March 1, 2017

Fluminense FM, uma lacuna inteligente e engraçada


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Este ano, a Maldita ganha uma inédita homenagem nas TVs por assinatura e dois longas-metragens. A partir desta madrugada, a rede de áudio Sound, do Sistema Globo de Rádio, veicula o canal A Onda Maldita, com mais de mil músicas que selecionei das fases 1982-1985 e 1990 da rádio, fases em que estive na direção da emissora. O canal Onda Maldita estará, por 15 dias, na Net (canal 300), Sky (canal 474), Claro (canal 338) e Oi (canal 926).

A produtora Luz Mágica, de Cacá Diegues e Renata de Almeida Magalhães, roda este ano o filme “A onda maldita”, uma ficção inspirada em meu livro biográfico sobre a rádio, com roteiro de L.G. Bayão e direção de Tomás Portela. Mais: a cineasta Tetê Mattos lança o documentário “Maldita”, longa que está em fase de finalização.

Nenhuma outra FM foi cultuada por tanto tempo e tanta gente de tantas gerações. O tiro na asa fulminante da Fluminense foi a fala, o texto, o contexto, um quase radioteatro de vanguarda. Lançou a locução feminina em todos os horários, não usava gírias e palavrões (acabar com o estigma de juventude tola), mantinha locução sóbria, sem gritaria. Tudo que era dito no ar tinha texto, produção. Com muito humor.

Em 1982, a abertura política já parecia uma realidade e uma das provas foi a existência da Maldita. Se fosse no auge do AI-5, ela não poderia pôr no ar até notícias censuradas, com o apoio do dono da rádio, o saudoso liberal Dr. Alberto Torres.

Hoje seria mais complicado por causa de uma outra e não menos nefasta ditadura, a do politicamente correto. No dia em que “decretaram” a censura a algumas marchinhas de carnaval, a rádio chamaria uma banda, gravaria versões roqueiras das marchinhas vetadas e tocaria várias vezes por dia, com direito a falas indignadas de João Roberto Kelly. Mais: faria uma maratona de shows do tipo “Viva a Cabeleira do Zezé” com seu concubino, o Circo Voador.

Nestes tempos cinzentos, chatos e caretas como calça de tergal, impossível manter no ar o personagem Jarbas Falópio e seu programa “Palavras voam ao crepúsculo”. Reacionário, moralista, precursor do politicamente correto, em sua pregação diária Falópio disparava coisas do gênero: “Cuidado, Paula Toller, Toller, Toller (eco). Roqueiro é tudo bêbado e drogado ado, ado, ado (eco). Largue essa laia, Paula, la, la, la (eco). Um dia desses, contemplando em prantos a foto de Hitler, papai, mamãe e vovó na mesinha de cabeceira, me veio a luz. Mick Jagger finge que é viado só pra comer todo mundo, inclusive você Paula Toller, Toller, Toller (eco).”

E as músicas? O politicamente correto deixaria a Maldita tocar “Rock das Aranhas” de Raul Seixas, numa boa? (“Eu vi duas mulher/ Botando aranha prá brigar.../ Duas aranha /Vem cá mulher deixa de manha/ Minha cobra/ Quer comer sua aranha....”) A polícia deixou, mas o politicamente correto é menos liberal.

Mesmo fora do ar, a Fluminense FM continua sendo transmitida de boca em boca, já que até hoje a sua lacuna audaciosa, inteligente e engraçada não foi preenchida. Isso é que não dá para entender.

*Luiz Antonio Mello é jornalista e fundador da Rádio Fluminense FM


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