July 4, 2017

PM vendia drogas em boca de fumo de São Gonçalo, diz inquérito



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Reforço. Um ônibus da PM leva soldados para a tropa do batalhão de São Gonçalo, que ficou com aproximadamente 15% de seu efetivo atrás das grades - Fabiano Rocha / Agência O Globo

Um usuário de drogas chega à boca de fumo de uma favela de São Gonçalo, à luz do dia, e vê um policial militar fardado no local. Ele hesita por alguns segundos, acredita que está ocorrendo uma operação, mas, logo em seguida, é surpreendido pelo PM, que manda o dependente químico se aproximar e ainda oferece entorpecentes. O viciado aceita: “Me dá uma de 20”. A resposta, provavelmente, é uma referência a pedras de crack. A cena inusitada está descrita no inquérito da Operação Calabar, da Delegacia de Homicídios de Niterói e São Gonçalo (DHNSG) e do Ministério Público estadual (MP-RJ), que culminou na prisão, até sexta-feira, de 82 dos 96 policiais militares do 7º BPM (São Gonçalo) denunciados por corrupção passiva e organização criminosa.
 — O viciado desconstrói a imagem de agente da lei e enxerga ali o bandido, o que realmente ele é: um criminoso travestido de policial. Essa relação tão próxima entre agentes da lei e traficantes nos impressionou, uma relação promíscua. Eles são sócios — comentou o delegado assistente Marcus Amim, da DHNSG, um dos responsáveis pela investigação.

USUÁRIO É PRESO POR TRÁFICO

De acordo com o inquérito, antes de o viciado comprar a droga, os policiais tinham tomado a boca de fumo dos traficantes. Os PMs, por algumas horas, trocaram de lugar com os bandidos para ganhar dinheiro com as vendas.

— Essa imagem é danosa para a sociedade. Os moradores, que não têm muita perspectiva nestes bolsões de pobreza, passam a ver essas cenas absurdas como uma relação normal. As crianças crescem neste ambiente achando que a venda de drogas é a única forma de ascensão social — comentou o delegado.

As mais de 200 mil gravações feitas durante as investigações da Calabar também revelam que os PMs denunciados pelo MP-RJ vendiam armas para traficantes e parcelavam o pagamento. Em uma das escutas, um policial negocia pistolas 9mm com um bandido: “E aquela nove lá que você falou em duas vezes?”. O PM pergunta: “Tá interessado?”. O criminoso tenta adquirir mais armas a prazo: “Tô interessado. Seis em duas vezes que tu falou”. Como quer fechar o negócio, o policial responde: “Faço, pra você eu faço, pô”.

O comando da PM vai reforçar o efetivo do batalhão de São Gonçalo com militares lotados em Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Todos os alvos da Calabar são praças e foram lotados no 7º BPM entre 2014 e 2016. Os acusados de corrupção representam cerca de 15% dos quadros da unidade, composta por pouco mais de 700 homens. De acordo com a investigação, semanalmente eles recebiam cerca de R$ 250 mil de propina do tráfico. Segundo a Polícia Civil, essa é a maior operação de combate à corrupção policial já feita no Estado do Rio.

Ainda segundo a DHNSG, uma das práticas dos PMs era combinar com os traficantes para fazer falsas apreensões de drogas. Quando iam ao ponto de encontro na favela, costumavam abordar usuários que eram levados para a delegacia como sendo os donos do material. Na unidade, os detidos acabavam autuados por tráfico. Essa atitude incomodava os responsáveis pelas bocas de fumo, mas os policiais alegavam que eram cobrados pelo comando do batalhão para bater as metas exigidas pela Secretaria de Segurança, referentes a prisões e apreensões de armas e drogas.

Por meio das escutas telefônicas, a delegacia identificou o caso de um usuário que foi preso no ano passado por policiais investigados, e acabou condenado pela Justiça por tráfico de drogas. De acordo com o delegado, será pedida uma revisão criminal do caso, para que ele responda por uso de entorpecentes.

Entre os 96 policiais denunciados, alguns têm posição de destaque na quadrilha, como o sargento André Luiz de Oliveira Sodré, o Sobrancelhudo, que comandou o Grupo de Ações Táticas do batalhão de São Gonçalo. Ele chegou a ganhar, em 2015, o prêmio “O Policial do Ano” concedido por um jornal de São Paulo a quem se destaca em suas funções. Outro alvo, o sargento Wainer Teixeira Júnior, foi candidato a vereador de Maricá pelo PTB, em 2016, mas não foi eleito. Na sua declaração de bens, disse que tinha apenas uma casa em Inoã, de R$ 100 mil. Segundo investigadores, sua foto ilustra cartazes em estabelecimentos da cidade. Segundo o titular da DHNSG, Fábio Barucke, os policiais militares, juntos, têm mais de 250 autos de resistência.

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