May 1, 2020

Abraço, cerveja, som do mar: na quarentena, do que o carioca sente mais saudade?

A professora Luciana Ribeiro: saudades da Praça Quinze, no Centro do Rio Foto: Reprodução

David Barbosa
O Globo

 Do mate refrescante bebido na areia quente ao cheiro salgado de maresia no pôr do sol do Arpoador, muitas são as sensações que já deixam o peito do carioca apertadinho de saudade. Mas, após mais de um mês de quarentena, do que o Rio sente mais falta? Para responder à pergunta, um estudo da ESPM perguntou quais ausências são mais sentidas no cotidiano da cidade, a partir de cinco categorias de estímulos sensoriais: visão, som, toque, cheiro e sabor. O resultado da pesquisa é taxativo: de acordo com 84% dos participantes, a maior saudade do carioca é abraçar. Foram ouvidas 403 pessoas, entre 12 e 21 de abril.


Morador de Curicica, o supervisor de recepção Pyero Martins, de 25 anos, é um dos que não veem a hora de dar aquele abraço na avó que o criou. O esquecimento provocado pela idade faz dona Therezinha ligar continuamente para o neto, cobrando o beijo na testa que, há quase um mês, não chega em seu portão, em Guadalupe:

— Ela esquece que não podemos nos ver por causa da quarentena, então telefona reclamando. Somos muito ligados, porque moramos juntos por mais de 20 anos, desde que nasci. Ia lá uma vez por semana e, toda vez que chegava ou ia embora, eu lhe dava um beijinho. Sinto falta da textura da pele dela — conta ele, que viu a família pela última vez na Páscoa.

Realizado com 403 pessoas que moram ou trabalham na cidade do Rio, com a opção de mais de uma resposta por categoria, o estudo da ESPM também descobriu que 69% dos participantes sentem saudade do afago das mãos de pais e avós.


Por outro lado, 49% dizem que as aglomerações em transportes públicos representam o “toque” que menos faz falta no dia a dia dos isolados.

Acostumados à exuberância da capital, os olhos de 69% dos cariocas sentem a ausência do verde da natureza. Há um mês sem sair do apartamento onde mora com a filha em Campo Grande, na Zona Oeste —  “a não ser para o essencial”, ressalta —, a professora universitária Luciana Ribeiro, de 42 anos, não aguenta mais chegar à janela e dar de cara com a parede do vizinho. Entretanto, não é das matas que ela sente falta, mas, sim, de um dos cenários mais corriqueiros da cidade: a Praça Quinze, no Centro.

— Costumava atravessar a baía três vezes por semana para ir às aulas do mestrado, em Niterói. Depois de pegar van e trem lotados, e de abrir caminho a pé no aperto da Uruguaiana, era uma respiro chegar à praça Quinze, àquele espaço enorme, aberto. Para completar, da barca, eu ainda podia ver o pôr do sol — suspira a professora.


Com menos gente na rua, o barulho da cidade também mudou. 56% dos cariocas dizem não sentir nenhuma falta das buzinas e motores de carros. Mas, para quem gostava de relaxar ao som do mar, é difícil suportar o confinamento em casa. É o caso da estudante Thuany Araújo, de 22 anos, que, como 34% dos participantes da pesquisa, diz estar louca para ouvir de novo o marulho das ondas.

—  É um som que me traz muita paz. Sou muito ansiosa, mas, quando ouço o mar, lembro que o mundo é muito maior que as minhas preocupações — afirma com carinho a moradora de Pilares, que costumava mergulhar na Praia do Leme todos os finais de semana com a namorada.

Segundo pesquisadora, cariocas têm 'fome sensorial'

Uma das responsáveis pela pesquisa, a doutora em Comunicação Ana Erthal explica que o estudo se baseou no conceito de “fome sensorial”, utilizado na Psicologia. O termo descreve a saudade que pessoas que passaram por algum tipo de confinamento compulsório, como presos ou pacientes internados por longos períodos, sentem de coisas que costumavam ver, comer ou ouvir, por exemplo. É o que tem acontecido com o morador do Rio:

— O carioca tem essa relação diferente com a cidade. Ee gosta de ser nascido aqui, de morar aqui. A pesquisa aponta isso: 80% concordaram total ou parcialmente com a frase “eu amo viver/ trabalhar no Rio”. Quando a população não sente esses estímulos urbanos, como é o caso da quarentena, vem essa saudade de sensações cotidianas — explica.


É o que acontece com os cheiros: 52% dos cariocas relatam sentir falta do aroma de uma bela fornada de pães quentinhos. Já a pipoca do cinema deixa 41% suspirando pelos cantos. Mas para o funcionário público Felipe Lyrio, de 37 anos, lembrança olfativa mesmo é a da “comida de boteco”.

— Sabe aquela batata que você pede na terceira cerveja com o pessoal? É um cheiro de reunião, que não dá para associar à solidão porque você está sempre acompanhado quando sente. Na quarentena, o que mais pesa é estar sozinho. Mesmo que você peça cerveja em casa, o cheiro da comida do boteco só tem lá — brinca o morador do Cachambi.


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