June 27, 2019

Olhos que condenam


Geovani Martins Foto: OGlobo



Nunca me esqueço do esporro que levei de um professor de Geografia. Diante da bagunça generalizada na sala, ele explodiu. Da janela, apontava em direção ao Santo Agostinho e dizia: “Vocês querem saber a real? A real é que vocês tão aqui na escola se preparando pra serem empregados dos alunos daquela escola ali. E, se vocês continuarem com esse comportamento, eu sinto dizer, mas vocês estarão cumprindo esse plano traçado por eles.”
Esse foi um momento-chave na minha vida e, desde então, a cena vive me visitando. Nestes dias, o que me fez lembrar foi uma matéria que li no jornal “O Dia”, em que Lorenna Vieira, namorada do DJ Rennan da Penha, afirmava que o companheiro passava os dias na prisão ouvindo rádio e que não quer mais tocar em baile.
Rennan é um desses jovens que conseguiram fugir do que era esperado pra ele. Com apenas 25 anos, o DJ se destacou como um dos principais personagens do universo do funk e, consequentemente, da música brasileira. Rennan é conhecido por popularizar o funk em 150bpm (batidas por minuto). Graças a essa inovação, novos formatos de bailes foram criados, e o funk carioca, depois um período de destaque do funk paulista, voltou a chamar atenção. O Baile da Gaiola, idealizado por Rennan, se transformou no maior baile funk do Rio, reunindo milhares de pessoas por semana.
Agora Rennan da Penha está preso. O jovem é acusado pela Justiça de ser olheiro do tráfico. Segundo a polícia, o DJ seria responsável por avisar aos traficantes quando a polícia estivesse chegando. As provas apresentadas são mensagens em grupos de WhatsApp. Qualquer pessoa que viva numa favela sabe que avisar em grupos a chegada da polícia se tornou uma prática comum entre moradores. Só quem não tem medo de polícia nesta cidade é quem se sente protegido por ela. Realidade muito distante da vida dos moradores de favela
Além da acusação de olheiro, pesa contra Rennan a acusação de fazer apologia às drogas e, com isso, criar uma “armadilha”, atraindo pessoas a consumirem drogas no Complexo de Alemão. Ambas as acusações são típicas de um estado racista, que, apesar da existência de uma lei que garanta o funk como movimento cultural, não consegue enxergar a coisa fora da ótica da criminalidade. Um estado que é incapaz de perceber que o baile movimenta a economia dos morros e favelas, e portanto, da cidade, do país. O baile funk movimenta dinheiro nos bares, salões de beleza, farmácias, lojas de roupas, entre outros.
Em qualquer baile funk há venda e consumo de drogas. Assim como em qualquer boate da Zona Sul carioca. Qualquer um que vá ao Baixo Gávea quinta-feira consegue comprar cocaína, LSD, MD, haxixe e muito mais. No entanto, não há operação policial, nem o poder público pensa em fechar os comércios que sustentam aquela reunião.
A maior apreensão de fuzis na história da cidade do Rio de Janeiro foi feita num apartamento na Barra da Tijuca. No dia em que vi essa matéria sobre Rennan, li também sobre a absolvição do dono do apartamento onde foram encontrados os 117 fuzis. Rennan, apesar das frágeis acusações e de ser réu primário, segue preso. Lembrei de novo da cena na escola. Meu professor só esqueceu de nos dizer que eles sempre têm um plano B.

GEOVANI MARTINS


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