February 17, 2018

Sobre a intervenção federal na Segurança Pública do Rio de Janeiro


Rafael Alcadipani, Professor do Departamento de Administração da FGVSP e membro do Forum Brasileiro de Segurança Pública
Marco Antonio Carvalho Teixeira, cientista político e professor do departamento de Gestão Pública da FGVSP.
 
 Diante do crescimento da violência que ganhou mais visibilidade durante o carnaval e após a desastrosa entrevista do governador alegando que não estava preparado para enfrenta-la, o Governo Temer decidiu adotar uma solução nunca antes implementada no país, apesar de guardar semelhança com o problema no Espírito Santo em 2002 que não se traduziu em intervenção federal: decretar a intervenção federal na área Segurança Pública do Rio de Janeiro. Diante do ineditismo desta decisão pouco ainda se sabe como a medida será operacionalizada no cotidiano. Até o momento o que está claro é que um general passará a comandar a Segurança Pública carioca, chefiando as polícias civil e militar, além do corpo de bombeiros. Do ponto de vista político, esta parece ter sido uma solução astuta para que se enterre de vez a proposta de Reforma da Previdência sem muito alarde ao colocar o pedido de Intervenção como foco do Congresso Nacional e do governo federal. O pedido de intervenção federal passa a ter preferência de pauta sobre qualquer outro assunto que esteja na fila de votação. Como a medida é polêmica e certamente vai gerar muita controvérsia, a Reforma da Previdência certamente será esquecida até o período eleitoral pelo menos. Ou seja, nesse momento o governo perdeu esse embate sem ter que mostrar publicamente que foi derrotado.
Por outro lado, o Presidente Temer fornece uma resposta popular ao problema de Segurança num estado em que ele tem seus piores índices de impopularidade e onde Jair Bolsonaro surfa na crise com a retórica da violência para ganhar votos. Afinal parte da população acredita que para se resolver o problema é preciso combater o crime organizado com armas e que o Exército teria este potencial. Esse é um jogo de alto risco para a democracia e que deve alimentar os sonhos de grupos minoritários que já defendem publicamente o intervencionismo militar em outras áreas, inclusive na política.

Porém, do ponto de vista da segurança pública o tiro pode sair pela culatra. Primeiro, generais não são preparados e não estão acostumados a lidar com problemas de Segurança Pública. O próprio Comandante do Exército, General Vilas Boas, já declarou inúmeras vezes que esta não é a função do Exército e vê com preocupação o crescente emprego das tropas federais para lidar com o problema. Os casos do México e da Colômbia nos mostram que quando as tropas militares federais vão para as ruas cuidar de Segurança Pública a chance de se corromperem e não conseguirem resolver a situação é significativa. Aliás, o emprego das Forças Armadas para lidar com a questão da segurança no Rio de Janeiro já acontece há anos sem que tenha havido qualquer melhoria. Ademais, a presença de um general no comando da Secretaria de Segurança é um grande desprestígio para forças policiais militares e civis que padecem com falta de pagamento de salários em dia, péssimas condições de trabalho, diminuição de efetivo e tantos outros problemas. As condições de trabalho das polícias do Rio de Janeiro foram deterioradas drasticamente nos últimos anos. Apesar de todos os dramas, existem excelentes quadros das policias cariocas que podem se sentir completamente desmotivados e desrespeitados com esta medida. Além disso, a presença dos Militares pode desestabilizar o tênue equilíbrio de forças que mantem uma precaríssima paz social no Rio de Janeiro, levando a mais confrontos entre traficantes, policiais e exército e deixando a população a mercê desta guerra.

Problemas de Segurança Pública se resolvem com inteligência. É preciso sufocar economicamente o crime organizado a ponto de eliminar alguma influencia que ele tenha junto aos poderes do Estado. O Rio de Janeiro é a prova viva de que a Guerra contra as Drogas nos moldes até o momento existentes fracassou. É urgente que o Brasil pense de forma ousada e regulamente o mercado das drogas. O Rio de Janeiro poderia ser um laboratório para este experimento. É fundamental, ainda, melhorar as condições de trabalho dos policiais valorizando as suas carreiras. Afora essas questões, é preciso agir para melhorar a educação e demais serviços públicos nas áreas vulneráveis para que o crime deixe de ser uma opção tão fácil para tantas pessoas. Onde os serviços públicos estão deteriorados tais grupos agem para promover algum bem-estar, como ocorreu recentemente em episódios de vacinação contra a febre amarela. A intervenção federal na Segurança Pública do Rio de Janeiro pode se tornar uma medida tão drástica quanto inócua. Não será na força que iremos resolver o problema de Segurança Pública. Isso só acontecerá quando considerarmos a Segurança como um problema de várias esferas do Estado e dos Poderes da República e que precisa ser lidado mais com inteligência.

ESTADÃO

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