December 3, 2018

Bolsonaro compara índios em reservas a animais em zoológicos

Bolsonaro em evento em Guaratinguetá (SP): presidente eleito falou sobre indígenas ao comentar questões de meio ambiente Foto: PAULO WHITAKER / REUTERS

Cleide Carvalho, Tiago Aguiar e Dimitrius Dantas

 CACHOEIRA PAULISTA - O presidente eleito Jair Bolsonaro voltou a comparar os indígenas que vivem em demarcações feitas pelo governo a animais em zoológicos . Depois de participar nesta sexta-feira, dia 30, de uma formatura na Escola de Especialistas da Aeronáutica e conceder uma entrevista a emissoras católicas, Bolsonaro comentou sobre a pressão externa que o país teria sofrido nos últimos anos para aumentar o número de reservas indígenas.

Ao falar sobre o Acordo de Paris — tratado internacional que tem como objetivo reduzir a emissão de gases do efeito estufa —, o presidente eleito disse que não tem interesse em "maltratar" os índios.
— Em todos os acordos no passado, sempre notei uma pressão externa no tocante a cada vez mais demarcar terra para índio, demarcar reservas ambientais. Na Bolívia tem um índio que é presidente. Por que no Brasil devemos mantê-los reclusos em reservas como se fossem animais em zoológicos? O índio é um ser humano igual a nós — afirmou Bolsonaro.
Para ele, uma das diretrizes da Organização das Nações Unidas (ONU) poderia transformar reservas como a dos índios ianomami, no futuro, em países independentes:
— Não pode usar a situação do índio para demarcar essa enormidade de terras que poderão ser novos países no futuro. Justifica-se, por exemplo, a reserva ianomami, duas vezes maior que o estado do Rio de Janeiro, para talvez 9 mil índios? Não se justifica isso aí.
Segundo André Villas-Bôas, secretário executivo do Instituto Socioambiental (ISA), não há possibilidade de a ONU transformar as reservas em países:
— Os índios não são sociedades que reivindicam a noção de Estado-nação. Nem se colocam dentro da ONU. Enxergam-se como brasileiros que querem manter seu estilo de vida tradiciona

Comparação já havia sido feita no passado

Esta não é a primeira vez que Bolsonaro faz a comparação entre terras demarcadas e zoológicos. No início de novembro, ao falar sobre a necessidade de turbinar o agronegócio em seu governo, ele tratou da questão falando sobre os territórios indígenas: "O índio quer evoluir, quer médico, dentista, internet, carro, viajar de avião. Quando tem contato com a civilização, vai se moldando a outra maneira de viver, que é bem melhor que a dele. O índio não pode ser animal dentro do zoológico. Por que o índio não pode ter liberdade? Se quiser vender a terra, que venda, explore, venda. A Funai participa em laudos para dizer se existe vestígio de índio no terreno. Isso não pode continuar existindo no Brasil".



Assassinatos de indígenas crescem no Brasil, segundo Conselho Indigenista Missionário


Ameaças contra os indígenas têm crescido nos últimos anos. De acordo com o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), órgão vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), os assassinatos de indígenas subiram de 56 em 2016 para 68 em 2017, mas o número pode estar subestimado. A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), órgão vinculado ao Ministério da Saúde, com dados ainda prévios, diz que foram 110 casos no ano passado.

No início de novembro, delegados da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos (CIDH), em visita oficial ao país, divulgaram um relatório preliminar em que afirmavam ter sofrido intimidação na aldeia Açaizal, no Território Munduruku do Planalto, em Santarém (PA). Produtores de soja da região tentaram impedir o encontro e expulsar a comitiva. Em caminhonetes, eles teriam insistido em entrar na aldeia e proferido discursos racistas e violentos contra o grupo. A comitiva da CIDH, que tinha proteção policial, realizou seu trabalho.
O relatório destaca que o Brasil mantém um problema estrutural de desigualdade e discriminações profundas, racial e social, e denuncia a situação da Comunidade Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, “que sobrevive em um ambiente marcado por violência por parte de milícias armadas”. Cita ainda o impacto da construção da usina de Belo Monte na comunidade indígena Muratu em Paquiçamba, no Pará.

 Posto de saúde destruído pelo fogo na aldeia Pankararu Foto: Reprodução

No sertão de Pernambuco, um posto de saúde e uma escola arderam em chamas na Terra Indígena Pankararu na madrugada de 29 de outubro. Os índios estão fazendo uma vaquinha na internet para a reconstrução dos prédios, que atende cerca de 80 famílias da Aldeia Bem Querer de Baixo. Eles afirmam que foram várias as ameaças de destruição feitas por posseiros que há quase três décadas ocupavam parte da área que, por determinação da Justiça, começaram a ser retirados em setembro passado.

— Quando a gente viu, já estava tudo queimado. Eles nos ameaçaram várias vezes, até em redes sociais. Estão saindo por ordem judicial, mas seguem dizendo que vão voltar — diz Sarapó Pankararu, da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste (Apoinme).

Projeto social da Pfizer em Pernambuco, com os índios Pankararu. O toré é um tipo de dança que os índios praticam nas festas da aldeia Tapera. Foto: Carlos Ivan / Agência O Globo
Projeto social da Pfizer em Pernambuco, com os índios Pankararu. O toré é um tipo de dança que os índios praticam nas festas da aldeia Tapera. Foto: Carlos Ivan / Agência O Globo
A relação é tensa desde março de 2017, quando a Justiça Federal deu a primeira ordem de retirada de cerca de 200 famílias de invasores que, de acordo com as autoridades, ocupavam 20% dos 8,1 mil hectares do território. O Incra reservou uma área com mais que o dobro da terra indígena para reassentar os posseiros e a Funai já depositou em juízo R$ 6 milhões em indenização para famílias afetadas.
O Ministério Público Federal (MPF) em Serra Talhada (PE) determinou abertura de inquérito, que está sendo conduzido pela Polícia Federal, e rondas policiais diárias são feitas no local.
— É como se tivesse sido aberta a temporada de caça aos indígenas — acredita Renato Santana, do CIMI.
A TI Pankararu foi homologada em 1987 mas, ainda assim, o clima entre os índios é de apreensão. As declarações do presidente eleito Jair Bolsonaro de que não demarcaria mais nenhuma área indígena, e sua defesa da flexibilização do porte de arma, vistas como uma ameaça às terras indígenas pelo potencial de armar ainda mais invasores e exploradores de recursos naturais, geram expectativa e tensão.


Baleados nas costas

Nos primeiros 15 dias de novembro, dois índios foram baleados pelas costas. No Norte do Tocantins, Raimundo Nonato Conceição dos Anjos, 34 anos, foi baleado dentro da aldeia no povoado Varedão, quando saía com a mulher e o filho. O disparo veio de dentro do mato. Ele não resistiu e morreu. O caso está sendo investigado pela polícia local. O escritório da Fundação Nacional do Índio (Funai) informa que acompanha a investigação.
Em Guaíra, no Paraná, o indígena Ava-Guarani Donecildo Agueiro, de 21 anos, ficou paraplégico. A única coisa que ele consegue lembrar antes de ser alvejado é de um carro, na cor prata. Ele foi baleado logo após sair de uma reunião da Coordenação Técnica Regional da Funai, que discutia processos de licenciamento de duas linhas de transmissão elétrica que passam pelo município. O caso está sendo investigado, mas, de acordo com a Funai, não há informação sobre suspeitos.
Em Mato Grosso do Sul, os indígenas se queixam de intimidação. De acordo com eles, logo após o resultado do segundo turno das eleições caminhonetes passaram em carreata no limite da terra dos Caarapó, num buzinaço. Com medo, os indígenas pediram a presença da Funai. No município de Miranda (MS), uma caminhonete parou no limite da área dos índios terena e uma pessoa disparou vários tiros em direção à aldeia assim que saiu o resultado das urnas. Há dois anos também uma caminhonete atirou contra a aldeia e feriu um indígena. O atirador, no entanto, nunca foi identificado.

Na reserva de Dourados (MS), onde mais de 16 mil indígenas vivem numa pequena área na periferia da cidade, um espaço ocupado pelos indígenas ao lado da aldeia Bororó, chamada Avate’e, registrou quatro ataques entre outubro e novembro. Na maior parte das vezes, grupos em caminhonetes dispararam balas de borracha e de gude para dentro da aldeia, mas os índios dizem que também houve tiros com munição letal. No primeiro dos ataques, em 7 de outubro, 20 barracos foram destruídos e incendiados. Duas caminhonetes usadas pelos atacantes chegaram a bater e o parachoque de uma delas caiu. Os indígenas recolheram os objetos e os entregaram ao Ministério Público Federal, que investiga os autores dos ataques.
De acordo com relato dos indígenas ao Conselho Indigenista Missionário, desde outubro, além dos tiros com balas de borracha, a estrada que liga a aldeia à cidade tem sido fechada. No dia 7 de novembro, os indígenas não teriam conseguido participar de encontro com uma representante da delegação da Comissão Interamericana, que ocorreria no município de Caarapó, justamente porque a estrada havia sido bloqueada. O Ministério Público do Mato Grosso do Sul informou que está investigando as denúncias.



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