March 17, 2019

Videogames viraram 'bode expiatório' de massacres, dizem especialistas

Jogo

Renato Grandelle e Helena Borges

Quando chegou ao Palácio do Planalto na última quarta-feira, horas após o ataque que deixou nove mortos na escola estadual Raul Brasil, em Suzano (SP), o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, foi questionado por jornalistas sobre o crime. Lembrou que esse tipo de incidente vem se tornando mais usual no país e deu sua opinião sobre as causas disso:

— Hoje, a gente vê essa garotada viciada em videogames violentos. É só isso que fazem, eu tenho netos, e muitas vezes os vejo mergulhados nisso aí — disse Mourão. — Quando eu era criança e adolescente, a gente jogava bola, soltava pipa. A gente não vê mais essas coisas. É com isso que a gente tem de estar preocupado.

A cada novo atentado como o de Suzano — em Realengo (2011), Goiânia (2017), Medianeira (2018), ou nos casos americanos, como o de Columbine (1999) —, opiniões como a do vice-presidente ressurgem como uma tentativa de explicar o comportamento dos jovens criminosos.

Relatos de parentes e objetos encontrados nas casas de Guilherme Taucci Monteiro, de 17 anos, e Luiz Henrique de Castro, de 25, os dois assassinos de Suzano, mostraram que eles eram de fato jogadores frequentes: iam três vezes por semana a uma lanhouse jogar games “Counter Strike” e “Call of Duty”, em que o usuário assume o ponto de vista do personagem na tela.
Dono da empresa desenvolvedora de videogames Aquiris, responsável pelo jogo de tiros “Ballistic Overkill”, Amilton Diesel lamenta que episódios de barbárie sejam atribuídos à influência de um game:
— Em vez de procurar remediar as psicopatias e os problemas psicológicos das pessoas, querem tirá-las dos meios de comunicação (nesse caso, um jogo), como se resolvesse a questão.

Segundo Diesel, o mercado de desenvolvedores está mais preparado para enfrentar críticas da sociedade:
— O jogo “God of War”, por exemplo, sempre foi violento, mas recentemente sofreu adaptações para torná-lo menos gráfico, como trocar a cor do sangue para laranja.
Autor do livro “Videogame e violência” (Civilização Brasileira) e professor de Criminologia e Direito Penal da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), Salah H. Khaled Jr. avalia que a tragédia pode desencadear um episódio de “pânico moral”.
— Diante de um massacre, é tentador buscar soluções simples, identificar uma única causa para um problema complexo, e acreditar que, atacando-a isoladamente, uma tragédia não se repetirá. É isso o que fazem ao culpar os jogos, que são transformados em bodes expiatórios — critica. — Não há estudos que corroborem a ligação entre os games e o aumento da violência de forma satisfatória.
Khaled Jr. avalia que a sociedade consome violência por diferentes mídias, como filmes, livros e videogames. É nesse contexto que surge o que pode ser definido como uma vontade de representação: o desejo de protagonizar condutas criminais e ser admirado por elas. Para o professor da Furg, a violência do game pode ser uma válvula de escape para a violência real.

— Existem muitas recompensas subjetivas para a prática de crimes, como a sensação de empoderamento que o sujeito experimenta diante da sociedade que ele considera opressora e da subjugação das vítimas ao seu poder.

Fatores psicológicos são mais importantes

Guilherme Taucci Monteiro e Luiz Henrique de Castro encaixam-se no perfil dos protagonistas de atentados. Normalmente, diz Khaled Jr., são jovens do sexo masculino, que têm problemas familiares, sofreram bullying durante a vida escolar e têm transtornos mentais não identificados ou tratados:
— Os games podem ter influenciado na forma que a violência assumiu, mas, se retirados de cena, ela aconteceria de qualquer modo.
Psicóloga e especialista em adolescente e família, Renata Bento pondera que o adolescente é o público mais vulnerável a esses ataques, já que, nessa faixa etária, há um distanciamento dos pais para que ele forme sua própria identidade.
— Não se pode explicar uma tragédia sem levar em consideração aspectos biológicos, psicológicos e sociais. Há um uso abusivo da internet. Um adolescente que leva muito tempo on-line fica desconectado da vida afetiva e familiar, que são os pilares que vão ajudá-lo na travessia da adolescência — assinala.
Bento acredita que, em um indivíduo muito influenciável, o foco em jogos violentos é motivo para “tocar uma sirene”. Além disso, pede para que os pais respeitem a privacidade dos filhos, mas que os mantenham sob supervisão:

— Muitos pais veem os jovens, mas não sabem o que está passando dentro deles. É preciso aproximar-se. O adolescente pode falar que não precisa de ninguém. É o contrário. Deve ter seu espaço, mas quer se sentir visto e precisa de uma referência. 




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