February 14, 2016

Carnaval de rua? Onde?


Álvaro Miranda
 
Diferentemente do clichê repetido a cada ano, o carnaval de rua morreu. O fenômeno atual, de grandes multidões pelas ruas, cheiro de urina, furtos de celulares, tensões, empurra-empurra, brigas de playboys, trânsito bloqueado, falta de policiamento e outros transtornos, parece atender mais a convocações publicitárias de grandes fabricantes de cerveja do que ao desejo de brincar, cantar e dançar numa das festas brasileiras mais emblemáticas.

Como apaixonado pelo carnaval, morador da Tijuca, não posso deixar de compartilhar o desabafo sincero e pertinente da jornalista Cora Ronai, moradora de Ipanema. Óbvio que esses e os demais bairros pertencem aos seus moradores e a toda população da cidade.

Lamentavelmente, o que não nos pertence mais, uma vez roubado sabe-se lá por que interesses nada a ver com as alegrias do Momo, é o espírito do verdadeiro carnaval de rua.

Chega a ser curioso, por exemplo, turmas de jovens gritando no interior do metrô frases desconexas, sem cantar uma música de carnaval, nova ou antiga. E, claro, invariavelmente, com um litro de vodca na mão. Estarrecedor e amedrontador a presença de grupos de jovens musculosos ávidos por encontrar pretextos para uma briga.

Patético o casal beijando-se, encostado na grade de um edifício da Vieira Souto, em Ipanema, durante a passagem do Simpatia é Quase Amor, enquanto o celular do rapaz era furtado por outro jovem, que fugia dançando com a maior cara de pau.

Sem falar da situação insólita de um policial que teve sua arma furtada durante o desfile de um bloco. Não bastassem essas e outras bizarrices, o maior absurdo tem sido a crença de que fatos assim já se tornaram normais como parte da folia. Como se fossem consequências naturais de um suposto aumento do contingente de foliões.

Assim, essas multidões nas ruas atestariam por si só o tal renascimento do carnaval de rua. Isso, como se uma pretensa “evolução” dessa festa consistisse na simples movimentação sem sentido, sem música e sem dança dessas turbas gigantescas de jovens bêbados, drogados ou ainda brigões.

Chega a ser irônico, por exemplo, alguns pequenos blocos desconhecidos tentarem realizar suas festas meio que escondidos, sem muita divulgação de horário e até de locais. Com razão, porém também sem muito êxito. Penso que é hora de mais “Bum bum paticumbum prugurundum” para a nossa folia de rua.

De um pouco mais de carnaval e menos tumulto. Carnaval não é sinônimo de multidão anódina ou de bagunça. Que o digam os desfiles da Marquês de Sapucaí. Lá o couro come, e ninguém vai se meter a fazer bagunça. A exemplo do enredo do Império Serrano de 1982, fica aqui uma sugestão para os dirigentes de blocos e ligas de blocos. A carioquice cordial e alegre agradece e o Brasil também.

O GLOBO, 13 DE FEVEREIRO DE 2016 

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