August 14, 2018

O ódio dos jovens brancos tem explicação?



Marcelo Zorzanelli 
 
No próximo sábado, 11 de agosto, milhares de jovens vão se reunir numa praça próxima à Casa Branca para um evento chamado “Unite the Right” [unir a direita].
Infelizmente, eles não estarão lá para pedir menos impostos e mais privatizações. Da direita civilizada, usam apenas o nome. É um grupo homens brancos entre 20 e 30 anos que canta hinos nazistas e, alguns empunhando metralhadoras, marcha pela expulsão de imigrantes latinos e muçulmanos, pela segregação dos negros, contra direitos iguais para a mulher e contra qualquer forma de miscigenação racial (que eles chamam de “genocídio branco”).
Da última vez, há um ano, um deles atropelou e matou uma ativista que protestava contra o movimento deles.
Tem gente lá (e cada vez mais aqui) que acha isso bonito. Afinal, são patriotas, nacionalistas. Defendem seu chão. Outras, como o sociólogo americano Michael Kimmel, acha tudo muito feio. Talvez o nome do livro que ele acaba de lançar já dê o recado: “Homens Brancos Raivosos: A Masculinidade Americana no Fim de uma Era”.
De acordo com Kimmel, os homens brancos, membros históricos de um grupo dominante, reagiram ao aumento da igualdade social e à perda de vantagens econômicas inatas (preferência na hora de conseguir emprego, maiores salários) com ódio e violência. Além da óbvia frustração que a mudança de status provoca, homens não são criados para expressar seus sentimentos de forma saudável e são muito competitivos.
“Vergonha e humilhação estão por trás de praticamente todo tipo de violência”, disse Kimmel ao jornal The Guardian. “Se eu estou me sentindo pequeno, preciso fazer você se sentir menor.”
Há algum tempo ouvi num programa de rádio pública americana um programa que tentava explicar o que pode estar ocorrendo na mente de se alinhou à onda de xenofobia e racismo. O psicólogo (o nome me falha) falava sobre como uma crise econômica serve de gatilho para o pior no sexo masculino. Ele dizia algo na linha de que quando um grupo marginalizado começa a receber atenção do Estado, a sensação do homem branco que está desempregado é a de que estas pessoas furaram a fila. Programas estatais de inclusão de minorias são vistos como uma ofensa pessoal.
Não é raro que esta frustração se transforme em violência física contra o alvo do ódio. O que faz alguém cruzar esta linha? Há psicólogos nos EUA que tentam há mais de 30 anos caracterizar preconceitos extremos como o racismo e a xenofobia em um tipo de doença mental.
O psiquiatra americano Alvin Poussaint, da escola de medicina de Harvard, foi o primeiro a tentar incluir o racismo extremo no DSM (manual de diagnóstico de doenças mentais americano). Ele classificaria o racismo como um transtorno da ordem dos delírios, como o delírio de grandeza, a mania de perseguição, o ciúme patológico etc.
“Como psiquiatra, tratei diversos pacientes que projetavam seus próprios comportamentos inaceitáveis e medos em minorias, usando-as como bode expiatório para os problemas da sociedade”, escreveu Poussaint, ele mesmo um negro criado no Sul dos EUA, num artigo científico de 2002 em que defende o status de transtorno mental para preconceitos extremos. “Seus sentimentos racistas, que estavam ligados a crenças impossíveis de serem desafiadas, eram sintomas de graves problemas mentais.”
Mais de uma vez, a Associação Americana de Psiquiatria, que edita o manual, rejeitou a proposta. A desculpa de sempre: os diagnósticos seriam muito amplos. Ou seja, caso o preconceito extremo fosse considerado um transtorno, do dia para a noite, milhões de pessoas seriam oficialmente doentes.
(Um parêntese: este tipo de projeção já é identificada na psicologia clássica há um século. Carl Jung criou o conceito de sombra: a parte do nosso inconsciente onde ficam reprimidos os instintos dos quais mais temos vergonha. Nos sonhos do próprio Jung, sua sombra se apresentava como um “homem de pele escura”. Segundo ele, nos sonhos dos europeus, era comum que o mal assumisse a forma de um homem assim. É humano ter este impulso. Mas não é civilizado.)
O importante é ressaltar que esse tipo de transtorno é tratável. Com ajuda de psicólogos e psiquiatras, pessoas que são dominadas por estas ideias podem ser tratadas.
Esta é uma coluna que se propõe a fazer humor, mas há assuntos em que sou fraco demais para conseguir mostrar alguma graça. Acho que olhando o noticiário dos últimos anos temos muita razão para acreditar que o homem branco brasileiro está passando por um processo parecido ao descrito acima.
O que é pior: como lá, figuras públicas estão manipulando este medo irracional para transformá-lo em plataforma política.
Chamar xenofobia, racismo e misoginia de “querer Estado mínimo” não vai colar.
Conservadores são necessários para o bom funcionamento de uma sociedade. Da mesma forma que os progressistas também o são. O equilíbrio é sinal de saúde da democracia. A sociedade muda, avança e se adapta. Sem violência.
Não é aceitável que um lado queira eliminar o outro. E não se pode ignorar que o descaso com a saúde mental tem um enorme papel neste caso. Há alternativas, e elas demandam cuidado, diálogo, compaixão com quem está dominado por estes conflitos. Temos que fazer algo. Não dá para já ir se acostumando.

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