A única décima colocação de qualquer concurso do mundo que rendeu um e-mail e um tweet
Artur Xexéo
ilustração de CRUZ (clique para ve-la maior)
Esta coluna promove a eleição da Mala do Ano há mais ou menos 15 anos. Digo “mais ou menos” porque admito que não me lembro muito bem de quando tudo começou. Na época, ainda frequentava o outro botequim e não tenho acesso a seus arquivos. Lembro-me, porém, de que a ideia partiu de um leitor, e, desde então, é o leitor quem manda no concurso. Nesse período, foram eleitas mais ou menos 15 malas.
Como sempre foi hábito mencionar as dez primeiras colocadas, não seria um grande erro afirmar que devo ter citado mais ou menos 150 malas nestes 15 anos. Porém, como algumas malas apareceram no Top 10 mais de uma vez (a ministra Dilma, por exemplo, vencedora de 2009, já estava entre os dez mais de 2008), talvez eu tenha citado cem personalidades diferentes desde a primeira eleição.
Pois bem, dessas cem malas, nenhuma escreveu ao colunista para reclamar de sua inclusão entre as favoritas do leitor.
E foi assim até quarta-feira passada, quando recebi o seguinte e-mail: “Caro Xexéu: Que bom saber que você finalmente entendeu o duplo-sentido incluído no título do meu programa.
Quanto a ser uma das ‘malas’ que mais chatearam você este ano, eu entendo, e me desculpo.
O que você fez em 2009, afinal? Escreveu um romance que já teve sua primeira edição quase esgotada? Escreveu um filme que foi campeão de bilheteria? Escreveu uma peça que foi montada em várias cidades do país? Teve algum sucesso nos seus planos de ser entrevistador de TV? Conseguiu ficar bonito em alguma foto? É, chateia mesmo.
Fernanda Young” Fernanda Young ficou em décimo lugar no concurso deste ano. Fico só imaginando qual seria sua reação se tivesse sido a vencedora.
Uma tentativa de assassinato? Há duas ou três coisas que gostaria de comentar sobre o e-mail. Para começar, não entendi direito — o que é muito natural, afinal o texto de Fernanda Young costuma ser altamente sofisticado e não é para qualquer um entender — qual seria o duplo sentido do título de seu programa de TV. Que duplo sentido pode ter algo chamado “Irritando Fernanda Young”? Acrescentaria que não há motivo algum para se pôr um hífen em “duplo sentido”. Eu sei que, com o novo acordo ortográfico, todo mundo está meio perdido com o emprego do hífen. Mas Fernanda Young é uma escritora com romances “quase esgotados”, escreve peças que são montadas “em várias cidades”, escreve filmes que são campeões de bilheteria, fica bonita nas fotos. Enfim, Fernanda Young é uma mulher de sucesso. Não pode ficar soltando hífens por aí a esmo.
Percebi também que Fernanda Young não entendeu o espírito da coisa. Ela não é uma das malas que mais me chatearam este ano.
Não acompanhei seu desempenho de sucesso em 2009. Não li seu romance quase esgotado, não comprei sua “Playboy” (parece que esta não esgotou, não; é mais fácil de comprar do que o romance) e, embora tenha estado em várias cidades do país em 2009, nunca calhou de estar no mesmo município em que sua peça estivesse sendo montada. O pouco que vi de Fernanda Young em 2009 foi no programa que ela apresenta nas madrugadas de domingo para segunda-feira no GNT. Ele não me chateia, mas me diverte. É verdade que me diverte mais quando Fernanda Young fala menos que o entrevistado (quando fala mais baixo, acho melhor também). Enfim, não tenho razão alguma para me chatear com Fernanda Young. Ela apareceu entre os dez mais da Mala do Ano pelo simples fato de ter sido votada pelos leitores desta coluna. Só isso. Será que há um duplo sentido (sem hífen, por favor) na eleição que eu não tenha captado? Por fim, gostaria de saber o que faz Fernanda Young imaginar que suas vitórias pessoais são um exemplo para a Humanidade. Ela tem razão: não escrevi um romance, não escrevi um filme, não escrevi uma peça, não tive planos de ser entrevistador de TV e não fiquei bonito em foto alguma. Aliás, fico tão feio em fotos — elas são justas com meus aspectos estéticos, devo admitir — que prefiro não posar para elas. E daí? Quem disse para Fernanda Young que suas realizações são o desejo dos outros. Os meus, posso garantir, não têm nada a ver com isso. Por exemplo, já estou mais do que realizado por uma pequena vitória conquistada em 2009: irritei Fernanda Young.
E para terminar, mas para terminar mesmo, vou contar o que mais me impressionou no email dessa mulher de sucesso: ela o enviou às 8h04min da manhã de quarta-feira, o dia em que seu nome apareceu no décimo lugar da Mala do Ano. E isso depois de já ter mandado uma mensagem, em versão reduzida, a todos os seguidores de seu Twitter. Vem cá, às 8h04min da manhã, em São Paulo, ela já tinha lido minha coluna, já tinha assimilado a questão, já tinha planejado uma resposta e já a tinha escrito? Isso é que é leitor fiel. Espero em 2010 contar com leitores tão dedicados quanto Fernanda Young.
O colunista deseja a todos os outros leitores um feliz 2010.
O Globo, 30 de dezembro de 2009
E o fez brilhantemente! (e ela é mala mesmo.)
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