February 20, 2022

É a periferia, estúpido!



 Lula é favorito, mas a eleição não está ganha
A vitória precisará ser conquistada a partir de ampla mobilização nos becos e vielas. É preciso gastar a sola do sapato

POR GUILHERME BOULOS...

Em 1992, o economista James Carvill, integrante da campanha de Bill Clinton à Presidência dos EUA, resumiu o foco da vitória sobre George Bush com a seguinte frase: “É a economia, estúpido!” Sim, o cenário econômico foi decisivo para o descontentamento social que impediu a reeleição do presidente republicano. Famoso e usado à exaustão, o bordão ganha outro sentido nas eleições que enfrentaremos no Brasil este ano.  

Se fôssemos analisar os dados econômicos frios, Bolsonaro já estaria derrotado: PIB provavelmente negativo no ano eleitoral, desemprego elevado e inflação crescente. Mesmo quando houve algum crescimento econômico em seu governo, foi alicerçado no agronegócio, que gera poucos empregos e está voltado para a exportação. Pela economia, strictu sensu, a eleição estaria decidida. Isso sem mencionar a conduta criminosa do ex-capitão na pandemia, as suas constantes ameaças autoritárias e os escândalos com milicianos, orçamento secreto e rachadinhas.

De fato, todos esses fatores definem o

favoritismo de Lula, atestado em qual-

quer pesquisa de opinião. Nem precisa-

ria do Datafolha. O Data Boteco, o cli-

ma nas ruas e nas redes sociais, reve-

la uma mudança de ventos contra Bol-

sonaro e a favor do ex-presidente, que

renasce como uma Fênix após anos de

linchamento público e uma prisão po-

lítica de quase dois anos.


Insisto, porém, em um ponto que

tenho martelado em todas as conver-

sas políticas: o jogo não está ganho. A

disputa será mesmo, ao que tudo indi-

ca, contra Bolsonaro. Nenhum nome da

chamada terceira via – a começar pelo

patético Sergio Moro, ex-ministro do ca-

pitão – demonstra condições de cresci-

mento eleitoral. Mas é justamente Bol-

sonaro que, apesar da aparência de ca-

chorro morto, pode crescer onde hoje as

pesquisas menos indicam: o eleitorado

popular, nas periferias do Brasil.


Pode parecer um contrassenso, dada

a popularidade de Lula entre os mais

pobres e, particularmente, no Nordes-

te. Mas não é. Seria um erro grosseiro

subestimar o efeito de um auxílio de

400 reais para 18 milhões de famílias

brasileiras que se encontram na extre-

ma pobreza. Não é pouca coisa em tem-

pos de vacas magras. O benefício pode

representar a diferença entre comer ou

não, entre ser despejado ou conseguir

pagar o aluguel.


Que o Auxílio Brasil seja uma jogada

eleitoreira, que tem prazo de validade

no fim do ano; que a fome, a inflação e

a estagnação econômica foram produ-

zidas pela política deste mesmo gover-

no; tudo isso, quem está no calor da luta

política sabe, mas pode não surtir tan-

to efeito diante da sensação de melhora

de vida para milhões de pessoas atira-

das no desespero. Isso sem mencionar

as centenas de pequenas obras, espa-

lhadas pelo País, fruto do retalho do in-

vestimento público pelo orçamento se-

creto, destinado a parlamentares com-

prometidos com o governo. A propósi-

to, pesquisas internas que partidos têm

feito nas últimas semanas apontam um

crescimento de Bolsonaro precisamen-

te neste setor da sociedade.


Enquanto a mídia e a maior parte das

forças partidárias focam suas atenções

na superestrutura do debate político –

federações, coligações, montagem dos

palanques etc. –, pode estar em curso, si-

lenciosamente, uma recuperação relati-

va de Bolsonaro nas periferias urbanas e

no interior do País. Repito, não há dúvi-

das de que Lula seja o favorito para ven-

cer as eleições de outubro, mas a vitória

precisará ser conquistada a partir de am-

pla mobilização e diálogo nas periferias.


Mais que nunca, essa campanha exigi-

rá engajamento muito além de jogadas

espertas de marqueteiros profissionais.

Será uma batalha de becos e vielas,

a envolver os meios de comunicação e

as redes sociais, mas também bastante

sola de sapato e militância. A eleição de

2022 será uma guerra, em um país con-

flagrado. Aos que acham que o jogo está

resolvido; aos que imaginam que com-

posições partidárias e gestos ao cen-

tro sejam suficientes para levar a fatu-

ra, vale parafrasear o batido slogan de

James Carvill, realocando no centro da

nossa batalha: é a periferia, estúpido! •


cartacapital.com.br


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