September 18, 2019

Opção por Aras mostra que bolsonarismo duro não está imune a fissuras

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Fábio Zanini

"Pequeno dia", escreveu o youtuber católico Bernardo Kuster ao comentar a indicação de Augusto Aras para procurador-geral da República.

No mundo virtual da direita, em que Kuster é representante destacado, poucas coisas são mais sintomáticas do que fazer troça com "grande dia", o grito de guerra dos bolsonaristas quando alguma coisa bem conservadora é anunciada pelo presidente.
Outros membros do gueto foram além. Italo Lorenzon, do site Terça Livre, fez uma analogia com a facada que quase matou o presidente. Disse que Bolsonaro resolveu comemorar um ano do atentado cometendo um "suicídio político". "Eu espero, sinceramente, que esse Aras esteja na coleira", declarou.
Já o professor olavista Rafael Nogueira demonstrou incompreensão e deixou claro que a opção de grande parcela dos conservadores era outra. "Tendo Bonifácio para escolher, por que Aras? Não entendo", afirmou, em referência ao subprocurador Bonifácio de Andrada, católico da linha conservadora.
Não é comum expoentes do bolsonarismo duro, aquele que resiste à queda de popularidade do presidente, mostrarem desconforto tão abertamente com as escolhas de seu líder.
Algo próximo esboçou-se na indicação de Eduardo Bolsonaro para a embaixada em Washington (EUA), mas o impacto agora foi incomparavelmente maior. A ponto de o presidente vir a público pedir um voto de confiança a seus comandados digitais.
Do que o governo menos precisa agora é uma nova camada de direitismo se descolando de seu discurso. Oito meses depois da posse, a estratégia de sobrevivência política do ocupante do Planalto é clara: primeiro, vilanizar a esquerda e desprezar as pontes com o centro.
Depois, fazer uma cisão na direita. Aquela mais crítica não aguenta o estilo do presidente, mas permanece ligada de alguma forma ao governo por políticas setoriais, do liberalismo de Paulo Guedes à agenda pró-desmate de Ricardo Salles, passando, claro, pelo lavajatismo ainda identificado com Sergio Moro.
Daqui a três anos, aposta Bolsonaro, o espantalho da esquerda pode funcionar de novo e trazer de volta parte dos que se descolaram, levando-o à reeleição.
Resta a direita bajuladora, e essa é a mais incomodada com a opção por Aras, pois aprendeu com o próprio capitão a rejeitar qualquer um que tenha usado uma camisa vermelha na vida. Ela não entende como alguém que confraternizou com petistas pode ter sido escolhido para um cargo tão importante.
Se perder apoio dentro de seu público cativo, Bolsonaro corre riscos, e alternativas no antipetismo podem começar a parecer mais palatáveis, seja João Doria, Wilson Witzel ou o próprio Moro.
A vantagem para o presidente é que ele sabe a importância de influenciar o debate nas redes e agiu rapidamente, numa estratégia de contenção de danos que se mostrou bem-sucedida.
Algumas horas depois do choque com o anúncio do presidente, grande parte do seu séquito já se mostrava mais calma e disposta a dar um voto de confiança sobre a escolha. 
"Vamos acompanhar atentos as decisões de Augusto Aras e torcer para que ele seja um homem de palavra", disse Davy Fonseca, do site bolsonarista Conexão Política.
Como costuma acontecer, ajudou muito na calibragem do discurso a tese de que se a esquerda fala "a", a direita tem o dever de dizer "b". Tuítes críticos a Aras de parlamentares como Marcelo Freixo (PSOL) e Erika Kokay (PT) caíram como um álibi perfeito.
"Não concordo 100% nem comigo mesmo, por isso, posso discordar do presidente @jairbolsonaro e o continuar apoiando. Uma certeza: não vou jogar o jogo da esquerda", escreveu o jornalista e teólogo Daniel Lopez. ​

Por ora, o estremecimento parece ter sido contornado, mas mostrou que o bolsonarismo não é à prova de fissuras. Outros testes virão, e o próximo pode envolver outro ídolo deste público, um ex-juiz de Curitiba.

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