April 15, 2019

OS VERDES GENERAIS CONTRA OS ROSA E AZUIS CONSERVADORES

O general Augusto Heleno teve uma conversa dura com o presidente Bolsonaro. Foto: Jorge William / Agência O Globo

GUILHERME AMADO


Marco Feliciano está magoado. Damares Alves, preocupada. Ernesto Araújo, que tanto fez para chegar lá, tem estado com os nervos à flor da pele. A razão do clima pesado de Feliciano, Alves e Araújo é uma só: a facção mais conservadora do governo Bolsonaro está convencida de que há “método e orientação” por parte de alguns generais do Exército, reformados e da ativa, para “ocupar de forma estratégica o governo”. Já os verdes-olivas diagnosticaram que há um risco de retrocesso em áreas estratégicas para o Brasil — política externa, educação e meio ambiente — se os ultraconservadores sem experiência de gestão continuarem onde estão. Achismos à parte, o fato é que, bem antes de completar seus 100 dias iniciais, o “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” rachou. O nacionalismo dos militares não acredita mais na pregação religiosa dos conservadores. E vice-versa. Fardados e pastores têm travado batalhas diárias nas surdinas de Brasília para saber por qual deles o coração de Bolsonaro bate mais forte. E é todo dia mesmo. Nem a Carnaval essa turma teve direito.
Na segunda-feira de Carnaval à noite, Damares Alves botou seu costumeiro terninho preto e foi comer um nhoque numa cantina de massas da Asa Sul, região nobre de Brasília, com o ministro do Tribunal Superior do Trabalho Ives Gandra Martins Filho, provavelmente o integrante mais conservador da cúpula do Judiciário nacional. À mesa, estava também a irmã de Ives, Angela Gandra Martins, nomeada em janeiro para a Secretaria da Família, uma pasta criada pelo governo Bolsonaro dentro do megaministério dos Direitos Humanos, comandado por Alves. Ficaram quase três horas juntos. Alves desabafou com os Gandra Martins: o projeto de dar uma injeção de conservadorismo no Estado brasileiro está ameaçado. Segundo contou aos dois, diversos temas caros aos conservadores estão sendo colocados de lado devido a algumas ameaças. A imprensa seria uma delas. Mas a principal mesmo seriam os militares. Ives só ouviu e teceu poucos comentários, sempre num tom de voz mais baixo que o de Alves, que, na maior parte do jantar, não se preocupou se alguma mesa ao lado lhe ouvia.
O ministro e Alves se aproximaram de janeiro para cá, quando foram apresentados por Angela, e vêm se tornando amigos. Ele, um dos mais poderosos integrantes da Opus Dei no Brasil. Ela, uma evangélica devotada, fiel da Igreja Batista da Lagoinha, em Belo Horizonte. Ambos concordam em quase tudo na agenda ultraconservadora que, em parte, foi responsável pela eleição de Bolsonaro. Querem o endurecimento penal contra o aborto e o porte de armas quase irrestrito e gostariam que queimasse no fogo do inferno a tal “ideologia de gênero”, que acreditam ir contra o “desígnio divino” de criar homens e mulheres. Foi por isso que foram no “17” em outubro passado. O capitão era a solução, ora bolas.
Esse também foi o raciocínio que, ainda em 2016, fez Feliciano ser um dos primeiros na Câmara dos Deputados a segurar Bolsonaro pelo braço e ser direto: “Quero te ver meu presidente”. E manteve a palavra. Feliciano quase foi expulso de seu partido, o Podemos, por apoiar Bolsonaro e não Alvaro Dias. Não pediu cargos, costuma dizer, em tom de orgulho, nem nenhuma benesse. Estava convicto de que uma série de reivindicações caras a ele e aos demais evangélicos conservadores seria naturalmente atendida pelo capitão. Por exemplo, a transferência da embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, o sonho dourado de nove entre dez neopentecostais. Feliciano acreditava que Bolsonaro faria isso nos primeiros 100 dias do governo. Tolinho. No meio do caminho, tinha uma farda.
Durante os 17 dias em que Jair Bolsonaro esteve no Hospital Albert Einstein, para retirar a bolsa de colostomia e reconstruir o trânsito intestinal, generais com assento no Palácio do Planalto e na Esplanada aproveitaram sua ausência para traçar um diagnóstico sobre os então 27 dias de governo. Não gostaram do que constataram. Fora as bizarrices do “menino veste azul e menina veste rosa”, os militares identificaram que haveria um risco de retrocesso educacional e de perda de importância do Brasil no cenário externo diante do “desastre” — palavra de um desses generais — que estaria acontecendo no Ministério da Educação e no Itamaraty. Fora essas duas áreas, também há discordância do Exército com a política ambiental que se avizinha com Ricardo Salles.
Quando Bolsonaro retornou a Brasília, o general Augusto Heleno teve uma conversa a sós com o presidente, um pouco parecida com a de meados de 2017 — quando perguntou a Bolsonaro por que ele “falava tanta merda” e ouviu do então deputado que seu jeito performático, na tribuna e nas redes sociais, havia sido uma tática para se destacar na multidão.
Embora Bolsonaro não tenha — ao menos ainda — tomado lado nessa briga, as últimas semanas têm sido de derrotas para os conservadores e de vitórias para os fardados. Na reunião que teve em 12 de março com Bolsonaro, no Palácio do Planalto, Feliciano desfiou um rosário de lamentações da bancada evangélica. Reclamou da demissão do pastor Pablo Tatim, auxiliar de Onyx Lorenzoni na Casa Civil, exonerado na sexta-feira 8. Tatim, que no mês passado foi chamado ao palco do culto dos evangélicos na Câmara para receber uma bênção de todo o auditório, era apenas subchefe de Ação Governamental, mas os evangélicos o tinham em alta conta. O pastor era, na prática, o nome da bancada da Bíblia que realmente havia sido indicado para um posto de mínima relevância — Damares Alves não conta, porque a bancada queria Magno Malta e não foi consultada.Bolsonaro, que manuseava irrequieto a todo o tempo o que tinha à mão — o livreto Operação Alpha, sobre a maior apreensão de cocaína da história da PF, nos anos 90 —, retrucou: “Eu nem conheço o Tatim”. Feliciano não engoliu a versão e desconfia de que o aliado tenha sido demitido por ordem dos militares — Tatim é investigado por corrupção.
Feliciano não é o único conservador irritado. Outros evangélicos, que tomaram o lado de Olavo de Carvalho, também têm criado ojeriza aos fardados. “Os militares querem tomar conta do governo. Até o líder do governo é um militar”, reclamou um deles, referindo-se a Major Vitor Hugo, do PSL de Goiás. Outro alvo frequente de críticas dos conservadores é o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ministro da Secretaria de Governo. “Esse não recebe. E, quando encontra a gente, olha os deputados com desconfiança, com a cara sisuda. Colocaram um cara desses logo na Secretaria de Governo, meu Deus?”, provocou um dos mais azedos. “Bolsonaro não se elegeu prometendo asfalto. Se elegeu com nossa pauta conservadora, e sua popularidade também depende disso”, disse, meio que em tom de ameaça, um deputado que foi um dos primeiros a embarcar na derrubada do governo Dilma Rousseff.
A guerra ainda promete muitas batalhas. O novo front já está definido. Os conservadores pediram a Bolsonaro uma demonstração de que ainda está com eles. Querem que o presidente transfira o quanto antes a embaixada brasileira em Israel para Jerusalém. Caso contrário... só Deus sabe.E
Com Eduardo Barretto

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