February 26, 2018

Após “fichamento” de pobre, militares deveriam fichar sonegador rico no Rio


Leonardo Sakamoto

 
 
Homem é fotografado junto com identidade. Foto: Pablo Jacob/Agência O Globo

Moradores de comunidades pobres da Zona Oeste do Rio de Janeiro foram ''fichados'' por militares nesta sexta (23). Parados pelos militares de forma aleatória (aleatoriedade do tipo porta giratória de agência bancária), eles foram fotografados com seus documentos e tinham que aguardar enquanto um a Polícia Civil, à distância, checava os antecedentes criminais.

A apresentação de documentos é prevista em lei. Mas fotografar e reter a pessoa é uma bizarrice sem tamanho. As Forças Armadas, que estão à frente da intervenção federal de Michel Temer no Rio, disseram que contam com amparo para tanto no decreto que autorizou o uso de militares na cidade. Pena que não se possa decretar bom senso.

Teoricamente, qualquer pessoa que se sentiu constrangida por conta disso pode mover uma ação contra o Estado. Na prática, contudo, os moradores sabem que fazer isso é pedir levantar a ira de quem calça coturno. E como são militares e não defensores públicos que estão ocupando esses territórios, melhor ficar quieto, engolir seco e tocar adiante, buscando algum conforto na lembrança do tempo em que éramos uma democracia.

O ideal seria que as Forças Armadas parassem de fazer esse tipo de abordagem. Mas considerando que não adianta pedir com educação, pois vão continuar fazendo fichando pobre, poderíamos pedir para estenderem o sistema às ruas da Zona Sul da capital carioca e da Barra da Tijuca.

Imaginem bloquear a passagem de nobres senhores e senhoras ao saírem da garagem pela manhã com fuzis, tirar uma foto deles e enviar para a Receita Federal e só liberar após checar se há algo contra eles por sonegação de impostos, tanto no montante da pessoa física quanto dos recursos devidos por suas empresas. Encontrado esse ''antecedente'', eles seria conduzido para esclarecimentos até o escritório da Receita mais próxima. Exagero? Não, reciprocidade.

Não importa que milhões em dívidas já foram renegociadas no último Refis, abençoado por Temer enquanto ele angariava votos na Câmara dos Deputados para salvar seu pescoço da guilhotina da Lava Jato. Se as forças de segurança sempre consideraram que um antecedente criminal marca para sempre a pessoa, mesmo que ela tenha cumprido sua dívida para com a sociedade, o mesmo deveria valer para quem sonega milhões que deveriam ter ido para custear hospitais e pagar professores.
O mesmo poderia ser estendido para quem não paga dívidas trabalhistas. Nesse caso, talvez falte efetivo, sendo necessário chamar reservistas do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.

Comparações alucinadas à parte, a desigualdade é nociva porque dificulta que as pessoas vejam a si mesmas e as outras pessoas como iguais e merecedoras da mesma consideração.

Ao mesmo tempo, há a percepção (correta) de que o poder público existe para controlar os mais pobres e servir aos mais abonados. Ou seja, usar a polícia e a política a fim de proteger os privilégios do segundo grupo (que desfrutam do que a Constituição Federal tem de melhor em direitos para oferecer), usando violência contra o primeiro, se necessário for.

Dizer que isso é um ataque frontal às liberdades individuais é chutar um cachorro morto chamado democracia.

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