May 29, 2018

CAMINHONEIROS E PREÇO DOS COMBUSTÍVEIS: O MERCADO QUE SE LIXE

de MARINGONI

1. Há um inexplicável clima de pânico em alguns setores democráticos, neste final de semana. O mote: vivemos uma escalada fascista de massas, vai haver um golpe jurídico-militar e as eleições serão canceladas;

2. A análise contém um pequeno problema: não há comprovação segura para nenhuma dessas assertivas. Há um movimento nacional de massas, de dimensões inéditas e sem centro de comando claro, que está - oh, céus! - sendo encarniçadamente disputado por uma miríade de nuances políticas que vão da extrema direita à extrema esquerda. É do jogo;

3. Nesse quadro, há sim caminhoneiros em profusão - acompanhados por "vivandeiras alvoroçadas" - que bradam "intervenção militar já!" a plenos pulmões. Como demonstrou Maria Caramez Carlotto, em sensato post que reproduzi, não se pode exigir de atores extremamente diversos a leitura da realidade com as mesmas lentes da esquerda. "Intervenção militar já!" tem peso numa sociedade polarizada, mas nem todos parecem ter na cabeça o que isso significa. É muito mais um mantra catártico - como "Fora Temer!" - que busca uma saída mágica para o imbróglio atual. Em uma frase: mesmo quem usa de todos os decibéis de suas cordas vocais para vociferar tal impropério pode ser disputado politicamente;

4. O governo está com grandes dificuldades para fechar uma proposta, dado seu nível de comprometimento com o financismo. Um dos tentos dos caminhoneiros foi - talvez involuntariamente - atingir não apenas o centro do mecanismo garantidor de lucros estratosféricos para os acionistas da Petrobrás, mas a própria razão de ser do golpe;

5. A intentona deflagrada por Michel Temer e sua quadrilha há dois anos tem como base maior de sustentação o aprofundamento do papel do país como entreposto privilegiado da reprodução ampliada do capital em escala global. Leva ao extremo a percepção de Caio Prado Jr., o Brasil é um negócio.
Daí a transformação do Estado de ente público a alavanca impulsionadora de ganhos especulativos. Isso se dá pela política monetária - juros estratosféricos -, pela liquidação de patrimônio estratégico - público e privado - na bacia das almas do rentismo, pela inserção pretendida para o país no mercado mundial e pela entrega de riquezas naturais em penca;

6. A metamorfose da Petrobrás de empresa pública estratégica - não apenas na área energética, mas como ferramenta do desenvolvimento - em guichê do mercado mobiliário planetário é pilar estratégico desse projeto. Para isso foi dado o golpe de 2016;

7. Na tarde deste domingo, Temer já avisou não ser possível garantir o congelamento do preço do diesel por 60 dias, como aventado no dia anterior. A promessa, como se sabe, não se dá pela redução do preço do derivado, mas por isenções tributárias. Ou seja, penalizando-se ainda mais o poder público. Igual posição é tomada em relação aos pedágios das estradas privatizadas. A margem de manobra oficial para cumprir os acordos é baixa;

8. A direita - essa vasta nuvem de diversos ramos do grande capital - hesita nos rumos a tomar. O inigualável Rodrigo Maia já bate pesado no governo, de olho na cadeira mais importante do 3o. andar do Palácio. Aprova-se às pressas medida facultando a eleição indireta de um mandatário. Na bolsa de boatos, volta a correr a ideia de um semipresidencialismo ou outra forma de tapetão parlamentarista. Gorilas de pijama assanham-se. Barata-voa é pouco para classificar cientificamente a situação das forças políticas de sustentação do governo;

9. Por isso, o alarmismo não pode colar. Há os engenheiros de obra pronta a trombetear que "a esquerda não percebeu isso, não viu aquilo", ou que chegamos a uma situação de derrota popular total. Puro impressionismo. Se vingarem tais avaliações, qual a saída? A tática lemingue: suicidemo-nos todos?

10. O nível de adesão popular à greve - levando-se em conta a dramaticidade de incômodos que ela provoca - é algo surpreendente. Essa característica deve merecer mais estudo. Por que a simpatia cresce, com todo o bombardeio midiático contrário?;

11. Já escrevi aqui que, dada a multiplicidade de vínculos e regimes de trabalho dos caminhoneiros, não é de se surpreender a inexistência de porta-vozes unificados ou que sintetizem suas bandeiras. Desse ponto de vista, a categoria - com toda a elasticidade que o termo envolve - forma o contingente dos sonhos dos formuladores da reforma trabalhista, que entrou em vigor ano passado. O resultado é que o governo não tem com quem negociar. Entramos no admirável mundo novo criado pelo mostrengo que destruiu a CLT. Se as categorias se enfraquecem organizativamente, o outro lado passa a não ter segurança alguma nos acordos - acima do legislado - fechados daqui para a frente. Uma parte dos motoristas pode aceitar um pacto e outra não, gerando negociações cada vez mais intrincadas. Liberalismo total vale para os dois lados e tem um pé na anarquia pura e simples;

12. A única saída para as forças progressistas - do centro à esquerda - é buscar uma aliança com os setores democráticos do movimento e disputá-lo. Isso está sendo feito. Mais uma vez, a saída é a formação de uma frente pela queda dos preços e pela defesa da Petrobrás e do Estado como entes públicos;

13. Quanto aos acionistas da Petrobrás, liberalismo neles! O mercado acionário é de alto risco. Por que uma empresa pública tem de dar à malta rentista a garantia de ganhos constantes? Devem valer as regras: no risco, ganha-se ou perde-se, sem choro e nem rastejar de governos sabujos;

14. Por fim, a palavra de ordem "Fora Temer!" não parece ser a mais adequada para o momento. Por pior que seja, o golpista dá alguma previsibilidade ao processo eleitoral daqui até outubro. O foco poderia ser "Fora Parente" e a volta do papel da Petrobrás como motor do desenvolvimento nacional. Isso atinge a engrenagem central do golpe. Ou sua "raison d'être", como dizem os elegantes.

P. S. - Uma hora depois de terminar este texto, Michel Temer apareceu em rede nacional, anunciando o atendimento da pauta referente ao preço dos combustíveis e pedágios. Baixou o preço final e aceitou o congelamento do diesel por 60 dias. É a única diferença com o que escrevi. O caminho anunciado foi o de mercado: garante-se a manutenção da política de preços da Petrobrás - que favorece os acionistas minoritários - através de isenções tributárias que penalizam o Estado e a população. Ou seja, para o golpismo mais valem os interesses dos rentistas da bolsa de Nova York do que os da maioria dos brasileiros.

(A partir de uma conversa com o sempre irrequieto Artur Araújo)

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