March 10, 2023

Dia da Mulher: sem razoes para celebrar

 

 

 

MARIANA SERAFINI

As vésperas do Dia Interna-
cional da Mulher, Jiane da
Silva Vicente, de 43 anos,
foi assassinada pelo na-
morado, Almir Rogério
Alves Machado, no município gaúcho de
São Borja. Vítima de outras agressões, ela
solicitou medida protetiva em dezembro
de 2022. Dois meses depois, comunicou
à polícia que reatou o relacionamento e
pediu a retirada das sanções. Dias depois,
foi encontrada morta com um golpe de
faca no pescoço. Machado confessou o
crime. Na mesma semana, a vereadora
Yanny Brena, de 26 anos, foi encontrada
morta ao lado do companheiro Rickson
Pinto, em Juazeiro no Norte, no Ceará.
A polícia trabalha com a hipótese de fe-
minicídio seguido de suicídio. Ambos os
crimes têm em comum o fato de as víti-
mas terem sido assassinadas em decor-
rência do ódio de gênero, pelo simples fa-
to de serem mulheres.

 
Outro ponto em comum é o fato de a
violência ter sido praticada pelos pró-
prios parceiros, dentro de suas casas.
Infelizmente, trata-se de um crime ca-
da vez mais recorrente. Em média, uma
mulher é assassinada a cada sete horas
no Brasil, segundo a Rede de Observató-
rios da Segurança. Em 2022, foram re-
gistrados 495 feminicídios no País. Na
maioria das vezes, os crimes acontecem
no ambiente doméstico e, em 75% dos ca-
sos, o responsável é o marido, namorado
ou ex-companheiro da vítima.

 
Esses índices levaram o Brasil a mu-
dar a legislação em 2015. Desde então, o
feminicídio é qualificado como crime he-
diondo, com pena mais dura. Ainda as-
sim, as mortes de mulheres não dimi-
nuíram no País. Ao contrário, nos últi-
mos anos houve aumento significativo.
Não por acaso, a ministra das Mulheres,
Cida Gonçalves, prometeu ampliar as po-
líticas de proteção e acolhimento às víti-
mas de violência doméstica no tradicio-
nal pronunciamento de 8 de março, em
rede nacional de rádio e tevê.

 
A socióloga Suelen Aires Gonçalves,
que pesquisa violência de gênero há mais
de dez anos, observa que o feminicídio, ao
contrário do homicídio comum, pode ser
prevenido. “Trata-se de um crime preme-
ditado, anunciado, que deixa rastros. É
um ponto final na vida da mulher, mas an-
tes dele há muitas vírgulas”, afirma. “Os
familiares e amigos percebem que a víti-
ma corre risco. Por isso, é um crime que
pode ser evitado.” A melhor forma de bar-
rar a violência antes que ela seja irrever-
sível, explica a pesquisadora, seria a exis-
tência de políticas públicas efetivas, capa-
zes de promover uma rede de apoio e aco-
lhimento às vítimas. “Se o Estado tives-
se compromisso com a vida das mulheres
e fizesse investimentos públicos pesados
para combater o feminicídio, a realidade,
com certeza, seria outra.”

 
Doutora em Sociologia pela UFRGS

Gonçalves chama atenção para o fato de
que, ao fazer um recorte do problema por
raça e classe social, há situações muito
piores. “No Judiciário, a maior parte das
condenações por feminicídio tem como
vítima uma mulher branca. Quando a
gente fala em mulheres negras, traba-
lhadoras sexuais e pessoas em situação
de extrema pobreza, por vezes nem se-
quer há o registro da ocorrência. Elas
estão completamente à margem da so-
ciedade, em todos os momentos da vi-
da, até quando sofrem a mais grave das
violências. Por isso, é um grande desa-
fio pensar o tema do feminicídio com-
preendendo a diversidade das mulheres.”

 
Não foram apenas os casos de femini-
cídio que aumentaram nos últimos anos.
Segundo uma pesquisa do Datafolha,
encomendada pelo Fórum Brasileiro
de Segurança Pública, todas as formas
de violência contra a mulher cresceram
em 2022. O estudo Visível e Invisível: A
Vitimização das Mulheres no Brasil reve-
la que 50.692 brasileiras sofreram vio-
lência diariamente no ano passado. E, co-
mo alertou Gonçalves, as maiores preju-
dicadas são as mulheres negras, que re-
presentam 65,5% das vítimas.

 
Não é tudo. Ao menos um terço das brasi-

leiras (33,7%) com 16 anos ou mais sofre-
ram violência física e/ou sexual por par-
te de parceiro íntimo ou ex-companheiro
em algum momento da vida, porcentual
bem superior à média mundial, de 27%,
segundo a Organização Mundial da Saúde.

 
A sensação de desamparo é enorme: 21%
das entrevistadas disseram não confiar na
polícia. Quase metade das vítimas de vio-
lência tentou resolver o problema sozinha
ou, no máximo, pediu ajuda a familiares e
amigos. Um dos motivos que inibem a pro-
cura por ajuda qualificada, segundo o es-
tudo, é a percepção de que não existe uma
rede pública de acolhimento.

 
A secretária nacional de Combate à Vio-
lência Contra a Mulher, Denise Dau, ava-
lia que um dos desafios é melhorar a capa-
citação dos agentes de segurança pública,
para que as mulheres se sintam mais con-
fiantes de pedir ajuda. Em parceria com o
Ministério da Justiça, ela tem planos de
expandir a Patrulha Maria da Penha e de
aperfeiçoar o treinamento dado aos poli-
ciais civis e militares. Todos eles, não so-
mente aqueles que atuam em delegacias
especializadas no atendimento às mu-

heres. “Muitas brasileiras se queixam de
atendimento inadequado quando procu-
ram a autoridade policial. Esses profissio-
nais precisam estar preparados para com-
preender melhor a violência de gênero, ter
domínio da legislação e saber qual é o en-
caminhamento adequado para a vítima.”

 
A secretária atribui o aumento da vio-
lência contra a mulher a diversos fatores,
inclusive à propagação do discurso de ódio
e intolerância nas redes sociais e por polí-
ticos da extrema-direita. “Esse ambiente
misógino, somado ao corte de investimen-
tos nas políticas públicas, teve enorme re-
percussão nos estados e municípios, onde
funcionam os serviços de acolhimento às
vítimas de violência. Quando o governo fe-
deral não valoriza essas políticas, isso tem
um impacto direto na vida das mulheres.”

 
Nos últimos quatro anos, os recursos
destinados à proteção das mulheres fo-
ram reduzidos drasticamente. Em 2022,
foram destinados apenas 5,1 milhões de
reais para o enfrentamento da violência
e a promoção da autonomia feminina. Ou-
tros 8,6 milhões foram aplicados nas Ca-
sas da Mulher Brasileira, equipamentos
destinados não apenas ao acolhimento
das vítimas, mas também ao assessora-
mento jurídico e à assistência médica e
psicológica. A secretária revela que o or-
çamento aprovado para este ano é maior,
soma 23 milhões de reais. Ainda assim, o
valor é insuficiente para dar conta da de-
manda nos municípios, lamenta.

 
A deputada federal Érika Kokay, do PT,
afirma que “as mulheres foram tiradas
do orçamento” durante os governos de
Michel Temer e Jair Bolsonaro. Segundo
ela, nem mesmo a Câmara Federal é um
lugar seguro. “Nós, parlamentares mu-
lheres, sofremos diariamente com a vio-
lência política de gênero no exercício dos
nossos mandatos. É como se eles quises-
sem dizer o que nós podemos ou não falar,
como devemos agir, o que temos de ves-
tir. Esse processo de subalternização e de
domínio se revela em uma forma de vio-
lência, em uma morte simbólica, eu diria.”

 
Já a deputada estadual do Rio Gran-
de do Sul Sofia Cavedon, também do
PT, explica que a rede de acolhimento
às mulheres não pode ser pensada ape-
nas no âmbito da segurança pública. “Ao
transformar o Bolsa Família em Auxílio
Emergencial, por exemplo, muitas mu-
lheres perderam autonomia. Além dis-
so, os equipamentos públicos municipais
perderam um contato importante com
as famílias para o diálogo. Para garantir
que as mulheres se sintam acolhidas pe-
lo Poder Público, é preciso garantir al-
guma perspectiva, moradia digna, aces-
so à educação e trabalho”, enumera. “Só
assim uma mulher consegue desvenci-
lhar-se de um ambiente de violência

CARTA CAPITAL   

 

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