March 21, 2018

Tragédia de Marielle jogou luz sobre problemas de Acari

A comunidade de Acari, uma das mais pobres da cidade, convive há anos com o domínio do tráfico: nos anos 1990, 11 jovens desapareceram no local e nunca foram achados Foto: Marcio Alves

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A denúncia de Marielle sobre o caso, que viralizou após sua morte, voltou a jogar luz sobre Acari, uma das regiões mais violentas da cidade. Nos últimos dias, parte do comércio da área sequer abriu as portas. Muitos têm medo e evitam falar sobre as operações da polícia. Alguns moradores reclamam da truculência e de casas revistadas sem autorização. Na madrugada de quinta-feira, no dia seguinte à morte de Marielle, ativistas de direitos humanos preferiram deixar Acari. Um deles, que pediu para não ser identificado, explicou que o afastamento já era debatido entre líderes comunitários, por precaução:

— Saí de madrugada. A gente não tem medo, mas é preciso ter cautela para continuar a luta, nesse momento. Já estávamos pensando em passar um tempo fora — afirmou.

ALÉM DA VIOLÊNCIA, PROBLEMAS SOCIAIS

Os relatos de truculência durante as operações da semana passada chegaram ao Observatório da Intervenção Federal, coordenado por pesquisadoras do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) da Universidade Candido Mendes. O grupo enviou uma nota para a imprensa questionando a ação: “O Observatório da Intervenção pergunta: isto é estratégia de segurança da intervenção? Ou é negócio particular do 41º BPM com Acari?”, indagava o texto.
A foto da ação da polícia foi compartilhada pela vereadora Marielle - coletivo favela akari
Em Acari, a violência é uma das facetas mais cruéis de uma região que também tem inúmeros desafios sociais. Com 27.347 habitantes (dados de 2010), a área tem um dos piores resultados no Índice de Desenvolvimento Social da cidade. Em 2010, estava na 152ª posição. O pior, Grumari, estava em 160º. Em 2015, a taxa de mortalidade infantil foi altíssima: 33,69 entre mil nascidos vivos, o que deixou o local em 6º lugar na cidade inteira. O Hospital Ronaldo Gazolla, ou Hospital de Acari, é conhecido pela precariedade: no final do ano passado, em meio à queixa de funcionários, que estavam sem receber, chegou a suspender cirurgias e a fechar alas por falta de insumos.

Responsável pela área, o 41º BPM, que voltou a ter todos os olhares voltados para ele após a denúncia de Marielle, foi o que mais registrou homicídios decorrentes de intervenção policial no Rio, em 2016, com 118 episódios. Em 2017, com 112 mortes, ficou em segundo lugar no estado, atrás do 15º BPM (Duque de Caxias), que teve 121 casos. Ao todo, três policiais do batalhão, que foi criado em 2010, morreram em serviço entre 2016 e 2017.

O número de tiroteios registrados na região também impressiona. Ao longo de 2017, pelo menos dois deles terminaram com três ou mais civis mortos, deixando Acari em terceiro lugar entre os bairros com mais ocorrências desse tipo, de acordo com um levantamento do aplicativo Fogo Cruzado. O estudo também apontou que Acari foi o bairro com mais notificações de escolas que suspenderam aulas por causa da violência ao longo do ano. Foram 45 no total.


Era justamente em um colégio de Acari, a Escola Municipal Jornalista Escritor Daniel Piza, que a estudante Maria Eduarda da Conceição, de 13 anos, estudava. Ela praticava educação física quando foi morta a tiros, em plena quadra, em março do ano passado. Dois policiais — do mesmo 41º BPM — foram denunciados e respondem na Justiça por homicídio doloso contra Eduarda.

O caso da estudante, entretanto, não foi o único a comover a opinião pública envolvendo o mesmo batalhão. Em novembro de 2015, cinco jovens que voltavam de uma comemoração foram fuzilados e mortos, dentro de um carro, por quatro policiais do 41º BPM, segundo o Ministério Público. Eles respondem na Justiça pela morte do grupo de amigos.

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Em 1990, a comunidade já havia virado símbolo mundial da violação dos direitos humanos no Brasil. Naquele ano ocorreu a Chacina de Acari: 11 jovens, sendo 7 menores de idade, desapareceram após irem para um passeio em um sítio em Magé, na Baixada Fluminense. De acordo com as investigações, o grupo teria sido sequestrado por homens que se identificaram como policiais e foram levados para um destino desconhecido. Os corpos nunca foram encontrados, e o crime, que prescreveu em 2010, ficou impune. As mães dos jovens formaram um grupo, o Mães de Acari, que sofreu ameaças e acabou acolhido pela Anistia Internacional em 1992.

Mesmo com a organização dando apoio ao grupo e com a história daquelas mães percorrendo o mundo, em 1993, uma das mais combativas entre elas, Edméia da Silva Euzébio foi assassinada quando buscava informações sobre o paradeiro do seu filho. Edméia peregrinava por locais de desovas de corpos, hospitais, instituto médico-legais e cemitérios clandestino. A Anistia Internacional ressalta que a única reparação oferecida a algumas famílias foi a quantia de R$10 mil. (Colaborou: Helena Borges)

O GLOBO

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