February 1, 2011

As garras de uma mãe tigresa


Filha de chineses, professora de Yale causa polêmica ao propor educação linha duríssima para as crianças.

Fernanda Godoy

Com um livro provocativo - no qual afirma a superioridade da forma chinesa de educar sobre a americana - Amy Chua, uma filha de imigrantes chineses que chegou ao corpo docente da Universidade de Yale, vem criando grande controvérsia nos Estados Unidos. A defesa de um sistema draconiano  - em que crianças são obrigadas a estudar horas intermináveis de piano e violino, proibidas de brincar ou de ver TV, de dormir na casa de amigos, e são punidas se não tirarem a nota máxima - provocou uma enxurrada de mensagens de ódio, múltiplos artigos na internet e em blogs, e até mesmo ameaças de morte.


"Battle Hymn of the Tiger Mother" virou best-seller, está a caminho de virar filme em Hollywood, e já começa a fazer sucesso na China, onde foi lançado com o título "Ser mãe na América". A polêmica começou com a publicação de trechos do livro no Wall Street Journal, com o título "Why Chinese mothers are superior", que gerou mais de oito mil comentários no site do jornal.

"O que os pais chineses entendem", escreve Amy Chua, "é que nada é divertido até que você seja bom no que faz. Para ser bom em alguma coisa, você tem que trabalhar, e crianças, por conta própria, nunca querem trabalhar, e é por isso que é crucial passar por cima das preferências delas. Isso geralmente requer uma fortaleza da parte dos pais, porque a criança resiste; as coisas são sempre mais difíceis no começo, que é quando os pais ocidentais tendem a desistir". A teoria explicaria por que ela ameaçou queimar os bichos de pelúcia da filha se ela não melhorasse o desempenho no piano.

Amy também conta que devolveu cartões de aniversário feitos pelas filhas, por considerar que não estavam à altura de sua capacidade, e que humilhou a filha mais velha, chamando-a de "lixo" , ao se sentir desrespeitada. Os relatos causaram reações furiosas, de pessoas que queriam denunciá-la por abusos contra menores e até pedir sua prisão. Na sua linguagem crua, Amy reconhece que "o fato é que pais chineses podem fazer coisas que pareceriam inimagináveis - e mesmo sujeito a ações legais - a ocidentais".

As duas meninas, Sophie, hoje com 18 anos, e Louise, de 15, tem currículos escolares brilhantes e viraram prodígios no piano e no violino. Mas Amy admite que teve que recuar um pouco no seu método depois que a filha mais nova se rebelou, aos 13, e abandonou o violino. No livro, Louise diz a uma amiga: "Eu não tenho tempo para nada divertido, porque sou chinesa". As duas meninas a tem acompanhado na platéia de programas de entrevista na TV, demonstrando apoio.

O marido, também professor em Yale, Jed Rubenfield, é judeu americano, e foi pego no meio da polêmica. Uma das respostas mais fortes veio de um artigo de uma mãe judia, Ayelet Waldman, entitulado "Em defesa da mãe ocidental, culpada, ambivalente e preocupada". No New York Times, o colunista David Brooks disse que "Amy Chua é fraca". "Praticar música por quatro horas requer atenção focada, mas não é de longe tão exigente do ponto de vista cognitivo como dormir na casa de amigas de 14 anos. Administrar rivalidades, negociar dinâmicas de grupo, navegar as distinções entre si mesmo e um grupo - esses e outros testes sociais impõem demandas que superam qualquer aula em Yale."

Mesmo Amy Chua, que antes da atual polêmica era mais conhecida por dois livros sobre relações internacionais - o mais recente deles sobre as razões para o declínio de impérios - começou a jogar água na fervura. Em entrevistas às TVs ABC e NBC esta semana, começou a suavizar suas declarações, depois de contar ter recebido ameaças de morte. No Colbert Report - um dos programas de humor de maior sucesso na Tv paga americana - Amy se disse surpresa com as reações.

- É um livro de memórias, era para ser engraçado, uma paródia de mim mesma. O livro fala do sistema de educação dos imigrantes chineses, no qual fui criada, e sobre alguns pontos fortes que vejo nesse sistema, mas também é sobre os meus erros, sobre como tive que recuar - defendeu-se.

Colbert pediu-lhe que não recuasse, dizendo que havia um componente políico que não podia ser desprezado.
- Nós estamos aterrorizados com os chineses, desde a abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim, quando vimos que eles tem muito mais disciplina do que nós - disse Colbert, em tom de brincadeira.

Na mesma noite, em seu discurso do Estado da União, o presidente Barack Obama tocou no tema do receio americano de perder a supremacia ao falar das mudanças ocorridas na economia mundial das ultimas décadas.

- Nações como a China e a Índia deram conta de que, com algumas mudanças por sua conta, elas poderiam competir neste novo mundo. E então ela começaram a educar seus filhos mais cedo e por mais tempo, com maior ênfase em Matemática e Ciências - disse Obama, citando que a China possui hoje o computador mais rápido do mundo e a maior unidade privada de pesquisa sobre energia solar.

O Globo, 30 de janeiro de 2011.





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