August 20, 2020

Monstros no poder

 

 

 

ESTHER SOLANO

 Ao pensar nas propostas de Pau-
lo Guedes para enfrentar a cri-
se econômica derivada do co-
ronavírus, que basicamente se resu-
mem a aproveitar o momento para en-
fiar o Estado mínimo garganta abaixo
dos brasileiros, lembrei-me de uma fra-
se que ele mesmo disse durante um pai-
nel do Fórum Econômico de Davos, em
janeiro deste ano: “O grande inimigo do
meio ambiente é a pobreza... os pobres
destroem porque estão com fome”.
São aquelas declarações que é preci-
so ler duas vezes no jornal, de tão bes-
tiais. Mas são possíveis, bem possíveis.
Bem pensado, as bestas dizem bestiali-
dades, nada mais lógico. Desta vez pode-
mos mudar “meio ambiente” por “pande-
mia”. Guedes deve pensar também que os
pobres que vão morrer por coronavírus o
farão porque pobre é assim mesmo, pre-
fere morrer a viver.


A violência das palavras às vezes é
mais dura do que a violência dos punhos,
pois as palavras criam história. As pala-
vras, quando repetidas com muita fre-
quência, acabam por criar uma verdade.
Uma fake news repetida continuamen-
te acaba virando realidade. Para os bol-
sonaristas-raiz é verdade que o confina-
mento é coisa de rico e que o Estado não
deve se preocupar com os custos econô-
micos do isolamento social, isolamento
este que é a única forma que conhecemos
até agora de lutar contra a pandemia. O
auxílio emergencial de 600 reais é coisa
de comunista.


A verdade de Guedes é que a pobreza
e os pobres são a causa dos problemas do
Brasil. Não a desigualdade, a onipotência
das grandes empresas e fortunas, tam-
pouco as reformas neoliberais que ele for-
mula. Essas são as soluções. Eu me per-
gunto se pessoas como Guedes, que de-
fende esses argumentos, acreditam real-
mente nelas ou simplesmente replicam
um discurso “economicamente correto”,
a ser seguido custe o que custar, por ser
favorável a elas mesmas, embora saibam
tratar-se de uma mentira. Seja qual for a
opção, é de uma indecência astronômi-
ca defender essas ideias num país como
Brasil, e mais indecente ainda gerir um
Ministério da Economia com base nelas.
Políticos, funcionários públicos na ver-
dade, todos aqueles que cumprem fun-
ções de Estado deveriam passar por uma
prova, um tipo de teste psicotécnico de
empatia. Não deveria ser permitido que
um agente público não tivesse um míni-
mo de sensibilidade social. Um teste no
qual Bolsonaro e seus súditos tirariam
nota zero, obviamente. Em vez de co-
ração, eles têm uma batata, podre ain-
da. Os agentes do mercado, para isso,
são o máximo expoente da insensibili-
dade social. Se Bolsonaro e Guedes, apro-
vada a reforma da Previdência, consegui-
ram emplacar as privatizações e a dimi-
nuição do gasto público, quem se impor-
ta com o aumento da violência, com os
recordes de miséria e desigualdade, com
o desmonte das políticas de direitos hu-
manos, com a fascistização da vida e da
política? Dizem que a justiça é cega, mas
sabemos que, na verdade, ela olha muito
bem, só que sempre olha para o mesmo
lugar. Muito mais do que cega, seria ves-
ga. O mercado, me parece, não é exata-
mente cego, mas psicopata, não dá a mí-
nima por nada que não sejam índices de
Bolsa, dólar, lucro, investimento. O mer-
cado é o mais parecido a um serial killer
que conheço. Com certeza, Guedes disse
essa brutalidade em Davos e depois foi al-
moçar e dormir com a maior calma e sos-
sego, talvez até inconsciente do tamanho
da atrocidade que saiu da sua boca, pois,
de tanto repeti-las, perdem o seu horror...
e se transformam em verdade.


Guedes e Bolsonaro, ser fascistoide é
uma merda, ser fascistoide e débil men-
tal é uma grande sacanagem do universo.
O monstro no poder parece que ganhou
uma espécie de Mega Sena da natureza às
avessas. O sujeito foi premiado com um
monte de deformidades emocionais, as
piores. E os filhos? Nem se diga. Esses fo-
ram premiados com várias Mega Senas.
Vocês acham que eles se importam com
que morram brasileiros por causa da
pandemia? Para se importar com a mor-
te alheia é preciso ter sensibilidade, com-
paixão, sofrer a dor dos outros. Tudo is-
so é humano demais para eles.


São estas as circunstâncias atuais.
Somos governados por monstros. Somos
governados por monstros que em vez de
coração têm batatas podres, rochas, cas-
calho. Só que os monstros não se matam
com palavras suaves ou melodias. Os
monstros se matam com um golpe for-
te, contundente, sem vacilar, sem hesitar,
sem tremer a mão. Estamos preparados
para matar os monstros de uma vez? •


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