July 1, 2009

'Não existem provas de casos de delação'

Filho de Wilson Simonal rebate as acusações de que seu pai teria sido um informante da ditadura militar



ENTREVISTA
Max de Castro

Nos tempos da ditadura, assumir uma posição política era uma exigência feita tanto por aqueles alinhados com o governo militar, quanto por militantes de esquerda. Na mesma linha, um debate que ocupa a opinião pública, hoje, também tem relação com aquela época: de um lado estão os que acusam o cantor Wilson Simonal de ter sido um informante da ditadura; do outro, ficam os que defendem o artista com igual paixão.
O sucesso de “Simonal — Ninguém sabe o duro que dei”, documentário de Cláudio Manoel, Micael Langer e Calvito Leal em cartaz no Brasil, fez com que a dúvida que permanece por mais de 30 anos retornasse com toda a força, inclusive com a publicação, no jornal “Folha de S. Paulo”, de um depoimento que Simonal teria dado à polícia, assumindo ser dedo-duro.
Em entrevista ao GLOBO, Max de Castro, filho do cantor, porém, rebate qualquer alegação sobre o fato.
“Não existe prova de delação”, diz ele.

André Miranda

O GLOBO: “Simonal — Ninguém sabe o duro que dei” trouxe à tona a discussão sobre os muitos anos em que Wilson Simonal foi considerado um informante da ditadura. Você e sua família acreditam que ele tenha sido informante?
MAX DE CASTRO:
Não acredito por uma simples razão. Em 37 anos, desde o episódio em que esse assunto apareceu, não existem provas de casos de delação de qualquer pessoa do meio artístico e de desbaratamento de qualquer movimento subversivo ou não, em que se possa dizer: “Aí teve o dedo do Simonal”.

Qual a sensação de vocês, familiares, ao assistirem ao documentário?
CASTRO:
Fico sempre impressionado sobre como todas aquelas coisas podem ter acontecido na vida de uma pessoa, impressionado com o drama humano. A infância miserável, o talento, o sucesso, as Mercedes, as mulheres, o racismo, o processo e a prisão, a família, o ostracismo, o alcoolismo.
Parece tragédia grega.

Em um depoimento ao Dops, no dia em que o contador tomou a surra dos policiais, o Simonal teria declarado que cooperava com a ditadura com "informações que levaram esta seção a desbaratar por diversas vezes movimentos subterrâneos". O que vocês acham desse depoimento?
CASTRO:
É fundamental entender o contexto dessa declaração.
O depoimento do Simonal foi dado no mesmo dia e no mesmo local onde houve a agressão a seu ex-funcionário e justamente para os mesmos policias que foram os responsáveis pela operação — o chefe de buscas ostensivas do Dops, Mário Borges, e o policial da casa Hugo Correia de Matos.

Vocês acham, então, que o depoimento do Simonal pode ter sido forjado?
CASTRO:
Para mim, é claro que esse documento “legal”, feito em forma de denúncia, foi produzido para legitimar a atitude ilegal que os policiais iriam cometer.

E vocês conheciam esse depoimento?
CASTRO:
Há bastante tempo.
Eu já vi esses documentos até em tese de mestrado de faculdade.

Como o Simonal se sentia carregando o peso nas costas de ser considerado por muitos como um informante? E para a família? Vocês também sofreram com o preconceito que o Simonal carregou?
CASTRO:
Não dá para explicar com palavras. No filme, o sofrimento aparenta ser grande. Posso garantir que fora da tela o sofrimento foi cem vezes maior.

Por que você acha que essa história perdura até hoje? Quem foi o responsável em colar em seu pai a alcunha de dedo-duro?
CASTRO:
A guerra política é suja. Informações e contrainformações são usadas para confundir. Se o Simonal não fosse “marrento” e “exibido”, não teria colado. É como apelido que só pega em quem reage.
Se você ler o processo dele, em 655 páginas não há um único fato concreto que mostre que ele tenha colaborado com o Dops como informante. Na verdade, o máximo que se pode afirmar é que foi o Dops quem colaborou com ele. Esse foi o seu grande erro: usar o seu prestígio e carisma de artista para resolver um problema pessoal de uma maneira tão irresponsável. O Simonal era umas das pessoas mais famosas do Brasil naquela época. Os policiais não fizeram aquilo por razões políticas, fizeram para bajular o astro, o ídolo.

A tese defendida pelo documentário é de que Simonal não era informante, mas que ele ainda assim cometeu o erro de encomendar a surra no contador. Ele falava sobre isso com a família?
CASTRO:
Não concordo que o filme defenda essa tese. O tema é abordado mas é que, como não há provas de que ele tenha sido mesmo um informante, seria leviano fazer essa afirmação. Todo mundo é inocente até que se prove o contrário. Não se trata de inocentar Simonal. É que ainda faltam dados para condenálo. Embora tivesse seus motivos, ele pôs tudo a perder quando decidiu resolver o assunto com violência e covardia.
Foi processado, condenado, preso e perdeu tudo o que tinha conquistado. Só não é justo, por tabela, ele ter de pagar por um outro crime que ele não cometeu.

Qual a imagem do Wilson Simonal que você guarda na lembrança?
CASTRO:
A de um pai afetuoso, querido e amoroso.

O Globo, 27 de junho de 2009

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