March 30, 2018

MBL usa aplicativo irregular para compartilhar conteúdo no Facebook


por
O GLOBO



RIO — De olho na eleição de outubro, o Movimento Brasil Livre (MBL) encontrou uma forma de enfrentar a restrição recente imposta pelo Facebook às páginas na rede social e passou a publicar conteúdo em massa, por conta própria, usando o perfil de seus seguidores. Por meio do aplicativo “Voxer”, o movimento compartilhou suas postagens de forma automática em contas de outros usuários. No entanto, o Facebook desativou o “Voxer”, após ter sido procurado pelo GLOBO durante a apuração de uma reportagem sobre a estratégia digital do MBL.

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A empresa entendeu que o mecanismo de compartilhamento automático de postagens violava as normas da rede social, porque permitia que o MBL também redigisse os comentários dos próprios usuários.

“O aplicativo Voxer foi removido por ferir nossas políticas para desenvolvedores, que visam garantir a privacidade e proteger os dados das pessoas”, afirmou o Facebook ao GLOBO.

Há duas semanas, o MBL enviou uma mensagem pelo Facebook para sua base de apoiadores pedindo autorização para reproduzir até duas postagens por dia no perfil de cada usuário. Os seguidores que aceitaram deram uma espécie de cheque em branco para o MBL. Desde o dia 16 de março, o grupo promoveu um compartilhamento em massa de conteúdos por meio das contas de outras pessoas.

O Brasil precisa de você. O Facebook vem diminuindo o alcance de páginas de direita mas você pode fazer a diferença. Basta clicar neste botão e autorizar a página do MBL a publicar até duas postagens por dia no seu perfil. Clique no botão abaixo e faça a diferença. Clique aqui e ajude ou parar de receber”, escreveu o MBL.

O Facebook alterou, no início do ano, o algoritmo que orienta a exibição de conteúdo na linha do tempo de cada usuário, priorizando as mensagens publicadas por amigos e diminuindo a relevância do que é postado pelas páginas, como a do MBL.

Na última semana, O GLOBO acompanhou as publicações e identificou 368 perfis que foram usados pelo MBL — o movimento tem mais de 2,6 milhões de seguidores no Facebook. Entre os dias 16 e 28 deste mês, este grupo de seguidores reproduziu, de forma idêntica, 16 posts do MBL. Para produzir a disseminação em massa, o grupo usa a plataforma Voxer, que compartilha automaticamente nos perfis dos seguidores os links que são postados na página do MBL. Das 16 mensagens identificadas na última semana, seis foram complementadas com legendas — os comentários que acompanham o compartilhamento da mensagem original. Em todos os 368 perfis identificados as legendas eram iguais.

O GLOBO conversou por telefone com cinco usuários do Facebook que confirmaram o recebimento da mensagem do MBL e disseram ter autorizado as publicações. Quatro deles não tinham visto as postagens em seus próprios perfis até serem avisados pela reportagem.

— Esse conteúdo apareceu na minha página. Não fui eu que publiquei. Curto a página do MBL e recebi uma mensagem pelo Messenger, perguntando, e eu autorizei. Foi um oferecimento automático. Agora, olhando o Facebook e conferindo, vi que foi publicado na minha página — contou o professor de inglês Bismarck Wagner, que recebeu a mensagem no dia 15, às 20h07m.

A primeira publicação foi compartilhada pelos seguidores no dia seguinte ao envio da mensagem pelo MBL. Às 14h28m do dia 16, o MBL publicou um vídeo de 56 segundos sobre jovens assassinadas. O vídeo faz referência ao assassinato da vereadora Marielle Franco e foi publicado horas antes de o MBL compartilhar o link do site Ceticismo Político, que foi o mais influente na campanha difamatória contra a parlamentar. No fim do vídeo compartilhado pelo MBL nos perfis de seus seguidores, o grupo exibe a imagem do deputado estadual Marcelo Freixo, do mesmo partido de Marielle, e diz: “Mas para alguns políticos apenas algumas vidas valem a pena.”




No dia 22, o MBL compartilhou sua própria página nos perfis com a legenda “Lula na cadeia!!!”. Dois dias antes, a mesma legenda havia sido usada para o compartilhamento automático de um vídeo da caravana do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Santa Maria (RS). No dia 19, o grupo publicou na sua página um vídeo sobre Lula com a legenda: “Você é a favor da prisão em segunda instância?”. A resposta foi publicada pelo Voxer de forma automática no perfil dos seguidores: “SIM!!” - todas as reproduções tinham as letras maiúsculas e as duas exclamações no final. Outro post compartilhado no perfil dos seguidores foi a transmissão do julgamento do habeas corpus preventivo de Lula, com a legenda: “AO VIVO Julgamento do HC do Lula.”. Outra mensagem publicada pelo MBL e compartilhada automaticamente centenas de vezes trazia uma notícia falsa do site O Diário Nacional e o mesmo comentário “Parece que o jogo virou".

Com o Voxer, as publicações do MBL são compartilhadas automaticamente aos poucos.

Uma postagem feita pelo movimento às 17h22m do dia 27 foi publicada pelo perfil Augusto S. às 19h06m e pelo perfil Cesar C. às 19h42m. Já no perfil do usuário Thalyson J, o link foi compartilhado mais de 24 horas depois — às 18h54m do dia seguinte. O post trazia uma imagem com frases do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, da ex-presidente Dilma Rousseff e da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e ironizava o fato de manifestantes terem arremessado ovos em Lula durante a caravana por estados do Sul.

A empresa Voxer foi procurada pela reportagem, mas não respondeu.
Fabrício Benevenuto, professor de Ciência da Computação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), explica que o Facebook permite que aplicativos compartilhem conteúdos nos perfis dos usuários, como ocorre com jogos da rede social. Porém, até agora não era conhecida uma ferramenta que também escrevesse comentários como se fossem os próprios usuários. Segundo Benevenuto, cada usuário é responsável pelo que é publicado em seu perfil.

— A pessoa é responsável pelo que diz nas redes sociais. Se ela fala alguma coisa racista, por exemplo, ela é responsável. Cada vez mais a identidade online está mais próxima da identidade offline. Já existem casos em que o que a pessoa diz nas redes sociais é usado em processos judiciais. Permitir que o MBL poste no nome de outras pessoas é muito estranho. É a primeira vez que vejo algo assim, apesar de saber que é possível implementar. Você pode permitir que aplicativos postem para você. Isso acontece em joguinhos, por exemplo, que pedem esse tipo de permissão e muitas vezes colocam na linha do tempo dos usuários que a pessoa passou de fase ou ganhou algum prêmio. Agora, isso do MBL é novidade. No contexto político, pode ser usado claramente para aumentar as estatísticas de compartilhamento e aumentar a audiência do MBL — afirma Benevenuto, que estuda a dinâmica de interações nas redes sociais.
A pedido do GLOBO, Fabrício Benevenuto também acompanhou um compartilhamento automático do MBL pelo Voxer, realizado no dia 27. Ele identificou 462 perfis usados pelo grupo — cerca de 10% dos usuários que optaram por compartilhamento público daquele conteúdo no momento da pesquisa.

— Tem característica de automação. Vejo duas possibilidades. Quem desenvolveu a automação estava tentando não fazer todas postagens de uma vez, porque ficaria evidente que há uma mistura de postagens (orgânicas e do Voxer) e deixa disfarçado. E o outro é que o Voxer mantém notícia viva, fazendo aquela informação se espalhar por um período maior de tempo. Se eles fizessem todas as postagens imediatamente, dariam todas as evidências de que foram automatizadas. Do jeito que foi feito, fica disfarçado. É muito difícil de ser detectado automaticamente. Eles simulam o comportamento dos usuários comum. Simulam um espalhamento orgânico — explica o pesquisador.

DONO DE PLATAFORMA CELEBROU CANDIDATURA DE KATAGUIRI

A plataforma Voxer, utilizada pelo MBL, pertence à empresa Let’s Rocket, com sede em Florianópolis. Segundo o site da empresa, o Voxer foi desenvolvido para “políticos que querem ter resultados profissionais na internet” — o principal líder do MBL, Kim Kataguiri, disse há duas semanas que vai ser candidato a deputado federal pelo DEM. A plataforma permite o envio de mensagens em massa e o compartilhamento automático de conteúdo, sem que o dono do perfil precise informar a senha. A assinatura anual do serviço custa R$ 7.980.

“Vincule quantas contas do Facebook quiser (sem pedir senha) e depois compartilhe conteúdo automaticamente através das contas vinculadas, quantas vezes quiser”, explica a Let’s Rocket em seu site.

Um dia antes de o serviço ser disparado pela primeira vez, Marcello Natale, um dos sócios da Let’s Rocket, usou seu perfil no Facebook para celebrar a pré-candidatura de Kataguiri. Ele compartilhou um link que anunciava as pretensões eleitorais do líder do MBL com a hashtag #voxer.




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