Levantamento revela ligação de 80 agentes de forças de segurança com a milícia de Ecko
São pelo menos 51 PMs, 16 ex-PMs, sete policiais civis, cinco agentes
penitenciários e um ex-policial civil; miliciano, que nunca foi
policial, foi morto durante operação no último dia 12
Carolina Heringer e Rafael Soares
Apesar de nunca ter sido policial, Wellington da Silva Braga, o Ecko,
chefe da maior milícia do Rio morto durante operação da Polícia Civil no
último dia 12, tinha uma farda da PM. A vestimenta " que ostentava a
patente de capitão na manga e a inscrição Braga, com o tipo sanguíneo A+
no peito " foi apreendida por policiais civis num armário da casa onde o
miliciano foi encontrado, em Paciência, na Zona Oeste do Rio. Segundo a
polícia, Ecko usava a farda para se locomover sem ser reconhecido. O
"capitão Braga" tinha uma tropa sob seu comando: um levantamento feito
pelo GLOBO em processos judiciais, inquéritos policiais e boletins
internos da Polícia Militar identificou 80 agentes egressos de forças de
segurança acusados ou investigados por integrarem ou se associarem à
milícia de Ecko.
Ao todo, 51 PMs " 45 da ativa e outros seis
reformados " são investigados ou foram acusados, ao longo dos últimos
cinco anos, por ligação com o Bonde do Ecko. Outros 16 agentes que já
foram expulsos da PM também aparecem no levantamento. Pelo menos dois
policiais egressos da corporação ocupavam cargos de destaque na
hierarquia da quadrilha: o ex-PM Carlos Eduardo Benevides Gomes, o Benê,
e o sargento Antonio Carlos de Lima. Os dois são apontados como
lugares-tenentes de Ecko em Itaguaí, na Baixada Fluminense, para onde a
milícia se expandiu e fundou uma espécie de franquia em 2018.
Benê
foi expulso da PM após ser preso portando uma arma em situação irregular
num bar, em 2008. A partir de então, passou a trabalhar em tempo
integral para o grupo paramilitar. Já o sargento Lima era um agente
duplo: de serviço, dava expediente no 27º BPM (Santa Cruz), responsável
por patrulhar a região que virou a base da milícia de Ecko; na folga,
ajudou a quadrilha a invadir Itaguaí. Lá, Benê e Lima replicaram o
modelo que garantiu o domínio da maior parte da Zona Oeste por Ecko:
cobranças de taxas a moradores, assassinatos de adversários e exploração
da venda de gás, gatonet e transporte alternativo.
A investigação da
Polícia Civil e do Ministério Público que culminou na denúncia de Benê e
Lima à Justiça, em 2018, também identificou outros integrantes das
forças de segurança dentro do grupo. O agente penitenciário Adenilson
Santos de Trindade é apontado como o antigo chefe da milícia local que
perdeu o comando ao se aliar ao grupo de Ecko após sua chegada a
Itaguaí. Já oito PMs do 24º BPM (Queimados), batalhão responsável pela
área de Itaguaí, são citados ao longo do inquérito como responsáveis por
intimidar as vítimas de extorsão do grupo. A denúncia do MP contra o
grupo aponta que a "aliança com forças policiais" permitia que a milícia
atuasse com "liberdade e desenvoltura". Segundo o documento, entre o
fim de 2014 e o de 2018 a PM não realizou qualquer prisão em flagrante
de integrantes da milícia em Itaguaí.
Lima e Trindade foram
condenados e estão presos " o segundo, em regime domiciliar. Ambos ainda
não foram expulsos de suas corporações e continuam recebendo salário.
Já Benê morreu em uma troca de tiros com policiais civis na Rodovia
Rio-Santos, em outubro do ano passado. Ao fim da investigação, os oito
agentes do 24º BPM não chegaram a ser denunciados e seguem trabalhando
normalmente.
Outra investigação revelou a participação de PMs em
outra franquia da milícia de Ecko, a que atua nos bairros Ouro Verde e
Jardim Canaã, em Nova Iguaçu, também na Baixada. Segundo um inquérito da
Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense que levou às prisões de
seis PMs, o chefe do bando é o soldado Igor Ramalho Martins, lotado na
UPP São João. Uma mensagem enviada por Igor a um comparsa revela que a
milícia de Ecko fornece munição à filial.
Numa discussão sobre a
quantidade de cartuchos que o bando tem à disposição, em janeiro de
2020, Igor afirma que "de 9mm, temos 12 caixas aqui, 6 mil munições que
pegamos com o Tandera" " referência a Danilo Dias Lima, ex-braço direito
de Ecko. O PM está preso desde o ano passado, mas segue na corporação.
Cinco
dos agentes identificados no levantamento tinham como função prover
segurança aos chefes da milícia. Um deles é o ex-sargento PM Fabiano da
Cunha Lamarca, preso em flagrante, em outubro de 2015, atuando como
guarda-costas de Luís Antônio da Silva Braga, o Zinho, irmão de Ecko,
hoje cotado para assumir a chefia da milícia.
pm como segurança
Na
ocasião, Lamarca foi capturado por policiais civis do lado de fora de
uma barbearia em Paciência, onde o chefe era atendido. O sargento, na
época ainda na ativa, admitiu que fazia segurança do miliciano. Zinho
também confirmou a versão, mas negou sua participação na milícia:
afirmou ser empresário e disse ter resolvido andar com seguranças por
ter medo de ser roubado.
Em 2017, Lamarca foi condenado a 15 anos de
prisão por porte ilegal de arma de fogo de uso restrito e por integrar
organização criminosa. Ele chegou a ficar preso, mas hoje recorre da
sentença em liberdade.
Há também policiais civis na lista. Em 2018,
um delator contou ao MP que agentes da 36ª DP (Santa Cruz), cobraram
propina de Zinho, para não prendê-lo em flagrante por desmatamento
ilegal de um terreno. Zinho argumentou que a milícia pagava propina
semanalmente à delegacia. Os agentes foram presos na Operação Quarto
Elemento.
Procurada, a PM alegou que os agentes citados que ainda
seguem na corporação respondem a Conselho de Disciplina e podem ser
expulsos. A Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) afirma que o
agente Adenilson Santos de Trindade responde a processo administrativo
disciplinar. A Polícia Civil informou que os policiais citados respondem
a processos administrativos disciplinares.
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