January 10, 2019

Azul, rosa e a criação permanente de crises



MARINGONI



A exaltação da ministra Damares Alves às cores supostamente destinadas a meninos e a meninas viralizou nas redes. O brado retumbante é anacrônico e exala preconceito. Mas é também a comemoração de uma vitória da direita fundamentalista nas chamadas pautas identitárias.
Jair Bolsonaro fez de temas ligados à sexualidade um dos vetores principais de sua campanha. Kit gay, mamadeira de piroca e outros factóides inexistentes no mundo real serviram de munição para um combate simbólico sério. E a esquerda perdeu. 
Se for feita uma pesquisa entre a população, com a pergunta "O sr./sra. acha mesmo que azul é de menino e rosa é de menina?", é bem possível que a maioria responda "Sim, acho".
Assim, a ministra Damares pode ter dito um absurdo para bolhas de classe média intelectualizada, mas reiterado a mais pura verdade para a maioria.
VALE OUTRA PERGUNTA, dessa vez para os setores progressistas: que objetivo a titular da pasta da Mulher, Família e Direitos Humanos tinha com a sentença, proferida quase em êxtase, além de comemorar vitória?
O dilema das cores nada tem de secundário na luta ideológica desatada pelo governo Bollsonaro.
É inútil repetir que enquanto se discutem roupas de meninos e de meninas, Paulo Guedes vai fazendo barbaridades. Trata-se de uma única batalha.
A AÇÃO CENTRAL da nova gestão é a disputa ideológica, ou "guerras culturais", como querem os mais modernos. Em português claro, uma disputa de hegemonia. Isso se dá criando-se uma mistificação - falsa consciência - na agenda nacional, o que envolve a escolha de inimigos a todo momento e o apelo a conceitos totalizantes, como "nação", "pátria", "amor" etc. Aqui estariam todos os brasileiros "de bem".
Quem estiver contra o governo, logo será acusado de inimigo da pátria, assim como a facada no candidato-presidente foi denunciada por ele como obra dos "inimigos da pátria", em discurso no púlpito do Palácio.
A criação de uma mitologia sobre o grande mal que paira sobre todos nós - o socialismo, a esquerda, a ideologia de gênero, o bolivarianismo, o politicamente correto e outros - é central na produção de ações oficiais nos próximos meses: tensão e turbulência.
O GOVERNO BOLSONARO não apenas é produto de uma profunda crise, como precisa urgentemente fabricar crises para se manter em pé. Assim, jamais fará apelos "à união de todos" ou à "pacificação". Repetindo: a Pátria do bolsonarismo é a Pátria dos cidadãos de bem. Não é a de todos. Quem estiver de fora deve ser triturado!
O capitão tem de transmitir à população a ideia de comandar um país em guerra. E qualquer guerra em qualquer tempo precisa de um inimigo visível.
O bordão criado pela ministra Damares integra esse roteiro de tensão permanente como ação administrativa. O alvo é muito mais que a "ideologia de gênero". É o que seria um braço do grande mal existente em nossa sociedade.
Nesse raciocínio, não há contradição entre combater o besteirol anil-róseo e fazer frente ao desmonte provocado pela política econômica.
Os planos de Paulo Guedes só podem ser aplicados em um país em permanente e crescente estado de crise, em que todos estejam permanentemente com os nervos a flor da pele.

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