Ignacio Cano, O Globo
Desde 2016, o Rio de Janeiro sofre um crescimento significativo da violência, que tem sido acompanhado por um aumento drástico das mortes em intervenções policiais e da vitimização policial.
O cenário continuou se agravando em 2017, com cidadãos sendo atingidos por balas perdidas em escolas, nas suas casas e em espaços públicos.
Nos primeiros cinco meses de 2017, os mortos em ações policiais aumentaram 47% em relação aos mesmos meses do ano anterior, e os policiais feridos em serviço cresceram 38%.
Paralelamente, a política de segurança, que oscilou nos últimos anos entre o modelo da redução dos confrontos associado à UPP e o modelo tradicional da guerra ao tráfico, parece se inclinar cada vez mais na direção deste último, em parte pelo contexto cada vez mais violento e em parte pela tendência tradicional dos gestores fluminenses para, em tempos de crise, voltarem aos velhos e fracassados costumes.
Nada simboliza essa evolução melhor do que o Complexo do Alemão, onde os confrontos têm sido constantes, enquanto a Polícia Militar optou pela construção de torres blindadas, algumas das quais já custaram a vida de vários moradores e policiais. Tudo isso para poder manter a ocupação do território por parte de uma UPP que, supostamente, deveria estar desenvolvendo uma polícia de proximidade.
Essas operações geram um alto custo social para as comunidades, tornando a vida cotidiana um inferno. Parte da literatura que aborda a violência policial se refere aos moradores de favelas como “matáveis”, considerados, no melhor dos casos, como baixas colaterais aceitáveis numa “guerra” sem fim.
Entretanto, quando mandos policiais consideram a morte de vários policiais um custo aceitável para instalar uma torre, está na hora de que esses mesmos autores incluam também os policiais nessa categoria de “matáveis”.
De fato, os estudos mostram que os policiais nesses contextos sentem que suas vidas não possuem valor, de forma que, mortos são, como os traficantes, simplesmente substituídos sem maior comoção social ou institucional.
Inclusive desde uma ótica estritamente militar, que infelizmente parece ainda predominante, essas operações se revelam um erro grosseiro, pois trocam pequenas vantagens táticas, como manter a presença em determinados locais, pelas vidas de policiais e moradores e por grandes perdas estratégicas, como alienar as populações às quais se deseja, supostamente, proteger e cuja colaboração é essencial para o trabalho policial.
Daqui a alguns anos, o fato de a polícia ter permanecido alguns meses a mais nessas vielas será absolutamente negligenciável do ponto de vista estratégico para a segurança dos cidadãos, mas as famílias de moradores e policiais continuarão chorando sua perda.
A continuidade de confrontos policiais no entorno das escolas constitui outro exemplo dessa trágica incapacidade de calcular relações de custo-benefício socialmente razoáveis.
Por outro lado, algo começa a se mexer no sistema de justiça criminal. A sentença judicial obrigando a um plano de redução de danos nas operações policiais na Maré, a nova postura do MP em relação às intervenções no Alemão e a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos que determina um plano de redução da letalidade nutrem a esperança de que o poder público possa um dia parar essa insanidade e instaurar uma política que preze pela proteção dos cidadãos e não pelo seu sacrifício no altar dos deuses da guerra.
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(Foto: Wania Corredo / Agência O Globo)
(Foto: Wania Corredo / Agência O Globo)
Ignacio Cano é coordenador do Laboratório de Análise da Violência da Uerj
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