December 8, 2022

Entenda o que é emenda de relator, como funciona e o que está em jogo no STF

 

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  As emendas de relator, cuja legalidade será julgada pelo Supremo Tribunal Federal a partir desta quarta-feira (7), se tornaram nos últimos anos um instrumento essencial para barganhas políticas entre o Congresso Nacional e o governo federal.

No governo Jair Bolsonaro (PL), elas foram usadas para destinar bilhões de reais em verbas do Orçamento da União para bases eleitorais de deputados e senadores, com pouca transparência e sem critérios claros para distribuição do dinheiro.

Partidos de oposição moveram ações no STF (Supremo Tribunal Federal) com o argumento de que o sistema viola princípios da Constituição. Caberá ao tribunal examinar questões como a falta de transparência das emendas, os critérios usados pelo Congresso e o alcance dos seus poderes.

O que são emendas de relator?

São instrumentos usados pelo relator-geral da Comissão Mista de Orçamento do Congresso para destinar recursos federais a despesas de interesse de deputados e senadores.

A Constituição de 1988 autoriza o Legislativo a participar do processo orçamentário. Ela estabelece limites para atuação de deputados e senadores, mas permite que eles façam emendas na proposta orçamentária anual enviada pelo Executivo.

Cada congressista tem direito a apresentar emendas individuais, dentro de certos limites. Bancadas estaduais e comissões permanentes do Congresso também têm direito a emendas. A Constituição define critérios para essas emendas e obriga o governo a executar as despesas previstas por elas.

As emendas do relator são reguladas por normas internas do Legislativo, alteradas todos os anos. Essas regras ampliaram muito o campo de atuação do relator, autorizando o uso das suas emendas para financiar quase todo tipo de despesa. A execução dessas despesas pelo governo não é obrigatória.

Qual o problema?

Os recursos separados pelo relator no Orçamento são distribuídos durante o ano de acordo com indicações dos parlamentares, sem transparência e sem critérios claros para divisão do dinheiro. Elas têm sido usadas para favorecer deputados e senadores alinhados com o governo e a cúpula do Congresso.

No caso das emendas individuais e das bancadas, a Constituição estabelece limites para aplicação dos recursos, exigindo que a maior parte seja destinada à saúde, e restringe os valores das emendas a uma fatia das receitas federais, para evitar sua expansão sem controle. Não há nada parecido no caso das emendas de relator.

Além disso, hoje o relator do Orçamento continua trabalhando depois que o Orçamento é aprovado pelo Congresso e sancionado pelo presidente da República, interferindo o ano inteiro na execução das despesas ao definir onde os recursos reservados por suas emendas serão gastos, de acordo com as indicações que recebe.

Quando essas emendas foram criadas?

As emendas de relator existem desde que a Constituição de 1988 assegurou a participação do Congresso no processo orçamentário. Seu alcance foi ampliado durante o governo Jair Bolsonaro (PL), por iniciativa dos parlamentares e do Executivo.

Foi nesse período que se criou um código para identificação das emendas de relator na contabilidade oficial, o RP9. O código serve para facilitar o acompanhamento dos recursos destinados às emendas, dando aos congressistas maior controle sobre o fluxo do dinheiro.

Em 2019, Bolsonaro chegou a vetar um dispositivo inserido pelos parlamentares na Lei de Diretrizes Orçamentárias para criar o código RP9, mas três semanas depois enviou novo projeto de lei ao Congresso reintroduzindo o dispositivo

Qual o valor das emendas?

Desde a criação do código RP9, as emendas de relator destinaram R$ 53,5 bilhões a despesas de interesse de deputados e senadores. Como a execução dessas despesas não é obrigatória e está sujeita a negociações com o Executivo, nem todo esse dinheiro foi desembolsado. Até agora, R$ 28,9 bilhões foram pagos.

A proposta do Executivo para o Orçamento de 2023, ainda em discussão, reserva R$ 19,4 bilhões para emendas individuais e de bancadas e mais R$ 19,4 bilhões para as emendas do relator. Uma resolução aprovada pelo Congresso em 2021 limita o valor das emendas do relator à soma das emendas individuais e de bancadas .

Quem questiona a legalidade das emendas no STF?

Quatro partidos políticos moveram ações em 2021, sendo eles Cidadania, PSB, PSOL e PV. Segundo as ações, as emendas do relator violam os princípios constitucionais que exigem publicidade, impessoalidade e moralidade na administração pública.

Como será o julgamento?

O julgamento no plenário que reúne os 11 ministros do STF está previsto para começar nesta quarta-feira (7), e todas as quatro ações de inconstitucionalidade serão analisadas conjuntamente.

Uma das possibilidades é que a corte reconheça a legalidade das emendas, mas imponha limitações --por exemplo, determinando mais transparência e critérios mais claros para o uso dos recursos.

O julgamento poderá ser interrompido se um dos ministros pedir vista, para analisar melhor o assunto. Um pedido de vista suspenderia o julgamento por tempo indeterminado, até que o ministro devolvesse o processo ao plenário.

O que o STF já decidiu?

Em 2021, o STF determinou que o Congresso criasse um sistema para divulgação dos patrocinadores e dos beneficiários das emendas do relator. O sistema criado deu mais transparência às emendas, mas ainda oculta muitas informações.

Nas planilhas divulgadas pela Comissão Mista de Orçamento, cerca de um terço dos valores estão associados a "usuários externos", pessoas que são identificadas como responsáveis pelas indicações, mas em geral encobrem o envolvimento de parlamentares na alocação dos recursos.

Há desvios?

As emendas têm sido usadas para barganhas políticas entre o governo e a cúpula do Congresso, favorecendo aliados da base aliada do Planalto. Há suspeitas de fraude na execução das despesas, mas a falta de transparência dificulta o controle.

Boa parte dos recursos manejados pelas emendas foram destinados a obras de pavimentação executadas pela Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba), empresa estatal sob o comando do centrão.

Como a Folha revelou, modalidades de licitação simplificadas foram usadas para acelerar a liberação dos recursos, deixando em segundo plano o planejamento, a qualidade e a fiscalização das obras, e abrindo caminho para serviços precários, superfaturamento e corrupção.

 

FOLHA 

 

 

 

 

 

 

 

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