July 2, 2020

O NOSSO LADO GIL

 CORA RONAI


A toda hora alguém escreve — e outros tantos alguéns leem — que só a arte salva. Sabemos que é verdade. Todos já fomos salvos por um poema numa hora de necessidade, por uma boa música num momento ruim. Poucas vezes, porém, se viu exemplo tão perfeito do poder de redenção da arte quanto na live de Gilberto Gil que foi ao ar sexta-feira passada e que, durante quase duas horas, fez brilhar de novo o Brasil de que tanto sentimos falta — um país hospitaleiro e alegre, generoso e humano, que talvez nunca tenha existido de verdade, mas cuja imagem carregamos no coração.

Gil em família, se apresentando com Nara, Preta, Bem e José (mais Bela fazendo as honras da casa), cantando e explicando xotes, baiões e xaxados, com Jorginho Gomes na zabumba e o sanfoneiro Mestrinho, o palco improvisado no sítio em Araras, luzes e bandeirinhas de São João: coisa que, se a gente ouve no estrangeiro, desata a chorar de saudade desesperada.

Estávamos, ao contrário, todos em casa, bem trancados pela quarentena, ainda que ilhados neste Brasil hostil e esquisito que nos espanta várias vezes por dia, todos os dias, fechando a semana com mais uma live perdida num mar de lives, quem é que ainda aguenta lives?

A questão é que, há tempos, Gil deixou de ser apenas Gil.

“Apenas Gil” é uma contradição em termos, mas Gil é mais do que jamais foi, o homem que viu tudo antes de todos, a suavidade em pessoa, o sábio da tribo.

Ver Gil não é bem “ver Gil”; é algo mais perto do “darshan” dos hindus, uma palavra que define o sentimento que se tem diante dos gurus.

De modo que a live começa como começam todas as lives, mas logo nos leva emocionalmente para um lugar melhor do que aquele em que estamos. O Brasil da live do Gil é um endereço superior, um espaço de tal felicidade que, horas depois de terminar, ainda estamos lá, sorrindo, as músicas nossas velhas conhecidas tocando na alma.

O sentimento foi geral.

Minha amiga de Facebook Rubia Coelho, por exemplo, deixou um recado: “Já que você consegue falar com ele, diga-lhe que somente hoje, depois destes quase cem dias de tristeza, pude ficar tão feliz que estou chorando! Dancei o tempo todo! Cantei, me emocionei e queria muito agradecer o bem que ele me fez!”. Jaqueline Oliveira e Lucila Vigneron Villaça confirmaram que se sentiram exatamente assim. Mas de alto a baixo a internet reafirmava essa onda de alegria em milhares de comentários emocionados: “Maravilhosa! Dancei aqui, cantei junto todas as músicas e, por uma hora, esqueci das trevas”, “Foi minha festa junina!”, “Que saudade do meu Brasil!”, “Maravilhosa, emocionante, massagem no coração!”, “Esse é o nosso país!”, “O ar ficou até mais leve! Ainda existe o meu Brasil!”, “Trouxe uma alegria meio perdida, motivo de orgulho para nós brasileiros!”, “ Que presente maravilhoso que ele deu para todos nós!”.

Muito obrigada, querido Gil.

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