February 14, 2019

Justiça?



Não há justiça hoje para quem está submetido às condições encontradas nos presídios brasileiros, segundo o que definiu o STF

João Bernardo Kappen

É preocupante, embora sintomático, que o Ministério da Justiça não tenha qualquer projeto de implementação de medidas que tenham por objetivo diminuir as injustiças no país. Nos presídios, por exemplo, onde diariamente milhares de presos têm seus direitos básicos violados, a começar pela superlotação. O Supremo Tribunal Federal recentemente declarou que há nos presídios brasileiros um estado de coisas inconstitucional, no sentido de que a situação que lá se encontra viola direitos e garantias individuais estabelecidos pela Constituição. Não há justiça hoje para quem está submetido às condições encontradas nos presídios brasileiros, segundo o que definiu o STF. 


E qual é a proposta do Ministério da Justiça para acabar com a falta de justiça dentro dos presídios, nos termos do que definiu o Supremo Tribunal? Ao que tudo indica, prender mais gente e mantê-las mais tempo presas. Nesse estado de coisas inconstitucional.

Na contramão do mundo, aliás. Dos quatro países com as maiores populações carcerárias, o Brasil é o único que vem aumentando seu número de presos e o que proporcionalmente mais prendeu gente nos últimos 20 anos. Apesar do discurso recorrente de impunidade, nenhum país do mundo prendeu tanto como o Brasil vem prendendo ultimamente. O Congresso dos Estados Unidos, o país com a maior população carcerária do mundo, aprovou recentemente com o apoio de Donald Trump e dos partidos Republicano e Democrata uma lei para desencarcerar os presos federais. Vão soltar os presos que legalmente não precisam estar presos e passar a prender menos. China e Rússia caminham no mesmo sentido.

Por aqui, o que estamos vendo ser implementado no Ministério da Justiça é o sintoma que revela a ideia que se tem do que seja justiça e do papel de cada um no sistema criminal. Nesse sentido, em estados democráticos de direito as atribuições de cada um dos atores da Justiça são bem definidas. No Brasil da Constituição de 1988, a polícia investiga, o Ministério Público fiscaliza a investigação, formula acusações, e os juízes julgam os casos que lhe são apresentados, garantindo aos acusados que o Estado não vai violar seus direitos fundamentais. Esse é o desenho constitucional atual do nosso sistema de Justiça criminal. E há uma razão para isso. Historicamente, o Ministério Público surge justamente para tirar das mãos dos juízes uma função que antes eles exerciam, a de promoção de investigações e acusações — o que lhes tornava absolutamente parciais diante da necessidade de julgar os indivíduos que haviam investigado e acusado. Assim, hoje, já não é papel do juiz combater o crime.

Há, no entanto, ainda, quem advogue abertamente no Brasil a ideia de que os juízes são sim combatentes do crime. Talvez isso explique o discurso monotemático do novo ministro da Justiça de combate ao crime. Como se justiça fosse sinônimo de prisão.

A ideia de justiça passa pelo entendimento de que políticas de prevenção do crime e de desencarceramento têm muito mais efeito sobre a criminalidade e a redução da violência urbana do que políticas de repressão e de encarceramento em massa. Até Trump e o Partido Republicano entenderam isso.

Com efeito, um dos significados de ministério, segundo o dicionário, é trabalho. Ou seja, quem vai trabalhar pela justiça precisa entender que onde direitos e garantias são violados não há justiça, que promover justiça não se resume a combater o crime, que cada um dos atores do sistema de Justiça criminal no Brasil tem um papel histórica e constitucionalmente bem definido, e que o mundo já entendeu que o encarceramento em massa não vai resolver os problemas da criminalidade.

João Bernardo Kappen é advogado criminal


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