June 1, 2019

Ex-ministros e órgãos ligados a ciência e meio ambiente questionam redução do Conama

Conama discutiu resoluções como o licenciamento ambiental para empreendimentos que usam energia eólica Foto: Carlos Barria/Reuters/15-9-2013


Renato Grandelle

Instituída por um decreto presidencial nesta semana, a redução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) de cem para 21 integrantes provocou protestos entre ex-ministros , acadêmicos e membros da sociedade civil, que questionam se o colegiado conseguirá conduzir seus trabalhos diante de seu enxugamento.

Com a reforma, órgãos com ligação estreita com o meio ambiente, como o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade ( ICMBio ) e aAgência Nacional de Águas , perderam seus lugares. Também não há mais assentos para o Ministério da Saúde e entidades ligadas a questões indígenas. Os estados deixaram de ter um representante cada — agora, serão apenas cinco vagas, uma por região geográfica. Os municípios, que contavam com oito assentos, terão dois, e sempre de capitais — uma medida criticada, já que desconsidera o interior.

Antes com oito vagas, as confederações de atividades econômicas terão apenas duas. E a representação da sociedade civil passou de 21 pessoas para quatro.
— A nova estrutura do Conama reduz a representação de segmentos da sociedade, sua capilaridade e transparência — critica José Sarney Filho, ministro do Meio Ambiente nos governos de FHC e Michel Temer.
O ex-ministro avalia que o colegiado é uma “caixa de ressonância, um Parlamento ambiental do país”.
— Nunca foi um órgão radical, porque tinha representantes da indústria, pecuária, estados, municípios, sociedade civil.
Criado em 1981, durante a presidência de João Figueiredo, o Conama esteve à frente de pontos cruciais da política ambiental do país. Por seu plenário passaram assuntos como o controle das emissões de poluentes de automóveis e orientações sobre a presença de substâncias químicas no solo.
O colegiado também definiu modos de recuperação das áreas de preservação permanente, determinou o licenciamento ambiental para setores econômicos, como a aquicultura, e também para empreendimentos que usam energia eólica. Estabeleceu critérios para uso e manejo da fauna silvestre e, também, o modo de inspeção de indústrias que utilizam produtos madeireiros.

Interferência ideológica

Antes mesmo da posse de Jair Bolsonaro , seu grupo de transição afirmou, em um documento, que o colegiado delibera suas pautas “emocionalmente, sem a devida técnica, sujeitando-se a interferências de ordem ideológica e corporativista pouco afetas à política de Estado”.
No entanto, a justificativa apresentada nesta semana para alterar a estrutura do Conama foi “garantir o princípio da eficiência administrativa para tornar mais objetivos e com melhor foco de atuação os trabalhos desenvolvidos em plenário, bem como nos grupos temáticos”.

O Ministério do Meio Ambiente (MMA) alega que a redução do conselho implicará em uma economia de 80% nos gastos com passagens e diárias dos membros que precisam se deslocar para as reuniões. A pasta banca as despesas de 19 integrantes do Conama. O valor absoluto economizado não foi divulgado porque, segundo a assessoria de imprensa do MMA, “varia em função da época do evento”.
O ex-ministro Carlos Minc , que esteve à frente do Meio Ambiente no governo Lula, considera que, ao contrário do apregoado pelo governo, a nova configuração do Conama não mantém a proporcionalidade de cada setor:
— Os órgãos ambientais eram uma minoria representativa, que não podia ser ignorada. Agora, no entanto, serão um fragmento simbólico, servirão apenas como carimbadores das decisões antiecológicas do governo — lamenta. — Em dois anos no ministério, fui pelo menos 20 vezes ao Conama para debater diversas questões, do Fundo Amazônia a bacias hidrográficas.
Ex-presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, Cláudio Maretti pondera que, se o problema do conselho era a falta de eficiência, o governo poderia ter debatido alternativas dentro do próprio colegiado.
— O ICMBio administra unidades de conservação que equivalem a 15% do território nacional. É um órgão fundamental para a discussão da política de meio ambiente — defende. — Nele estão centrados temas como a água que abastece as cidades e a sobrevivência de pelo menos 70 mil famílias de comunidades tradicionais.
Presidente de honra da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência — órgão excluído na nova configuração do Conama —, Helena Nader avalia que a saída de membros da academia é um sinal de negligência à “excelência científica”.
Helena lembra que o Brasil foi sede da Rio 92, que foi o berço das convenções sobre biodiversidade e mudanças climáticas, e da Rio+20, onde foram estabelecidos os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Somados, eles estabelecem cerca de 500 metas, em que o meio ambiente interage com diversos setores.
— O Brasil passou a ser respeitado internacionalmente porque aprendeu a conciliar a atividade agropecuária com a sustentabilidade. O Conama é uma instituição-chave para a economia. É onde se estabelece um diálogo entre pessoas de alto conhecimento. E, sem diálogo, ninguém governa.

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