January 16, 2023

O golpismo permanecerá latente enquanto o povo continuar entregue a um estado social andrajoso


 

 Aldo Fornazieri... 

A vandalização das sedes
dos Três Poderes da Re-
pública por hordas gol-
pistas em 8 de janeiro não
foi apenas física ou mate-
rial. Foi também uma de-
predação política e moral
de uma democracia frágil,
cambaleante, quase indefesa. Como con-
sequência dos ataques, formalmente, a de-
mocracia saiu fortalecida com a união de
todos os poderes, de quase todos os políti-
cos, dos governadores, com as manifesta-
ções e posicionamentos das entidades da
sociedade civil e com os atos de rua.

 
Mas que democracia é essa, à qual to-
dos se uniram? É uma democracia que não
vem conseguindo resolver os problemas
básicos da população. É uma democra-
cia que vive uma crise prolongada de dez
anos, que semeia o desemprego, a miséria,
a fome, a pobreza, a desindustrialização e
a falta de perspectivas de futuro. Uma de-
mocracia que oferece migalhas aos pobres
e enriquece ainda mais os ricos.

 
Dizer que a democracia brasileira é
sólida e que as instituições funcionam é
mentira. Ainda assim, a depredação des-
sa frágil democracia, alheia aos proble-
mas de seu povo, é imerecida, criminosa,
monstruosa. Isto porque depredadores
querem substituí-la por um regime tirâ-
nico, violento, contrário à dignidade hu-
mana e aos valores universais.

 
A democracia brasileira não será sóli-
da enquanto continuar legado um esta-
do social andrajoso. Não será sólida en-
quanto a sua existência depender ape-
nas de dois tribunais e, principalmente,
de um ministro – Alexandre de Moraes.
Não será sólida quando a área de segu-
rança do Exército servir de quintal pa-
ra terroristas. Não será sólida enquanto
as forças policiais protegerem vândalos
para que pratiquem a depredação física e
moral da República. E não será respeita-
da enquanto alimenta privilégios crimi-
nosos dos políticos e da aristocracia fun-
cional e mantém uma situação inaceitá-
vel de pobreza e de desigualdade.

 
Os atos de depredação física e moral
dos Poderes tiveram um evidente co-
mando político, a começar por Bolsona-
ro. Têm cúmplices notórios no governa-
dor afastado de Brasília, Ibaneis Rocha,
e em Anderson Torres. Têm comandos
operacionais nos financiadores e nos co-
ordenadores desses atos. Têm apoiado-
res em setores do Exército e das polícias
Militar e Civil de Brasília. Se os culpados,
principalmente os mentores, os operado-
res e os financiadores não forem punidos
com a implacabilidade da lei, o Brasil fi-
cará à mercê do crescimento da violên-
cia política criminosa.


SOMENTE A PERCEPÇÃO DE PROSPERIDADE
COM SUSTENTABILIDADE, INCLUSÃO
E BEMESTAR É CAPAZ DE MINAR AS
TENTAÇÕES DO OPOSICIONISMO RADICAL


A responsabilização precisa, porém, ser
diferenciada: é preciso distinguir os men-
tores políticos, os operadores, os conspira-
dores e os financiadores em relação à mas-
sa de manobra, que foi jogada nas depre-
dações acreditando em fantasias mirabo-
lantes. O bolsonarismo usa de uma máqui-
na criminosa de manipulação, de menti-
ras, de fanatização e de ódio para conse-
guir os préstimos ilegais de gente simples
e humilde. Ao destruírem o patrimônio
arquitetônico dos prédios, obras de arte
e de cultura e representações da história,
os bolsonaristas assumiram a feição de um
Estado Islâmico tupiniquim, pois aquele
agrupamento terrorista destruiu a cida-
de histórica de Palmira e outras relíquias
do passado, estimulando o embrutecimen-
to, o anticulturalismo e a desumanização.

 
Ocorreram falhas graves na segurança
da República. Não era necessária a exis-
tência da Abin, do GSI, do Ministério da
Justiça, das inteligências das Forças Ar-
madas e das diversas polícias para saber
que os prédios públicos iriam ser invadi-
dos. Qualquer cidadão que se informas-
se pela imprensa e acompanhasse as re-
des bolsonaristas saberia disso. Os cida-
dãos pagam impostos para manter estru-
turas de segurança incompetentes, omis-
sas, quando não coniventes. Os chefes dos
Três Poderes precisam restabelecer o sen-
so de ordem, da validez da lei e de norma-
lidade. Caso contrário, o Brasil passará a
ser visto como um país politicamente ins-
tável, circunstância que prejudicará a sua
imagem no exterior, os investimentos e o
desempenho da economia. Se a situação
do País e do Estado encontrada pelo go-
verno Lula era difícil, agora ficou algo pior.

 
Faz-se necessário recuperar lo-
go a agenda social, econômi-
ca e ambiental, deixando o gol-
pismo para um plano secundá-
rio. Garantidos recursos para
os programas sociais, o gover-
no precisa, agora, dar uma demonstração
de competência e agilidade na área eco-
nômica. Somente a percepção de prospe-
ridade com sustentabilidade, inclusão e
bem-estar pode estabilizar mais rapida-
mente o ambiente político e reduzir as
tentações do oposicionismo radical.

 
Além das apurações das responsabi-
lidades, os Três Poderes deveriam criar
uma força-tarefa para sanear o País, tan-
to nas questões operacionais organiza-
cionais dos órgãos de segurança públi-
ca quanto no aperfeiçoamento da legis-
lação para proteger a democracia. É pre-
ciso coibir terminantemente o envolvi-
mento político, partidário e eleitoral dos
membros das forças militares e de segu-
rança. E é preciso criar uma quarente-
na para que integrantes dessas forças, do
Judiciário e do Ministério Público pos-
sam ser candidatos depois de deixarem
de exercer suas funções.

 
Os Três Poderes precisam também
criar um consenso acerca da necessida-
de de extirpar o artigo 142 da Constitui-
ção. Ele é a porta de entrada do golpis-
mo na democracia e no Estado brasilei-
ro. A Constituição democrática não po-
de abrigar um artigo que seja o seu algoz,
o seu cavalo de Troia, que seja uma ame-
aça permanente contra a ordem consti-
tucional e o Estado de Direito, que seja o
estandarte dos golpistas.

 
Sem a remoção do entulho autoritário
que ainda existe na legislação e sem uma
subordinação definitiva das Forças Arma-
das ao poder civil da República, a sombra
da ameaça golpista continuará se proje-
tando sobre o Brasil. Mas o Estado de Di-
reito só será defendido se valer o império
da lei e se o povo estiver organizado e mo-
bilizado para fazer valer seus direitos.

CARTA CAPITAL 

 

 

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