados pelo
hábito de apostar. “É preciso garantir a
saúde mental dos apostadores e evitar
que as apostas se transformem em vício”,
diz o texto da proposta do governo.

 
Em outra frente, o Ministério
da Justiça e Cidadania de-
terminou, na sexta-feira
12, a abertura de inquérito
pela Polícia Federal sobre a
manipulação de apostas esportivas que
terá como ponto de partida os indícios de
fraude coletados pelo MP de Goiás. A na-
cionalização da investigação foi anuncia-
da pelo ministro Flávio Dino após con-
versa com Lula e atendeu a uma solicita-
ção da CBF. O inquérito será levado a ca-
bo pela Diretoria de Inteligência Policial
da PF, mesmo setor que investiga a parti-
cipação do ex-ministro Anderson Torres
nos atos golpistas de 8 de janeiro e a frau-
de nos cartões de vacinação do ex-presi-
dente Jair Bolsonaro.

 
Na quarta-feira 17, também foi insta-
lada na Câmara dos Deputados a CPI das
Apostas, promessa cumprida pelo presi-
dente daquela Casa Legislativa, Arthur
Lira, do PP. Indicado por Lira como rela-
tor da comissão de inquérito, com a anu-
ência do governo, o deputado federal Fe-
lipe Carreras, do PSB, pede pressa: “Os
novos elementos trazidos pela Justiça de
Goiás aumentaram a urgência de insta-
larmos a comissão. Queremos jogar luz
nesse escândalo que vem se revelando o
maior do futebol brasileiro”. O parlamen-
tar diz que a lista de convocados a depor
será extensa: “É fundamental, de forma
muito transparente, ouvir os principais
atores do futebol e os players do merca-
do de apostas. Vamos trabalhar em par-
ceria com os órgãos investigativos para
não somente revelar as engrenagens des-
se esquema como também punir exem-
plarmente os envolvidos e promover uma
legislação que coíba esse tipo de crime”.

 
A meta da CPI, afirma Carreras, é pro-
porcionar a abertura de inquéritos diver-
sos: “As investigações em Goiás começa-
ram com a Série B, mas avaliamos que es-
ses esquemas devem permear todas as
divisões do campeonato. Na semana pas-
sada, surgiram os primeiros indícios de
manipulação na Série A”. Os deputados
também proporão investigações sobre
os campeonatos estaduais: “No Ceará
o Crato foi suspenso das competições
estaduais. No Piauí, o Flamengo entrou
com denúncia junto ao Ministério Públi-
co local contra jogadores do próprio clu-
be”, exemplifica Carreras. Outro objeti-
vo da CPI é que as investigações extra-
polem o futebol masculino: “Em junho
de 2022, o presidente do Santos, Andrés
Rueda, comunicou que um funcionário
do clube tentou subornar uma atleta do
Bragantino em um jogo do Campeonato
Brasileiro Feminino. O clube confirmou
a denúncia”. Os demais esportes também
não serão esquecidos, diz o deputado. “A
manipulação de resultados evoluiu e tor-
nou-se sofisticada e direcionada. O obje-
tivo é salvar não somente o campeona-
to de maior audiência, que é o da Série A.
Vamos atuar para acabar com essa chaga
em todas as divisões e, se necessário, em
outras modalidades.”

 
Al é m d o s a n t i s t a
Eduardo Bauermann,
foram suspensos de
forma preventiva pe-
lo STJD os jogado-
res Kevin Lomónaco (Bragantino),
Gabriel Tota (Juventude, atualmen-
te no Ypiranga), Igor Cairús (Cuiabá,
atualmente no Sport), Fernando Neto
(Operário-PR, atualmente no São
Bernardo), Moraes (Juventude, atual-
mente na Aparecidense), Paulo Miranda
(Juventude, atualmente sem clube) e
Mateus Gomes (Sergipe, atualmen-
te sem clube). Os oito atletas foram de-
nunciados com base nos artigos 243 e
243A do Código Brasileiro de Justiça
Desportiva, que, respectivamente, es-
pecificam a “atuação deliberada de mo-
do a prejudicar a equipe que defende” e a
“atuação de forma contrária à ética des-
portiva com o fim de influenciar o resul-
tado da partida, prova ou equivalente”.
Se condenados, os jogadores estarão
sujeitos a penas como multa que pode che-
gar a 100 mil reais e suspensão de até 720
dias. Se comprovada também a atuação
organizada e reincidente em um grupo de
manipulação de resultados, a pena previs-
ta é de banimento definitivo do esporte.

 
Até o fechamento desta edição, a Jus-
tiça de Goiás havia aceitado denúncia
contra 16 atletas. Na primeira fase da
Operação Penalidade Máxima, realiza-
da em fevereiro e concentrada em jogos
da Série B, já haviam sido tornados réus
Joseph de Oliveira Figueiredo (Tom-
bense), Gabriel Domingos de Moura e
Marcus Vinícius Barreira (Vila Nova)
e Ygor de Oliveira Ferreira, Allan Godói
dos Santos, André Luís Siqueira Júnior,
Paulo Sérgio Corrêa e Mateus da Silva
Duarte (Sampaio Corrêa). O total de ci-
tações de jogadores no inquérito, entre-
tanto, chega a 43 e isso precipitou uma
série de afastamentos feitos pelos clu-
bes, inclusive de jogadores de destaque,
casos do artilheiro da Copa do Brasil
Alef Manga (Coritiba) e do meia Mau-
rício (Internacional). Somente na Série
A foram afastados os atletas Pedrinho
(Athletico), Bryan Garcia (Athletico),
Richard (Cruzeiro), Vitor Mendes
(Fluminense) e Nino Paraíba (América).

 
Um aspecto alarmante trazido à to-
na pelas investigações é a participa-
ção direta de alguns jogadores no ali-
ciamento de colegas de profissão pa-
ra participar do esquema de manipula-
ção de apostas. Um dos indiciados, o vo-
lante Fernando Neto, chega a sugerir a
Bauermann: “Só precisa tomar um ama-
relo no primeiro tempo. Mais fácil que
da última vez”. Em outra conversa reve-
lada pela quebra de sigilo de Bruno Lo-
pez, o lateral-esquerdo Denner Barbo-
sa, ex-jogador do Corinthians e à épo-
ca no Operário-PR, afirma ter aliciado
“a linha de trás todinha” do Goiânia pa-
ra a partida contra o Goiás pelo último
campeonato estadual. O time alvinegro
perdeu de 2 a 0, com gols anotados ain-
da no primeiro tempo: “Preciso saber
quanto você paga, que aí eu corro atrás
aqui na ligação com os caras”, disse Bar-
bosa a BL na véspera da partida. Horas
depois, confirmou o acerto: “Tá fechado
o nosso aqui. Os Goiânia (sic) é meu”.

 
O aliciamento de atletas chegou ao
campeonato nacional dos Estados Uni-
dos, com a comprovada participação do
meia brasileiro Max Alves, que jogava
pelo Colorado Rapids e foi rapidamente
afastado: “Nós percebemos que os apos-
tadores se uniam aos jogadores alicia-
dores na manipulação das apostas”, diz
Fernando Cesconetto, procurador res-
ponsável pelo inquérito.

 
Rápido também foi o enriquecimento
dos integrantes da quadrilha, como mos-
tram as vultosas quantias movimenta-
das. Em uma única rodada – a 25ª da Sé-
rie A do Brasileirão no ano passado – eles
pagaram 260 mil reais a seis jogadores
aliciados para, em seguida, ganhar 730
mil reais em 40 apostas feitas em sites
diversos ao custo de 8 mil reais. Com a
aposta de que os seis atletas levariam car-
tões, obtiveram um lucro instantâneo de
470 mil reais, que, segundo os investiga-
dores, pode ter se repetido em várias ou-
tras rodadas. A “planilha” da 25ª rodada
foi obtida com a quebra de sigilo do gru-
po de fraudadores. Após a conclusão do
esquema, o dinheiro ganho naquela oca-
sião foi retirado pouco a pouco dos sites.

 
Omodus operandi da qua-
drilha consistia em con-
vencer os jogadores a
provocar cartões ama-
relos ou vermelhos e, em
alguns casos, a cometer pênaltis. A mu-
lher de BL, Camila Silva da Motta, tam-
bém sua sócia na empresa BC Sports
Management, era responsável por fazer
a transferência do dinheiro aos atletas
em duas etapas, sempre com o pagamen-
to de um sinal que, em alguns casos, che-
gava a 50 mil reais. Além de BL e Camila,
também já foram denunciados pela co-
optação dos jogadores ou pela realização
das apostas Ícaro Calixto dos Santos,
Luís Felipe de Castro, Victor Yamasaki
Fernandes e Zildo Peixoto Neto.

 

Acabei de fechar esse Max da MSL, rapaziada.
Ele vem mesclando titular e banco, mais (sic) joga
todo jogo. Garantiu 200% que entra e já toma.
BL para comparsas, sobre o meia Max Alves

do Houston Dynamo, que
levou o cartão amarelo combinado 30 segundos

após entrar em campo.

 

 
Não é a primeira vez que o Brasilei-
rão é maculado por denúncias de mani-

pulação de resultados. Em 2005, no es-
cândalo que ficou conhecido como Má-
fia do Apito, 11 partidas da Série A fo-
ram anuladas pelo STJD e tiveram de
ser novamente jogadas, após uma repor-
tagem revelar que um grupo de crimi-
nosos havia feito um acordo com os ár-
bitros Edilson Pereira de Carvalho, en-
tão integrante do quadro da Fifa, e Pau-
lo José Danelon, para garantir resulta-
dos anotados em sites de aposta. Os dois
foram banidos do futebol e denunciados
pelo Ministério Público por estelionato,
falsidade ideológica e formação de qua-
drilha. Em 2009, no entanto, a investi-
gação criminal foi suspensa pelo Tribu-
nal de Justiça de São Paulo.

 
Em 1982, outra reportagem já havia
denunciado a Máfia da Loteria Espor-
tiva, que envolveu 125 atletas, técnicos,
dirigentes e árbitros, embora somente
20 tenham sido indiciados e nenhum
condenado. Ambas as reportagens ga-
nharam prêmios, mas o problema con-
tinuou e sempre reaparece: “No Brasil,
você corre atrás do prejuízo só depois
que a casa é arrombada. Depois dá uma
relaxada porque o tema saiu das man-
chetes. E aí volta a esperar um novo es-
cândalo”, lamenta Walter Feldman. O
ex-secretário-geral da CBF afirma que
a questão ética é um problema de for-
mação da cultura nacional: “Enquanto
não houver sistemas permanentes para
identificar desvios, o Brasil sempre cor-
rerá atrás do próprio rabo. As mudanças
só ocorrem se forem estruturantes”, diz.

 
Mas o Brasil não está sozinho. Vários
casos de manipulação de resultados fo-
ram registrados também no rico futebol
da Europa, e alguns deles tiveram gran-
de repercussão internacional. Em 1980,
Milan e Lazio, fortes equipes da Série A
italiana, foram rebaixados após o escân-
dalo de manipulação conhecido como
Totonero, que culminou com a suspen-
são por dois anos de vários jogadores, en-
tre eles o centroavante Paolo Rossi, que
dois anos depois seria o carrasco do Bra-
sil na Copa do Mundo. A Itália é useira
vezeira nesse tipo de caso, que se repetiu
em 2006, quando a Juventus teve cassa-
dos os títulos daquela temporada e da an-
terior. Outro escândalo célebre aconte-
ceu na França em 1993, quando o Olym-
pique de Marsella, então administrado
pelo polêmico empresário Bernard Ta-
pie e vencedor da Liga dos Campeões da
Europa, perdeu o direito de disputar o
Mundial de Clubes após ter manipulado
um jogo do campeonato nacional.

 
Na América do Sul, a ma-
nipulação de resultados
já resultou em tragé-
dia. O zagueiro Andrés
Escobar, que chegou a
ser capitão da seleção da Colômbia, foi as-
sassinado semanas após fazer um gol con-
tra em uma partida na Copa do Mundo de
1994, realizada nos EUA. Embora a po-
lícia colombiana jamais tenha chegado
aos autores do crime, a linha de investi-
gação principal apontava para um acerto
de contas feito por grupos criminosos de
Medellín, que teriam julgado o gol contra
proposital e ligado Escobar a um esque-
ma de manipulação de resultados.

 
Até aqui, o entendimento do governo
Lula e dos procuradores é de que tanto
os clubes quanto as empresas de apostas
são vítimas da Máfia das Apostas. Cria-
da em março pelas empresas do setor de
apostas, a Associação Nacional de Lote-
rias e Jogos faz questão de reforçar essa
ideia: “A manipulação funciona fora do
âmbito da casa de apostas, que é a gran-
de vítima desse processo. No momento
em que o jogo é manipulado, dá um resul-
tado completamente diferente do previ-
sível e a casa de apostas, em vez de pa-
gar hipoteticamente duas vezes o valor,
vai pagar 30 vezes”, disse o CEO da no-
va entidade, Wesley Cardia, em entrevis-
ta ao jornal O Globo. Embora as empre-
sas discordem da alíquota, em torno de
15%, com o qual o governo pretende ta-
xar o setor, o empresário se diz a favor
da iniciativa: “Brigamos há muito tempo
pel a regulamentação".

CARTA CAPITAL

 

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